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15.4.04

The Sixteen 

Gulbenkian, dia 13 de Abril, 19h. Ver crítica.

Como o artigo citado informa, eu apenas faço mais uma reflexões.
Um excelente concerto, não absolutamente perfeito, umas entradas falhadas no Stabat Mater de Domenico Scarlatti, curiosamente uma obra de pendor bem mais "arcaico" que o conhecido Stabat Mater de seu pai, Alessandro, mas em que se nota um génio absolutamente notável. Obra a dez vozes com baixo contínuo, o baixo não se limita a dobrar as vozes dos baixos, é independente e sublinha de forma notável os momentos mais expressivos da obra. Um Stabat Mater compungido, em que se lamenta o sofrimento da Mãe de Deus, mas também dramático, em que se sublinha o sofrimento do Filho, e em que se aspira ao Inefável através da identificação dos sentimentos do crente, que escreve a obra, com os padecimentos de Maria.
É precisamente nesta fase derradeira em que se aspira ao Céu e se pede a Redenção que a obra assume um pendor contrapontístico notável, em que as vozes se perseguem numa fuga complexa que carece de um coro maduro e perfeito. Aqui o agrupamento dirigido por Harry Christophers, eram vinte cantores, (não eram dezasseis como o nome poderia dar a entender!) foi notável. O Amén final deu-nos a confiança e a esperança, até para perceber que existem coros capazes de cantar estas obras com alto nível.

Claro que as vozes individualmente consideradas não seriam as mais indicadas para os soli expostos do Stabat Mater mas será que no século XVIII se cantaria tão bem esta obra? De forma tão perfeita? Não será demais exigir a um coro que contenha em si cantores solistas, que poderiam cantar papéis de ópera ou de oratória?

Numa perspectiva contida dentro do agrupamento entende-se a concepção do maestro, por outro lado senti uma interpretação muito pura da vocalidade em todo o reportório abordado, as obras ganham no meu entender uma dimensão intemporal, como se tratassem dos últimos quartetos de Beethoven ou da Arte da Fuga, uma dimensão pura e mágica não metida a martelo num período histórico e com os seus tiques.
Mas será que quando foram compostas se interpretariam de forma tão pura, tão renascentista? O que aliás não está longe da concepação maneirista das obras, repare-se nos cromatismos que realçam as chagas de Cristo, as dissonâncias que marcam a crucificação e a morte sob Pôncio Pilatus, ou as pausas súbitas que dão uma força telúrica aos padecimentos de Maria.

Os barroquismos não contaminariam a interpretação na época em que as obras foram compostas? Tratam-se de obras religiosas a muitas vozes, melismas a mais, ornamentações, diminuições seriam sempre complicadas de fazer por capricho de cantores isolados, falo de prática usual e global, instituída, estabelecida, o uso de formalismos assumidos na época e que se perderam na descontinuidade intrínseca que o conceito de música antiga contém dentro de si, afinal perdeu-se a linha da interpretação desta música. Nem sempre: certos corais de Schütz permaneceram nos livros de liturgia até 1936 ou mesmo até hoje, mas da nossa música de setecentos perdeu-se mesmo a linha interpretativa.
Ou será que estas questões são disparatadas e a beleza da música é apenas e só eterna? A beleza que os Sixteen nos trouxeram.

Notas finais:
Um excelente baixo contínuo com arquialaúde, harpa doppia e orgão positivo. Se contarmos com Henry Christophers os 16 eram afinal 24!

Segundo me disseram não se ouviam as cordas numa zona do auditório a partir do meio da primeira plateia, faltou a ressonância de uma nave de uma igreja, ou então uma sala mais pequena. Recordo que os orgãos que acompanhavam os coros eram orgãos grandes, com uma respiração uma pujança enormes, mesmo quando usavam os registos do positivo, os alaúdes podiam ir aos cinco e seis, percebe-se pois a pouca audibilidade dos instrumentos, felizmente estava à frente e consegui escutar com muita clareza a beleza dos instrumentos dedilhados.

Henrique Silveira

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