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26.4.04

O que perdura e o efémero - Depois de Domingo sem balanços 

Domingo, concerto Köln, Melvyn Tan no piano de concerto em vez de piano forte, sem maestro. Uma excelente sinfonia para cordas nº 10 em si menor de Mendelssohn. Concerto Köln dispensa apresentações e elogios. Afinação muito complicada e a fugir um pouco, ou bastante, sobretudo nos agudos, porque, creio eu, as cordas temperadas para 430Hz estavam afinadas a 442Hz por causa do piano de concerto que veio a ser usado a seguir. O concerto resultou algo estranho neste aspecto, incaracterístico desta formação excepcional. Os concertos anteriores deste agrupamento com cordas na sua tensão habitual foram perfeitos, nada tendo a ver com esta apresentação matinal. Não comento Tan porque apenas ouvi um pouco e mudei de sala para escutar o concerto do octeto dos Limas, mas pareceu-me pouco fluente, agarrado ao teclado pesado do instrumento moderno que Portugal tem para dar aos grandes intérpretes do pianoforte histórico...

Domingo, 11h da manhã, octeto de Mendelssohn opus 20, Aníbal Lima, José Pereira, Miguel Gomes, Rodrigo Queirós, violinos; Paul Wakabayashi, Jano Lisboa, violas; Irene Lima, Paulo Gaio Lima, violoncelo. Devo dizer que não me parece o melhor do ponto de vista da prática musical que se formem agrupamentos apenas para um concerto. Parece que em Portugal tudo é difícil, que trabalhar para aquecer é duro, duríssimo até. Nestas circunstâncias será difícil fazer melhor. Como comparar um quarteto, ou um duplo quarteto com agrupamentos que tocam juntos há mais de vinte anos (com dois músicos a tocar há quarenta anos juntos) sem fazer mais nada, caso do quarteto Lindsay? Ou mesmo há três como o Psophos? Ou há mais de dez como o Isaÿe?
Mas a música feita com prazer acaba sempre por ser agradável, neste caso assim foi, mas é uma experiência efémera, que não perdura. Notaram-se dificuldades de afinação no primeiro e segundo andamentos do octeto de Mendelssohn, corrigidas no scherzo, o último andamento, com algumas dificuldades de tempo de entrada no início até correu muito bem. Merecia mais continuidade, mas sabemos que esta experiência não perdura e não vai ganhar consistência...
Cravos vermelhos nas estante de Aníbal Lima, Irene Lima e Paulo Gaio Lima, se não me engano: 25 de Abril na Festa da música.

12h15m, Sala Hölderlin, Boris Berezovsky, Sinfonia Varsovia, direcção de Peter Csaba. Manfred abertura de Schumann: muito bem tocada, sopros de veludo, uma beleza para os ouvidos. Entra Berezovsky, concerto de Chopin opus 21, número 2. Ataca o piano de forma intensa, faz recostes de arrasar com os seus dedos mágicos, pianíssimos incríveis, touché com uma suavidade e uma clareza impossíveis. Tudo foi dito: um sobredotado, um virtuoso incrível, um verdadeiro fenómeno. Mas senti que faltava a mola emocional do primeiro concerto, na sala Hoffmann, bem mais pequena, onde a proximidade com o piano e o artista acabaram por dar à interpretação uma naturalidade maior. Mas foi marcante.
Berezovsky para mim esteve no melhor e no pior desta festa da música, o concerto de câmara a que assisti foi um triste espectáculo em que colaborou sem se impor. Perdi o Ensemble explorations à mesma hora sem ter ganho grande coisa com o facto.

13h, corrida do concerto de Berezovsky para assistir ao quinteto de Schumann em mi bemol maior opus 44, para cordas e piano, um quinteto célebre, uma obra de câmara absolutamente genial, uma peça de uma arquitectura deslumbrante que está, para mim, acima de muitas obras sinfónicas do mesmo compositor, uma obra prima da música de todos os tempos. Neste quinteto não existe qualquer destaque de qualquer instrumento relativamente aos outros, é uma obra de um equilíbrio total. Intérpretes: Jean-Efflam Bavouzet, um pianista intelectual, francês com escola russa, tecnicamente muito bom, emocionalmente empenhado na música que é como quem diz: toca com paixão. Que combinação perfeita: racionalidade e paixão, a crítica institucional não deu o destaque merecido a este pianista. O quarteto Lindsay fez a parte das cordas. O quarteto Lindsay é um quarteto notável, muito intuitivo, com uma sensibilidade para os timmings de entrada tão exacta que até dói, não existe uma nota fora do lugar, uma entrada fora de tempo, um retardando que não seja feito por todos, ninguém dá ordens, Peter Cropper no 1º violino geme em silêncio, bate com os pés, faz caretas, Ronald Birks no segundo é um modelo de calma e eficiência um prazer ouvi-lo a tocar e conversar sobre música, Robin Ireland com o seu cabelo grisalho e rabo de cavalo parece que se está nas tintas para tudo, como compete a qualquer bom viola que se preze, o violoncelo é um gorducho com ar de bom garfo já com falta de cabelo e ar rosado que toca como se não fosse nada com ele. Birks explicou-me que a paixão com que tocam é natural mas também é fruto de um trabalho intenso, não se podem tocar os compositores do romantismo de forma contida, tem de se ser apaixonado, dar tudo, isto não significa que não se seja másculo. Creio que aqui bate o ponto, o quarteto Lindsay é, em certos passos, demasiado rústico na sua sonoridade, o que dá alguma impressão de falta de pensamento das obras, mas creio que é apenas impressão, se ouvirmos as dinâmicas e os tempos percebemos que muito saber está por detrás.
Segundo se escreveu Bavouzet foi contagiado pelo quarteto Lindsay mas, segundo o próprio Peter Cropper, Bavouzet foi tão intuitivo, tão apaixonado pela música de Schumann que o contágio foi mútuo. Segundo Bavouzet disse em conversa em torno de um café: "A life time experience" ao que Peter Cropper acrescentou que a experiência era mútua. Depois desta conversa que mais há para dizer do concerto? A Life time experience para quem ouviu, nem mais nem menos... A comunicação entre os músicos foi tão profunda, a execução tão perfeita que a par de Wagner por Bavouzet, do Paulus de Mendelssohn, de Chopin por Berezovsky e do Concerto Köln na Italiana de Mendelssohn, estes foram os momentos que perduram na minha memória desta Festa da música.

Seguiu-se um concerto de uma elegância enorme: Akademie für Alte Musica de Berlin sem maestro, numa sinfonia para cordas de Mendelssohn, nº 10 em si menor e num andamento da opus 11. Concerto para violino nº 1 em ré menor para violino e cordas. Midori Seiler no violino. Gostei muito deste concerto pela plástica sonora das belíssimas cordas de tripa, tocadas de forma notável pelos músicos da AAM de Berlin. Midori foi muito sensível, articulou muito bem, irrepreensível na afinação e muito expressiva. Uma interpretação apolínea a combinar com as de Queffélec e do Psophos e para contrastar um pouco com os dionisíacos Beresovsky, Bavouzet, Lindsays, Stern e demais...

Uma conversa com Peter Neumann o maestro perfeccionista e tímido que dirigiu Elias opus 70 de Mendelsohn e Missa Sacra de Schumann opus 147, a sua insatisfação com os sopros: "os oboés eram muito fracos" e um baixo (Friedrich que fez o Elias) que desafinava nas entradas e cujo vibrato parecia trémulo, uma coisa bastante estranha: "Ele é bom, um excelente cantor, mas está habituado à música antiga onde não há vibrato, além disso a afinação a 430Hz faz com que tenha dificuldades nas entradas a seco", quando lhe falei do vibrato deu uma pequena gargalhada suave e disse: "realmente soava esquisito não era? Nos ensaios até cantou bem". Segundo sei Neumann fez muitos ensaios em Colónia com a orquestra do Collegium Cartusianum e o coro, mas os oboés foram substituídos à última hora o que desequilibrou todos os sopros devido ao papel tão importante destes instrumentistas na respectiva secção. Um coro amador: Kölner Kammerchor, de fazer corar muitos coros profissionais. No final e mesmo com os defeitos apontados acabou por ser uma interpretação muito cuidade e muito intensa. A preocupação perfeccionista de Neumann com a beleza sonora rendeu frutos no Elias, o maestro ontem estava muito mais satisfeito do que no Sábado após a Missa de Schumann. Ursula Eittinger foi um contralto de última hora que cumpriu, o soprano Trine Lund mostrou uma voz pouco encorpada mas bonita, o tenor Felix Rienth também cumpriu, mas os solistas foram um pouco inferiores aos da oratória Paulus do mesmo compositor. Não ouvi até ao fim, mudei de sala a correr para escutar o octeto de Mendelssohn.

A.M.Seabra dormia como um anjinho no fantástico octeto de Mendelsshon, pelos quartetos Psophos e Lindsay (senhoras primeiros), não uma experiência intelectual profunda mas uma experiência libertadora e catártica que às vezes também faz bem. Mas prometo que deixarei de falar aqui de Seabra, primeiro porque já falei demais, segundo porque até tem ideias e teve um lugar importante na crítica em Portugal, terceiro porque agora é moda bater no Seabra e eu não alinho em modas, quarto porque quem dorme no octeto de Mendelssohn se deixou penetrar pela música.

Foi muito belo ver os Lindsay com aquela idade a puxarem as jovens raparigas para um encontro com o Sturm und Drang de Mendelssohn. Fora de tudo o que é normal ouvir-se: "tem de ser completamente louco, senão soa banal e demasiadamente correcto", como nos ia dizendo Bavouzet entre os andamentos do octeto de Mendelssohn opus 20. Curiosa e inexperada a desafinação no primeiro andamento. Birks, o cerebral segundo violino do Lindsay, justificou-me que o ar condicionado na sala Novalis estava demasiado frio o que prejudicou de forma desigual a afinação dos instrumentos, logo corrigida a partir do segundo andamento.

Para o ano há mais.

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