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28.6.11

Um feliz aniversário 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Concerto de aniversário da Orquestra Metropolitana de Lisboa, 9 de Junho no Grande Auditório do CCB com casa a três quartos, abertura Egmont, concerto op. 64 para violino e orquestra de Mendelssohn com Augustin Dumay no violino, sinfonia nº6, pastoral, de Beethoven; direcção de Michael Zilm.

Este concerto foi uma celebração de aniversário que reuniu Zilm de novo à Metropolitana de Lisboa, o trabalho que este director tem realizado com a orquestra tem sido de grande nível e as suas qualidades são evidentes, foi mais uma vez com grande prazer que assistimos à sua direcção eficaz e directa, sem gestos excessivos mas com evidente paixão e um profundo conhecimento das partituras que acompanha e dá segurança aos músicos. Zilm trabalha o incontornável Beethoven com uma excelência rara, todos os detalhes da partitura estão lá: todos os crescendos e diminuendos, todos as acentuações, com Zilm não há pequenas e grandes notas. Mas o mais importante é a poesia que coloca no fraseado e a qualidade da massa e da coesão sonora e orquestral. É uma lição ver Zilm dirigir e isso reflecte-se na prestação orquestral.

Assim Egmont, apesar de uma entrada desatenta da orquestra acabou com grande força e energia, própria de Beethoven.

Seguiu-se um concerto de Mendelssohn com um homem também muito ligado à Metropolitana, Dumay, tem uma excelente técnica do violino e um grande som, apenas tenho a apontar a falta de nuance no seu som, Dumay toca entre o meio-forte e o fortíssimo, abusando da sonoridade e sendo às vezes demasiado agreste na sua sonoridade que poderia ser mais aveludada nos momentos de maior recolhimento. De resto dois andamentos rápidos com grande força e energia e um andamento central com uma excelente entoação mas com alguma falta de matizes subtis.

A obra final, a “Pastoral” de Beethoven teve da parte de Zilm algum deleite no som, gostámos do segundo andamento, “cena à beiro do regato”, em que o fluir dos violoncelos em soli e restantes cordas, embalou o canto das madeiras, seguiu-se uma “alegre reunião de camponeses” divertida e vigorosa interrompida por uma violenta “tempestade” e rematada por um andamento final em que as sombras se dissiparam e a alegria regressou após a violência da tempestade. A orquestra correspondeu bem às solicitações do maestro e houve ligação.

A leitura de Zilm apenas pecou por alguma parcimónia nos tempos, faltando um certo elemento de surpresa e tensão, por outro lado a leitura agreste de Dumay e alguns deslizes pequenos nas trompas impediram que este concerto fosse perfeito, ficando ao nível do muito bom.

Espera-se que a Metropolitana continue por muitos anos, para além dos 19 anos festejados, livre de problemas financeiros que ainda a afectam e que continue a contribuir para a música em Portugal como o tem feito até aqui.

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Apenas alguma exactidão 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Sinfonia nº2 em dó menor, Ressurreição, de Gustav Mahler. Orquestra Sinfónica de S. Francisco, Coro Gulbenkian, direcção de Michael Tilson Thomas, Laura Claycomb, soprano, Katarina Karnéus, meio soprano. Coliseu dos Recreios cheio. Encerramento da temporada 2010/2011 da Fundação Gulbenkian.

A gigantesca sinfonia Ressurreição é uma das obras maiores do repertório sinfónico, uma obra de grande envergadura da orquestra reforçada com metais e percussões suplementares. Começada em 1888 e acabada em 1894, revelou as hesitações de um jovem compositor sobre a sua arte a forma, exemplo disso é o primeiro andamento, cuja concepção seria originalmente a de um poema sinfónico independente Totenfeier, Rito fúnebre, e que depois de muitos avanços e recuos veio a ser o primeiro andamento, allegro maestoso, desta obra grandiosa e trágica que incorpora ainda um poema de Des Knaben Wunderhorn no quarto andamento Urlicht, Luz Original, o ciclo de poemas populares alemães. A obra gira em torno da morte e da vida para além desta. Não tem a menor inspiração na religião católica mas sim na crença, do judeu Mahler, numa Ressurreição post-mortem.

Mahler afirmou que um das chaves da sua música era a exactidão, a outra chave era o que estava para além das notas. Michael Tilson Thomas recorreu a uma leitura muito suave, com gestos difusos e pouco acentuados à frente da “sua” orquestra. Numa acústica miserável como a do Coliseu é quase deitar-se música para o lixo a execução de uma obra tão complexa e contrastante como esta sinfonia. Os fortíssimos soam débeis e os pianíssimos e os detalhes perdem-se. O que seria o lado mais interessante da leitura de Thomas: os detalhes, ficaram reduzidos à anemia sonora. Por outro lado a géstica muito difusa do maestro trouxe algumas inexactidões em algumas entradas a começar pelo início que deveria trazer um grande impacto e uma enorme tensão e que, por falta de exactidão, se saldou por algum desconchavo. O segundo andamento, o Andante Moderato, foi talvez o melhor momento da sinfonia, com predomínio para a suavidade do ritmo de dança e o diálogo entre os instrumentos.

O scherzo, terceiro andamento, baseado na melodia do Sermão de Santo António aos peixes, uma canção que Mahler escreveu ao mesmo tempo que compunha a sinfonia, foi fluido, quase como o fluxo de água e do discurso do Santo, faltando tensão nos pontos de clímax.

Os andamentos finais com partes vocais, foram diversos, Urlich, teve a exaltação mística, mais própria do lado apolíneo de Thomas, enquanto ao andamento com o poema Ressurreição de Klopstock faltou de novo tensão. O coro ouviu-se com dificuldade e não houve grande nuance, mais uma vez por culpa da acústica da sala, mas a afinação pareceu-me perfeita. As solistas cumpriram com esforço para vencer o vazio acústico da sala, tendo eu apreciado vivamente o timbre escuro de Katarina Karnéus sendo Laura Claycomb um pouco estridente na emissão. Apesar disso musicalidade e sentido da poesia foram a tónica destas cantoras.

Quem foi o maestro preparador de coro? Ninguém sabe, nem no programa vem mencionado nem agradeceu em palco, mais uma deselegância e falta de informação do programa.

Uma interpretação relativamente exacta mas sem muito para além das notas.

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Mestre de capela incógnito 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Programa de encher o olho com abertura de Fidelio, recitativo e ária de concerto Ah! Perfido!... e sinfonia nº9 em ré menor, tudo obras de Beethoven, na Fundação Gulbenkian a 3 de Junho com casa cheia, direcção de Bertrand de Billy. Coro e orquestra Gulbenkian. Solistas: Adina Aaron, soprano, cantou ária e sinfonia, Adrineh Simonian, meio soprano, Charles Reid, tenor e Boaz Daniel, barítono.

A primeira parte era apenas um aquecimento, a abertura de Fidelio foi tocada com energia e convicção mas com um vibrato nas cordas algo excessivo. Seguiu-se uma obra da juventude de Beethoven, inspirada fortemente no modelo mozarteano. A soprano Adina Aaron mostrou uma voz muito bonita, com grande densidade nos graves e brilho nos agudos, foi enérgica e entusiástica. No entanto, a sua interpretação pecou por ser demasiado enfática e melodramática e por abusar de um vibrato pesadão e de um estilo mais apropriado ao romantismo tardio do que a Beethoven. O seu entusiasmo juvenil levou-a a perder a linha do tom num momento crucial do allegro final e a gritar de forma excessiva. Mais contenção e domínio da respiração também se exigem. Adina Aaron mostrou que tem um grande futuro como cantora verdiana, repertório que, aliás, já aborda.

A nona sinfonia de Beethoven começou de forma agreste com um falhanço brutal da segunda trompa logo na entrada e uma interpretação pesadíssima e muito arrastada do allegro ma non troppo, un poco maestoso que mais parecia a marcha fúnebre de um paquiderme falecido no jardim zoológico do que um andamento que deve ser rápido mas não demasiado. Notei que o naipe de trompas esteve particularmente inseguro, sobretudo as trompas graves, andando a 4ª trompa sempre a coxear atrás das notas ao longo de toda a sinfonia.

Depois de um scherzo com energia e muito bem sublinhado pelos sopros e onde as cordas foram particularmente coesas passámos para o andamento lento que se queria poético mas que nos pareceu apenas rotineiro: faltou definição nos planos sonoros, nas articulações e nos jogos de subtileza.

O final, com o grandioso hino à alegria de Schiller, foi tocado com empenho e denodo quer pela orquestra, quer pelo gigantesco coro Gulbenkian. No meu entender em número excessivo para a obra e as dimensões da sala e orquestra. O que se notou aqui foi a falta de preparação dos detalhes, sobretudo nas partes muito rápidas, que acabaram por ser ofegantes e tumultuosas, em vez de serem enérgicas e com grande precisão. Penso que faltaram ensaios para se apurar com perfeição esta obra que é de um enorme grau de dificuldade técnica e artística.

Os solistas estiveram relativamente bem, mas sem se poder afirmar que foram perfeitos, o que atendendo à dificuldade das suas partes já é um feito.

O maestro que preparou o coro nem veio agradecer ao palco, nem figura qualquer menção sobre o seu nome e currículo no programa. Quem foi? Fica uma palavra para o seu trabalho de qualidade ao conseguir dar coesão a um grupo tão grande de cantores.

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8.6.11

Anúncios de temporadas 

Dispenso os anúncios de temporada anunciadas como conferências de imprensa mas que acabam por ser comícios, na Gulbenkian até parece que os jornalistas foram tratados como crianças, a brochura da temporada não foi distribuída antecipadamente com a desculpa de que se iriam distrair durante os tempos de antena dos senhores programadores!...

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4.6.11

Os Três Pintos 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Die Drei Pintos é uma ópera que Carl Maria von Weber não conseguiu acabar e que foi completada e reinventada por Gustav Mahler. Versão de concerto a 27 de Maio na Fundação Gulbenkian com casa pouco acima de meia, direcção de Lawrence Foster. Coro e orquestra Gulbenkian. Solistas: Philippe Fourcade, barítono em Pantaleone de Pacheco e no estalajadeiro, Peter Furlong, tenor em Don Gomez de Freiros, Michaela Kaune, soprano em Clarissa, Simona Ivas, meio soprano em Laura, Marius Brenciu, tenor em Don Gaston Viratos, Martin Snell, baixo em Don Pinto de Fonseca, Dora Rodrigues, soprano em Inez, Job Arantes Tomé, barítono em Ambrósio e Fernando Luís no papel falado do narrador que representou Gustav Mahler. David Pountney na concepção e autoria da narração.

Sendo uma ópera cómica em três actos, passada em Espanha, com diálogos em alemão, foi considerado que seria melhor fazer uma narração resumida do que acontece na cena entre as partes musicais, a narração foi criada por David Pourtney, inglês. A sua explicação no programa é rudimentar, estando mesmo ausentes o texto desta e a biografia do autor, facto lamentável que aliás se tem vindo a somar a erros de palmatória nos textos dos mesmos. A tradução do texto narrado por Fernando Luís foi, no mínimo, rústica; serve de exemplo a utilização de “senhorio” em vez de “estalajadeiro”, simplesmente ridículo e limitado!

Com um elenco prometedor de início, tivemos um Fourcade com uma voz encorpada e correcto no papel de estalajadeiro e posteriormente no pai de Clarissa a heroína. Peter Furlong o tenor que ama Clarissa e que, por razões nebulosas, não a pode cortejar começou titubeante na entoação mas depois encontrou-se com o decorrer da obra, mostrou uma boa voz muito lírica e tipicamente alemã. A sua amada, Clarissa, aqui por Michaela Kaune, entrou muito fria e a arrastar as frases musicais, mas depois aqueceu e conseguiu corrigir algum ácido nos agudos e mostrou uma voz encorpada e densa, com musicalidade e sentido musical, pena alguma dificuldade em largar as notas a tempo. Simona Ivas, Laura criada da anterior, tem uma voz muito bonita e colocada, é musical, mas padece de potência e os agudos são pobres em harmónicos, o que não é estranho uma vez que se trata de um meio soprano e o papel vai algumas vezes a um registo desconfortável para este tipo de voz. Marius Brenciu, no papel motor da acção em Don Gaston, foi a grande desilusão, agarrado à leitura do papel, correndo atrás das notas e sem graça na interpretação, denotou uma preparação francamente insuficiente, quando tentou brilhar a voz partiu-se nos agudos e foi confrangedor ouvir gritos em vez de canto. Martin Snell, no papel cómico de Don Pinto, não teve graça nenhuma e andou também a ler o papel, não cumpriu objectivos mínimos, mesmo cantando as notas todas. Dora Rodrigues esteve muito bem no papel de Inez, lírica e musical. Job Tomé foi mais uma vez uma revelação, divertido, preparado, não se deixando dominar pela música, cantando o falsete com comicidade, foi simplesmente perfeito. A narração de Fernando Luís foi clara e precisa, representando com convicção o papel do autor que finalizou a composição e pondo em contrapondo a relação de Mahler com o neto de Weber e sua Mulher, Marion, com que teve uma relação complicada que envolveu traição, intriga e amor.

A direcção de Foster foi mais clara que o habitual e o conjunto manteve-se coeso, não percebo apenas o passar da batuta para a mão esquerda para depois andar aflito sem saber onde a colocar! A orquestra esteve a elevado nível e apenas a falta de aprumo de alguns músicos também se lamenta, não é próprio ver fivelas de cintos com as competentes banhas abdominais sobrepostas em traje de casaca, para evitar isso existem coletes brancos ou faixas brancas.

O coro preparado por Jorge Matta esteve a um elevado nível, mais uma vez foi lamentável a não inclusão do seu trabalho no programa da Gulbenkian, um erro grave e uma desconsideração imerecida para aquele que é o grande motor do coro Gulbenkian; ao contrário de todas as grandes casas, a começar pelo Festival de Bayreuth, onde o maestro de coro aparece sempre em grande destaque e com direito a importante biografia em todos os programas.

A ideia da narração foi realizada com cuidado e foi mais eficaz que os diálogos em alemão que não têm sentido na versão de concerto.

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O Fagote de Veludo 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Carl Maria von Weber: andante e rondó húngaro para viola e orquestra, op. 35, concertos para Fagote e orquestra op. 75 e concerto nº2 para clarinete e orquestra op. 74. Beethoven: concerto para violino op. 61. Samuel Barseguian na viola, Ricardo Ramos no fagote, Esther Georgie no clarinete e Frank Peter Zimmermann no violino. Quinta 19 de Maio na Fundação Gulbenkian com casa meia, direcção de Lawrence Foster. Orquestra Gulbenkian.

A obra inicial fez-me lembrar esta anedota: “Como se sabe quando a viola está fora de tom? É quando o arco se move!” E assim foi: o solista mostrou sonoridade fraca e esteve constantemente desafinado, foi pouco interessante em termos musicais com um fraseado altamente monótono. Sofri particularmente com as cordas ré e lá. Um mau início.

O belo concerto de Weber para fagote foi uma revelação. O solista português Ricardo Ramos foi muito afirmativo, confiante, com uma sonoridade cheia e aveludada, rico nos graves e médios e brilhante nos agudos. A sua musicalidade foi evidente na poesia do segundo andamento e foi poderoso no terceiro. O seu som firme e bonito serviu uma inteligência musical que deu interesse e surpresa às frases de Weber e disfarçou com ligeireza uma única hesitação no primeiro andamento. Uma grande elegância no legato e um staccato muito claro foram elementos técnicos que me impressionaram vivamente.

Já Eshter Georgie no clarinete desiludiu. A obra de Weber não é compatível com um staccato trapalhão, articulações erráticas e falta de brilho sonoro, muito evidente nas sextinas finais. Dir-se-ia que Georgie é incapaz de forte e fortíssimo. Improvisando nas ornamentações no primeiro andamento, facto que não repetiu nos seguintes, teve como elementos fortes uma grande doçura no som, belíssimos pianíssimos e um poético segundo andamento que compensou, de certa forma, os defeitos dos andamentos rápidos.

O concerto de violino de Beethoven teve um Zimmermann que me pareceu cansado de tocar em público. Vim a saber posteriormente que estava indisposto. Os pontapés no chão ao mesmo tempo que toca desequilibram e descontrolam o som, facto que ocorreu diversas vezes. No entanto deu o mote à orquestra nas articulações enérgicas e nas arcadas decididas e o seu som é belíssimo. O primeiro andamento, que costuma ser arrastado até à exaustão por solistas menos dotados, foi um modelo de energia e propulsão. Percebe-se que mesmo adoentado Zimmermann é um grande músico.

A direcção de Foster foi errática e imprecisa, uma espécie de mistura de gestos de sinaleiro com a violência de um “diestro tourero”, mas a eficácia é reduzida para tanto espalhafato e de Weber a Beethoven houve desencontros. Pede-se ainda mais atenção ao contrabaixo que no concerto para clarinete de Weber, terceiro andamento, teve uma falsa entrada em fortíssimo em vez de piano: uma sapatada musical que fez saltar o público da última fila!

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A a Z 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

É uma crítica inabitual, vem a propósito da publicação de um CD na ACCENT pelo Collegium 1704, instrumental e vocal, sob a direcção de Václav Luks das obras de Jan Dismas Zelenka dedicadas à morte do seu “mestre” Augusto o Forte, soberano da Saxónia e da Polónia. Inabitual porque é sobretudo uma “Apologia a Zelenka” e menos uma crítica.

Conhecido dos amantes da música antiga e muito celebrado na República Checa desde os anos sessenta do séc. XX, é pouco conhecido fora dos círculos eruditos. Nascido em 16 de Outubro de 1679 na Boémia e falecido dois dias antes do Natal de 1745, na capital da Saxónia, Zelenka teve formação jesuíta, sendo o seu instrumento o Violone, uma viola da gamba contrabaixo que daria origem ao contrabaixo moderno. Depois de viver em Praga foi para Dresden em 1710 onde se tornou músico da corte e mais tarde segundo mestre de capela sob a direcção de Heinichen mas, após a morte deste, nunca viria a ser nomeado para o seu lugar, ficando como compositor de música católica, uma vez que era esta a sua confissão. Dresden vivia na esquizofrenia religiosa, uma vez que Augusto tinha passado de luterano a católico para poder ser eleito rei da Polónia, tendo até afirmado que “umas missas valem bem o título de rei da Polónia!”. A corte continuava a ser luterana mas todas as cerimónias passaram a ser celebradas segundo a liturgia católica e teve de se improvisar uma igreja católica nas instalações da antiga ópera de Dresden.

Zelenka e Bach conheciam-se, Dreden e Leipzig estão perto, e há documentos que provam a alta consideração mútua de dois homens castigados pelo seu tempo. Zelenka acabou por morrer só e deprimido e com muita da sua música ainda por escutar. No entanto grande parte da sua obra, comprada após a morte do compositor pela monarquia de Dresden conservou-se quase intacta e bem conservada até hoje.

O CD citado reúne duas das obras mais espantosas do estilo de Zelenka, o “Ofício dos Defuntos” e o “Requiem em Ré”, ambas de 1733, data de morte de Augusto, toda a maestria do compositor é evidente: um domínio total das tensões orquestrais recorrendo a um pujante baixo, o dramatismo e o impacto de grandes massas sonoras, o uso de cores inusitadas, com charamelas (clarinetes), trompetes e trompas, além dos habituais oboés e flautas. Uma linha de baixo extraordinária, uma harmonia de uma constante inovação e variação, o uso do contraponto coral e instrumental. O recurso de elementos de um modernismo espantoso a par com o canto gregoriano e arcaicismos dignos do século XVI. Zelenka era um homem de todos os recursos e isso transparece de forma vigorosa nestas obras “escritas a grande velocidade” para os funerais de um soberano importante e amado pelo seu povo.

Interpretado por um dos maiores conhecedores de Zelenka este não é um disco totalmente perfeito, mas o equilíbrio entre uma orquestra de alto nível, um coro muito respeitável e belas vozes solistas tornam este CD um documento importante na descoberta da música viva de um homem que merece ser ouvido e respeitado na sua paixão pela música. Simplesmente brilhante.

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