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28.4.04

Magdalena Kozená 

Confesso que não via nem ouvia Magadalena Kozená ao vivo desde os concertos "Em órbita" com uma péssima, mas aclamada pela crítica, Paixão Segundo S. Mateus de Bach por Paul MCreesh no CCB, uma voz por parte, entradas em falso, desequilíbrios vocais, esquecimentos de entradas, teatralidade excessiva na gestualidade, comportamento "à diva" na vocalidade e na expressão não acompanhada de técnica o que resultava ridículo. Depois do descalabro técnico e musical de MCreesh o pior tinha sido mesmo Kozená. Lembro com amargura o assassinato da ária do contralto em que Cristo espalha a sua Benção ao mundo e aos despojados quando, no Golghota, abre os braços na Cruz para abraçar o universo, cinco ou seis compassos perdidos por uma entrada completamente esquecida, com uma atrapalhação tão evidente da cantora que até meteu dó, mas adiante!
Ou seja eu desconfio à partida de mediatizações excessivas de cantoras, lembro a horrenda Gheorghiu que deixou o público, neste caso acéfalo e pimba, de rastos com um programa mal cantado, mal interpretado e com um mau gosto de se por o chapéu. Conhecendo alguns registos discográficos de Kozena a minha opinião tinha evoluído num sentido claramente positivo. Foi pois com sentimentos mistos que assisti ao concerto de segunda na Gulbennkian, um recital com Magdalena Kozená e Malcolm Martineau.
Segunda, 26 Abr 2004, 19:00 - Grande Auditório

MAGDALENA KOZENÁ (meio-soprano)
MALCOLM MARTINEAU(piano)

Joseph Haydn
The Mermaid’s Song
The Spirit’s Song
O tuneful Voice

Benjamin Britten
La belle est au jardin d’amour
Fileuse
Il est quelqu’un sur terre
Quand j’étais chez mon père

Erwin Schulhoff
Três canções op.14
- Februarschnee
- Sommerabend
- Dämmerstunde

Cinco Canções Populares e Danças da Região de Tesín:
- Kdyz Jsem byla mamince na klíné
- Svatebnì
- Kozaka by tancovala
- Sidej na vuz
- Pasala volky

Modest Mussorgsky
Detskaja (O quarto das crianças):
nº 1 S njanej
nº 2 V uglu
nº 3 Zhuk
nº 4 S kukloj
nº 5 Na son grjadushchij
nº 6 Pojekhal na palochke
nº 7 Kot Matros

Francis Poulenc
Miroirs Brûlants:
- Tu vois le feu du soir
- Je nommerai ton front

Hugo Wolf
Mörike Lieder:
- Zum Neuen Jahr (E.M.27)
- Zitronenfalter im April (E.M.18)
- Elfenlied (E.M.16)
- Schlafendes Jesuskind (E.M.25)
- Abschied (E.M.53)

Kozená interpretou com um rigor vocal absoluto todas as obras em presença, a voz muito bela, redonda, de uma pujança notável nos graves, que se notaram em particular em Mussorgsky.
O pianista muitíssimo bom, participou no recital como um parceiro e cúmplice e não como um mero subalterno, ao contrário de Jeff Cohen com Angela Gherghiu, mas basta de comparar o incomparável, Kozená é uma cantora a outra é uma cantora pimba. Malcolm Martineau acentuou o discurso expressivo de Kozená em Haydn, criou atmosferas em Britten, situou, marcou, sublinhou, participou no jogo teatral em Mussorgsky, foi poético em Poulenc, foi poético e depois irónico em Hugo Wolf, o último poema, um gozo descarado aos críticos, foi verdadeiramente delicioso. Nos extras de Dvorjak e de Janacek foi agitado e poético. E dizendo isto, o espaço para Kozená, moldado de forma excelente por Martineau, encontrava-se definido, em Haydn foi clássica, em Britten disse a poesia de forma perfeita com um verdadeiro acento popular que reforçou nas melodias checas, a sua teatralidade em Mussorgsky foi notável, a vertente divertida e irónica foram excelentes, a ama e a criança surgiram-nos caracterizadas de forma perfeita. Schulhoff, foi um pouco redundante neste concerto, mas bem interpretado.

Em Poulenc, um dos meus compositores predilectos, esteve excelente no primeiro poema de Paul Eluard, cantado com um grande sentimento que preferiu à linha sustentada da melodia, o que pode ser discutível, mas mostrou uma finesse que complementou de forma subtil o tom popular da primeira parte. Wolf a rematar foi deslumbrante, o poema "Jesus Adormecido" e a "Borboleta" foram perfeitos, preferiu entremear textos mais irónicos com textos mais melancólicos numa concessão ao que parece ser o gosto fácil de algum público. Eu teria preferido um recital mais profundo em termos musicais. Percebeu-se que esse desígnio está totalmente ao alcance desta cantora.

O público presente na sala foi muito bom e percebeu claramente o recital.
Um puxão de orelhas ao público ausente da sala da Gulbenkian. Sala a cerca de dois terços ou menos, intérpretes muitíssimo inferiores enchem a sala por causa de mediatizações que nada têm a ver com a qualidade intrínseca. O público português, mesmo o da música dita erudita, continua a evidenciar um analfabetismo musical e cultural confrangedor.

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