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28.6.04

Jeffrey Tate no CCB dirige uma verdadeira orquestra Sinfónica Portuguesa 

Ontem foi o concerto da Canção da Terra de Mahler no CCB. O maestro Jeffrey Tate, discreto e muito certo, sábio no trabalho de casa, deu-nos uma leitura poética, muito ligada ao texto poético do alemão de Bethge traduzindo poesias chinesas de Li T'ai-po (1,3,4,5), Chang Tsi (2) e Meng Kao-yen e Wang Wei (6 Der Abschied - O Adeus). Não descobri qualquer referência à autoria dos poemas chineses no programa do concerto. Esta referência seria importante e a sua omissão um erro grave.

Tate sabe como poucos dirigir Mahler, sabe dar-nos a evolução do material temático em infinitos matizes, em variações infindas, com uma subtileza tal que a marcha temática e harmónica se tornam imperceptíveis. Tate não se limita a ler rigorosamente a partitura, Tate transgride e reinterpreta, faz suspensões quando a música e a poesia se aproximam dos momentos de clímax, quer por saturação, quer por despojamento. Mas, por outro lado, a subtileza rítmica de Mahler, é lida de forma tão exacta, mesmo quando transgredida, quase um paradoxo, que quase chega a ser perturbante. Ouvir as alterações súbitas de tempo, sempre surpreendentes, sempre novas, mas tão ligadas ao texto, às mudanças de humor, alegria, euforia, abandono, adeus, desencanto, ligadas ao tempo, ao timbre, à progressão harmónica. Fico sem palavras para explicar, apenas o ouvir, o recordar... Noto a perpétua indecisão entre as tercinas e as batidas a dois tempos marcadas nas harpas depois repercutidas por toda a orquestra e que prenunciam a nona sinfonia, a derradeira, a mortal nona sinfonia que aterrorizava Mahler e que, estranhamente, seria o ponto derradeiro e esperado, anunciado, da sua vida. Volto à oscilação entre esses pólos, essa indecisão que leva à eternidade, é nesse oscilar que o final eterno se condensa. Tate dirige o Abschied, o Adeus que mata mas leva ao eterno, o Adeus com que Mahler abraçou a eternidade do "Ewig..." final. Tate dirige a orquestra responde... que mais há para dizer?

Cantores: o tenor, Keith Lewis, substituto, cantou em esforço e visivelmente preocupado por abraçar um papel pouco preparado, esteve francamente aflito na primeira canção "Das Trinklied..." e francamente melhor nas outras duas, mas sempre a patinar um pouco nas saídas e no final das notas, nas suspensões, nas variações de tempo de Tate, sempre a desligar as notas de forma stressada, preocupado em não falhar a próxima entrada! Cantou sempre entre o meio forte e o fortíssimo, caindo muito para o canto demasiado puxado na garganta e pouco apoiado no corpo, acabou por ser pouco natural. Nota-se que tem qualidade musical, mas o trabalho de ensaio deve ter sido muito curto para apurar a interpretação, embora este papel não lhe seja totalmente estranho. De qualquer modo cantar com o concertino Devries a tocar atrás das costas deve ser terrrrrrífico, é quase o mesmo que cantar com uma arma de destruição maciça do George W. Bush apontada às costas, perdoa-se pois ao tenor algum deslize...

A meio soprano Petra Lang, substituta, foi a taluda para a produção, estava em Sevilha a cantar este papel, estava muito bem preparada, uma voz de uma grande elegância e subtileza, uma interpretação poética e musical notável, vibrante mas melancólica ao mesmo tempo. Graves pouco naturais mas muito bem preparados e bem disfarçados, trata-se de uma meio soprano e não de uma contralto. Os ataques perfeitos, um entendimento com Tate que parece ter sido amor à primeira vista, não notei uma entrada fora de tempo, um desligar dos tempos oscilantes de Mahler e Tate, não houve um perder do tempo quer nas inflexões súbitas quer nos ritardandos. Ensaio no sábado, concerto ao domingo... e a perfeição.

Da orquestra quando está óptima pouco resta a dizer, há que corrigir o concertino, talvez um curso de reciclagem. Madeiras excelentes, clarinetes, flautas, oboés, fagotes, contrafagote: bravo o solo do Abschied, trompas divinas, celesta claríssima, harpas bem, restantes metais discretos na estridência e imperiais no som, como mandam as regras. Cordas muito bem, violinos (apesar do tal) sem desafinar e coesos, o que é raro, violoncelos e contrabaixos dentro do costume que é muito bom, violas untuosas e sonoras, percussões muito musicais.

O coro em Schumann, uma obra facílima, foi melhor que o costume, mas mesmo assim empastelado e a precisar urgentemente de um maestro de coro que saiba trabalhar um coro.

Um concerto que se deve todo a Tate e ao profissionalismo e qualidade dos músicos. O que seria se a OSP tivesse sempre maestros deste calibre? Seria uma grande orquestra mundial dentro de pouco tempo.


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