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25.4.04

Sábado na Festa da Música 

Sábado

Jean Efflam Bavouzet, redução para piano de Liszt da Morte de Isolda, o prelúdio do 1º acto do Tristão numa redução de Zoltan Kocsis na sala Eichendorff, concerto de nível extraordinário. Wagner de arrasar, Liszt um pouco redundante depois. Falei com o pianista há alguns minutos atrás, e perguntei-lhe porque razão colocou obras musicalmente tão mais pujantes de Wagner no princípio do recital e Liszt depois para terminar, a resposta foi simples: A morte de Isolde é tão dramática que toda a gente se iria atirar à água à saída. Terminar com o Grande Solo de Concerto de Liszt é uma saída em brilhantismo, peça dificílima, raramente tocada em versão de piano solo, é a obra precursora da sonata de Liszt. Mas claro que musicalmente o recital foi em crescendo de brilho e decrescendo musical, a opinião com que ambos ficámos, mas o público ainda manda qualquer coisa. De qualquer modo Bavouzet pensou muito na ordem do programa acabando por decidir acabar em força em vez de acabar em tristeza. A ideia de juntar o prelúdio de Tristan à morte de Isolde vem de Wagner, que nunca quis que a Morte fosse executada sem o Prelúdio, quando em concerto e com a Morte em versão orquestral sem o canto. Liszt nunca reduziu o Prelúdio para o piano, ninguém sabe porquê, é um mistério. Bavouzet quis assim respeitar Wagner e interpretou uma redução do Prelúdio, que classificou como excelente, de Kocsis. O Arco fecha-se assim com o acorde de Tristan e uma coerência harmónica de uma lógica inabalável. A escolha de Wagner por Bavouzet é lapidar, alguém com coragem de transcender algumas das banalidades pianísticas de Liszt, terrivelmente difíceis para os pianistas e violentas para o público, mas que às vezes acabam por ter pouco conteúdo musical, nem toda a obra de Liszt é da qualidade da sonata e das suas últimas obras, muita da sua música de piano destinava-se apenas a fazer desmaiar as damas e satisfazer a vaidade do virtuoso Liszt... Bavouzet acrescentou que a obra Grande Solo de Concerto tem uma arquitectura complexa em quatro partes: arrebatada, meditativa, arrebatada, meditativa a que se acrescenta uma coda final,..., esta última é apenas um terrível tour de força para levar o público ao desvario com acordes violentíssimos e harpejos num crescendo vertiginoso e sem grande relação musical com estrutura que a precede, a coda serve para arrebatar o público e fazer suar o pianista, uff c'est terrible!" Uma das mais difíceis obras do repertório pianístico.
Bavouzet citou ainda Haydn: A música é matemática feita sem se perceber que se está a fazer matemática, intuitivamente. Palavras do pianista que citou de memória... Amanhã toca com os Lindsay, a não perder: quinteto de Schumann.

SN 12h30m, Carlos Mena cantou Schumann e Liszt, a sua sensibilidade e musicalidade são elevadas mas o concerto não foi perfeito, a sua mulher, Susana García de Salazar, não foi exacta ao piano, e Mena entrou muito frio, com a emissão a fugir e algo áspero nos agudos primeiro e nos graves a seguir, felizmente foi melhorando. Mas pôs a tónica na beleza vocal, na melancolia e não numa leitura poética dos textos de Eichendorff. Paradigmática a falta de dramatismo na palavra "Tod", quando se revela, de chofre e em choque, que a donzela há muito estava morta, palavra que remata um dos poemas da Liederkreis: "In der Fremde".

Concerto de Clara Schumann em lá menor, com orquestra nacional do Porto, houve tempo para escutar, mudei de sala depois do Schumann de Mena e ainda ouvi este concerto fora do percurso previsto. Um belo concerto, muito lírico, com frases, entregues ao piano, de grande poesia e beleza. Um solo de violoncelo que saiu bem, embora o violoncelista seja conhecido como "o gesto é tudo"! O som do violoncelo ainda se conseguiu ouvir além da géstica do músico. A solista, Brigitte Engerer, não foi muito convincente, o maestro pareceu-me correcto e o som da orquestra bastante aceitável. Nos Prelúdios de Liszt o mesmo defeito da OSP: sopros muito duros, mas a orquestra neste capítulo: equilíbrio cordas/sopros, pareceu mais certinha que a OSP.

Quarteto Ysaÿe, elegância, fraseado recortado e muito entusiasmo numa sala sem condições para a audição musical, ar condicionado com um ruído horrível e tecto muito baixo, Mendelsshen e Schumann com subtileza e lirismo. O som foi pouco denso, mas a elegância foi total. Concerto muito bom.

Quarteto Lindsay: mandaram desligar o ar condicionado e bem! Um dos melhores quartetos da actualidade. O primeiro violino e o violoncelo tocam juntos há mais de quarenta anos! Pareciam miúdos, com a maturidade de patriarcas. Foi um deslumbramento ouvir Mendelssohn e Schumann assim. Outro concerto extraordinário.

18h: Kölner Kammerchor e Colegium Cartusianum, direcção de Peter Neumann. Missa Sacra opus 147 de Schumann. Solistas médios com poucas intervenções. Coro muito bom, orquestra de música antiga com instrumentos da época. Um som de grande qualidade, mas algumas falhas nos metais e nos oboés, as restantes madeiras estiveram muito bem, faltou alguma expressividade nas cordas onde existiu uma grande preocupação com a qualidade sonora. Faltou algum pathos. Mas bom concerto.

Boris Berezovsky LISZT Integral dos estudos de execução transcendente, era a não perder e fica marcado pela personalidade deste pianista fortíssimo. Acabou por ser uma demonstração de um virtuosismo absoluto onde só faltou um pouco de contenção na agressividade do toque e do manejo do pedal que em certos momentos empastelou um pouco a clareza das frases. Mas a clareza táctil e a agilidade do pianista são extraordinárias. A capacidade de tocar estes estudos de um fôlego já é de si uma raridade. Outro aspecto é a qualidade musical destas obras que são demasiado agressivas na componente virtuosística, por isso mesmo o pudor de Liszt na denominação: "estudo", algo que se pode tocar em concerto mas que serve para um propósito de desenvolver um capítulo técnico e artístico, estes parece que eram mesmo para concerto. Por atacado fica um pouco a sensação de que falta algo e que é demasiado do mesmo. Mas mesmo com estas ressalvas foi um recital extraordinário.

Paulus de Mendelssohn, Akademie für Alte Music Berlin, RIAS-Kammerchor, Daniel Reuss direcção, Sibylla Rubens - soprano, Christianne Stotjin - alto, James Taylor - tenor, Christoph Hartkopf - baixo. Simplesmente deslumbrante esta obra de Mendelssohn. Simplesmente deslumbrante a interpretação de Neumann, a sua vivacidade a sua capacidade de tirar expressividade e som de uma orquestra que está virada para um reportório muitíssimo mais antigo! Mas que clarinetes, oboés, fagotes e flautas. Que excelentes trompas com um trabalho terrível de canalização durante toda a obra: trompas naturais, sem rotações; para se conseguir tocar em todas as tonalidades é necessário andar a trocar tubos cada vez que se modula. Trompetes idem! Trombones aspas. Tímpanos a condizer. Cordas mais que perfeitas. Que se pode dizer quando é tudo bom? Coro simplesmente celestial, bem que fizeram a voz de Deus, a voz de Jesus de Nazaré que chama por Paulo. Um belíssimo tenor, um soprano bom com reservas: deixou fugir a emissão algumas vezes, um baixo que entrou mal e a desafinar e acabou a subir, um contralto que é mezzo, sem graves, mas que também quase não tem papel. O melhor foi a orquestra e o coro, concentrados, com prazer na música, deliciados em tocar e cantar, um deslumbramento. Mendelssohn o grande compositor inspirado em Bach, com Beethoven pelo meio, a mostrar-se em todo o seu esplendor. O concerto do dia pela música e pela interpretação, mesmo com as cordas a esquecerem o vibrato...

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