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22.3.04

O espanto 

Políticos israelitas assassinaram o Sheik Ahmed Yassin. Confesso que o Sheik não me inspirava a menor simpatia, bem como não me inspira Sharon. Num mundo perfeito teriam os dois sido julgados por crimes contra a humanidade há muito tempo, mas isso não impede que a morte de Ahmed Yassin seja um crime hediondo.

A propósito do que leio com espanto o seguinte texto retirado, "copy e paste", de Glória fácil, creio que o título do blogue está de acordo com o texto, é fácil atingir-se a glória com este género de comentários, o autor é João Pedro Henriques, e creio que o ódio em vez de se reduzir se alastra. Quase nem concebo como um homem educado num estado de direito pode proferir este arrazoado:

Março 22, 2004
Esquerda - a separação das águas
Sheikh Ahmed Yassin, líder do Hamas, foi assassinado, o que não me provoca um segundo que seja de angústia ou pena ou lamento ou o que quer que seja. Dizem que era um "inválido de cadeira de rodas" e que que foi "abatido" por tiros disparados "de um helicóptero Apache".

Sabendo que é também possível que um "inválido de cadeiras de rodas" abater um "helicóptero Apache", não me parece grave.

O que me provoca angústia é a esquerda burra (*) que mora no Barnabé (apesar dos esforços de sensatez do Daniel Oliveira).

Porque, obviamente, no assassinato do chefe do Hamas não há o assassinato de um inocente. Era tudo menos "inocente", o senhor Yassin. Não foi um acto de terrorismo de Estado - foi um acto de guerra. Um acto de guerra eficaz, porque pela liderança se debilitam exércitos.

Convinha, por isso, uma separação de águas, à esquerda: não quero a companhia de quem lamenta o "assassinato" do senhor Yassin. A "esquerda" que tem pena do tal líder do Hamas porque andava de "cadeira de rodas" não tem autoridade nenhuma para andar a apanhar boleias da vitória do PSOE. Essa esquerda dá mau nome à decisão espanhola.

(*) - Referência ao texto "Mais um passo na direcção do choque das civilizações, cortesia de Israel", de Pedro Oliveira


Não me associo à esquerda, nem percebo a associação desta com o facto de pretender o autor defender o assassinato como acto de "gerra" na salganhada de conceitos misturados do seu texto. Associo-me, sim, aos valores do estado de direito. Sei que um estado que respeita os direitos humanos não organiza assassinatos. Se um estado que preza o sentido da palavra justiça suspeita de actos criminosos deve trazer os suspeitos à justiça. Penso que é assim que se dá sentido à palavra humanismo, ao pensar assim sinto-me bem comigo mesmo.

Explico melhor uma vez que JPH parece ser um pouco obtuso, neste caso a pedagogia de uma explicação talvez possa ser necessária, nem bem para iluminar o autor do texto acima, mas quem possa ter dúvidas sobre o sentido do que é, para mim, ser humano.
Existe guerra neste caso? É muito duvidoso, uma vez que Israel nega o estado de guerra negando a existência de um estado palestiniano. A guerra existe apenas entre estados, povos ou nações e é um conceito simétrico. Não existe guerra entre um grupo terrorista e um estado. Não existe guerra entre um estado e um povo sem exército e basicamente desarmado. Israel reconhece que toda a nação palestiniana se lhe opõe, daí o futuro muro, mas declara guerra a quem? A qual exército? Extermina a Palestina com mulheres e crianças incluídos? Por estes usarem pedras? Ou actua em termos punitivos contra criminosos individualizados ou em bando? Não existe meio termo. O conceito de guerra ao terrorismo é um disparate filosófico e face à história, o que poderá existir é o direito de perseguição de criminosos com o objectivo de levar estes a julgamento.

A perseguição e extermínio de adversários por políticos é a negação do estado de direito e uma violação da mais elementar ética relaccional entre povos. Dando de barato que existe guerra, realça-se que a guerra é, também, um conceito ético, além de uma situação de facto, até em guerra se deve manter a honra, muito embora Hitler e Estaline, nos façam às vezes pensar que o conceito de honra em guerra foi ultrapassado. JPH parece alinhar por uma práxis desprovida da carga dos princípios, mas são esses princípios que me fazem sentir diferente das feras das SS, dos Kmers vermelhos ou dos esbirros do Beria...

Por outro lado pede-se ao estado de direito organizado que mantenha a sua superioridade, o que não significa que seja fraco. Se Israel tem autoridade de estado nas zonas ocupadas, questionável é certo, o que deveria fazer, como estado de direito, seria procurar a prisão do Sheik e o seu julgamento face às leis do seu país, ou face às leis internacionais, mas oferecendo um julgamento justo e com garantias de defesa. Claro que isso significaria também que os dirigentes de Israel poderiam enfrentar a justiça em situações semelhantes. Mas isso não queremos pois não JPH?

Henrique Silveira

P.S. Já agora estendo as considerações pedagógicas acima a Jaquinzinhos que, pelo ódio que demonstra ao "um patifório" como diz, no que parece ter toda a razão, desculpa implicitamente o acto criminoso de políticos israelitas, como se a guerra justificasse o assassinato. Andámos milhares de anos até às convenções dos direitos humanos e de Genebra para ter de aturar neo selvagens no século vinte e um. O Joãozinho nunca terá ouvido falar de justiça, de tribunais? Por muito que o Cheik negasse esses conceitos, essa é a supremacia da democracia, o direito, a garantia, mas também a certeza do castigo se assim for o caso, de se ser julgado quando se é suspeito. Essa é mais uma vantagem da direita esclarecida, a defesa intransigente da justiça, dos valores morais e cristãos do perdão e do castigo justo. Mas Jaquinzinhos não pertence a esta direita esclarecida e com valores humanos, já o provou bastas vezes. Mas faz-me pena, às vezes percebe-se que existe um ser sensível por detrás do suburbano feroz ao volante de um blog radical.

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