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27.5.08

Curso acelerado de demagogia 


Estou surpreendido com algumas observações feitas por figuras públicas. Comento...

Curso de lógica

Sócrates diz que se baixar os impostos dos combustíveis as "pessoas que não andam de automóvel passam a financiar a gasolina dos que andam de carro"!

A par do inglês técnico e do curso por FAX (há que ser moderno, antes era por correspondência) do primeiro ministro, não seria melhor ter tirado um curso acelerado de lógica? Não será antes o contrário? Com 70% do preço do combustível formado por impostos não serão os que andam de carro que andam a pagar pelos que andam a pé? Enfim, para se ser um bom demagogo há que inventar silogismos e outras aldrabices mais conseguidas, assim Sócrates, como em tudo o resto, não passa de um demagogo de "meia-tijela".

Lição de um bom verdadeiro demagogo

Mário Soares não precisa de lições, ele é doutorado honoris causa em inúmeras universidades, e não pelos méritos académicos. Soares é doutorado pela acção pela liberdade, por ter sido presidente e primeiro ministro, por ser da internacional socialista, por ter amigos em todo o lado, aquilo que se eufemisticamente se chama rede, e por mandar umas piadas com graça e umas boutades em almoços e jantares por esse mundo fora, ou seja, Soares é doutorado honoris causa em demagogia por muitas universidades desse mundo. Credenciais não lhe faltam, hoje deu mais uma lição, num artigo no DN onde se lê:

Já uma vez, nestes últimos anos, escrevi e agora repito: "Quem vos avisa vosso amigo é." Há que avançar rapidamente - e com acerto - na resolução destas questões essenciais, que tanto afectam a maioria dos portugueses. Se o não fizerem, o PCP e o Bloco de Esquerda - e os seus lideres - continuarão a subir nas sondagens. Inevitavelmente. É o voto de protesto, que tanta falta fará ao PS em tempo de eleições. (Mário Soares in DN de 27 de Maio de 2008)

Pois é, "quem te avisa teu amigo é", e se a linguagem socialista não chega a José Sócrates Pinto de Sousa, esse socialista de "meia-tijela", a dos votos deve chegar. A grande lição a tirar deste doutorado em demagogia é: "os pobrezinhos votam, se vivem mal ou bem isso é acessório, o problema são os votos de protesto, se a rapaziada do PS no governo não der uns rebuçados aos pobres, eles vão a correr votar no Bloco e no PC, isso é que não".

Boa lição, este Soares não tirou o curso de socialista e o doutoramento em demagogia "numa agência de comunicação" (Manuel Alegre ontem). O Pinto de Sousa que ponha os olhos nestes mestres...

Mais a sério: detecto uma falha no texto de Soares, a única, este parágrafo preocupado com os votos e a dar conselhos a Pinto de Sousa, a preocupação essencial deveria ser a da questão social e nunca centrar o discurso na questão dos votos e dos problemas de poder do Partido Socialista e do seu líder.

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23.5.08

Escândalo à vista 

Soube através de uma fonte muito segura, e em primeira mão (ao cuidado da imprensa que devia pegar no assunto), que o actual director artístico do S. Carlos se prepara para propor a substituição do actual director de coro do S. Carlos.
Andreoli, o actual director do coro, é um homem competente, que tem tentado, e conseguido, reparar as gravíssimas mazelas de anos de desleixo e de incúria relativamente ao coro do teatro nacional de ópera.
As escolhas de Dammann em termos de programação e de casting, sobretudo neste último ponto, têm sido pior do que desastrosas, têm sido catastróficas. Esbanjando recursos poderia ter contratado muito melhor por igual ou até por menos dinheiro.

A substituição de Andreoli significa apenas mais uma gota de água numa lista de escândalos (como o da substituição de Paolo Pinamonti e sucessivos erros de casting) e de incompetência gritante. É indecente substituir um homem que se mostrou capacidades, tendo conhecimentos musicais e dotes humanos para gerir um agrupamento tão característico e idiossincrático como este coro. Esta substituição é contra o interesse público, é uma vergonha.

Não será antes tempo de mudar de director artístico?? Creio que este director deve ser um dos piores de todos os tempos no TNSC. É evidente que com este escândalo em perspectiva, se se confirmar a minha fonte, a demissão de Dammann se tornará inevitável.

Será que a direcção da OPART anda a dormir, ou será que não percebem nada do assunto? Dirigir uma instituição como o S. Carlos ou a CNB não significa apenas fazer umas contas, perceber de administração pública, de orçamentos, responder a umas perguntas do tribunal de contas e fazer umas estatísticas mais ou menos engenhosas para se provar que se tem muita actividade...

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22.5.08

Combustíveis a preços altos? Claro que sim, que se mantenham 

Sim, completamente de acordo. Acho que o preço dos combustíveis ainda é muito baixo.

Não se admite que, com a poluição monstruosa que os motores de explosão provocam, se continue a privilegiar o transporte rodoviário de mercadorias em oposição ao caminho de ferro, do qual desinvestiram privados e Estado.

Os engarrafamentos continuam, os carros poluentes continuam a poluir, e o português liberal JCD ou J. Miranda continua a utilizar a carripana para ir ao café e para o trabalho, continua a deixar a carroça em cima do passeio e em segunda fila, apesar de bons parques a preços baixos.

Os políticos continuam a fugir da essência do problema e recusam-se a taxar violentamente as entradas nas grandes cidades aos utilizadores de carripanas poluentes, e a combater a sério o problema do estacionamento selvagem.

Creio que a única solução para o problema de todas estas demissões passa pela economia liberal e pela especulação selvagem de preços. O mercado finalmente a funcionar é o que eu desejo neste capítulo.
Do lado socialista apoio mais impostos sobre os combustíveis, para mim são bem vindos, gasolina a 4 euros o litro e gasóleo a 3.98 o litro são o meu desejo sincero a bem do ar que respiramos e do sossego para o espírito.

O barril de petróleo a 250 dólares é uma meta possível e desejável a breve prazo, para bem do ar do Ocidente, para bem do investimento em tecnologias limpas, para bem do futuro da humanidade...

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Tosca no S. Carlos 

Pré balanço de uma temporada em forma de lamento

Não, não estou a fazer boicote ao S. Carlos. Ainda não fui ver a Tosca de Puccini no nosso teatro de ópera por mero acaso.

E por acaso, também, acho a ópera bastante primária, no sentido em que tudo é directo e vem das entranhas, sem reflexões ou alusões secundárias ou terciárias, sem mensagens subliminares. É aquilo a que se chama "ópera em estado puro" onde os sentimentos mais básicos decorrem livremente: política, amor, sexo, ciúmes, chantangem, violência, crime, martírio e mentira, numa história que não pára para pensar servida por uma música que não pára para pensar e não deixa pensar, não interroga. Uma música que serve a tragédia em dose linear e com um rumo preciso, com um génio melódico sem par e um gosto marcadamente popular.

É a esta ópera primária a que eu não tenho ido assistir, razões de trabalho e de saúde, razões que seriam removíveis, provavelmente, se a força desta ópera me puxasse mais, se os intérpretes fossem melhores, se a encenação datada e já vista de Carsen, e nada problemática e muito menos chocante, me espicaçasse a curiosidade. A Tosca num teatro em vez de uma igreja? Nada de especeial, Dresden já teve uma igreja católica que antes era teatro de ópera e ninguém se chocou, muito menos o Papa de então, que aproveitou uma falsa conversão política de Augusto o Forte, tudo valia de forma a obter a coroa da Polónia, para expandir um pouco a fé nos domínios luteranos da Saxónia do tempo de Bach, Heinichen, Hasse e Zelenka.
Enfim, uma péssima temporada de ópera. Intérpretes, até à presente Tosca, entre o péssimo e o sofrível (estes louvados como se fossem grande estrelas à falta de melhor), encenações miseráveis, produções indigentes e um favoritismo inaceitável de uma produção em detrimento de todas as outras (a do sr. Emanuel Nunes) que não deiou por isso de ser péssima. Uma orquestra - já de si fraquinha - mal dirigida por maestros quase sempre canhestros e em certos casos incapazes. Um coro de berradores convulsivos e compulsivos a tentar escapar de uma espiral de anos de destruição finalmente dirigidos por um director relativamente capaz escolhido por Pinamonti. Uma direcção artística sem rumo nem destino, com uma programação pontual a fazer eventos que não interessam a ninguém e dedicando à ópera, principal desígnio do teatro, um número cada vez menor de récitas, apesar de multiplicar por dezenas as repetições de óperas, sendo estas quase sempre primárias e de gosto fácil, e onde se contam, a título estatístico, as operinhas para crianças em versão pacote de chá. Após um excepcional Wozzeck, nova produção da última temporada dirigida por Pinamonti, com cantores de nível mundial, com um encenador de primeira grandeza planetária e um maestro do mais alto nível (alguém que me desminta), temos repetições de Rigolettos, Toscas e Contos de Hoffmann às dezenas... com cantores de terceira e maestros de quarta.
É ofensivo para a inteligência, é a admissão de terceiro mundismo que Pinamonti tinha veementemente negado, é miséria atrás de miséria.
Por estas razões talvez não tenha grande vontade de adiar compromissos profissionais, ou até uma ida ao dentista, para poder ver e ouvir a estreia ou uma das récitas subsequentes de uma ópera primária. É caso estranho: preferi arrancar um dente do siso perfeitamente saudável do que ir ontem ao S. Carlos!
Elisabete Matos não tem culpa, Koenings, esse maestro, também ele, de segunda mas elogiado como se fosse muito bom (provavelmente porque não se arranja melhor), também não tem culpa, os outros cantores não têm culpa, ninguém tem culpa. Sou eu que estou farto, a culpa é aliás minha...

Vou também à Corunha um destes dias para o novo Festival dirigido por Paolo Pinamonti, vou a Valência ao Siegfried, vou a Bayreuth ver tudo, continuo a ir a Salzburg, vou a Praga no início da próxima temporada, Milão e Paris seguir-se-ão, Mannheim e Luxemburgo logo a seguir. Espero tirar a barriga de misérias e refrescar o sentido crítico e a capacidade de relativização, destruído por esta repetição de lixo operático sem fim, senão qualquer dia estou como o Pedro Boléo a elogiar uns quaisquer Contos de Hoffmann saídos do euro trash de Dammann...

Enfim, na sexta lá vou à Tosca, dizem-me que aquilo não é assim tão mau como o resto da temporada, espero ter a boa surpresa que esta temporada ainda não frutificou.

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21.5.08

Aniversário 

Este blog fez cinco anos no dia 17 de Maio, ninguém deu pelo facto, nem eu...


19.5.08

Os críticos sorridentes e os críticos severos 

O crítico sorridente do Público, pelo qual tenho estima pessoal, Manuel Pedro Ferreira, lá voltou a dar 4 estrelas e meia ao Biondi, é um exagero sem qualquer medida ou relativização na proporção do seu sorriso simpático e da sua crítica sempre, e também, simpática. O crítico severo Jorge Calado, no Expresso, dá duas estrelitas ao mesmo Biondi. Ana Rocha na rádio deu 15 eu dei 11.

Seabra no 2º artigo sobre Idmeneo desanca na produção, com razão. Seabra chama a atenção para erros graves no programa, algo que não referi (mas que tinha notado) no texto aqui escrito. Seabra desanca também no coro ad hoc reunido para esta digressão. Recomendo uma leitura.

Enfim, são os críticos portugueses em acção...
Fica a referência.

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Kumba à Academia 

A consideração de Adriano Moreira.

Penso que a nossa Academia das Ciências, sob a direcção excelsa de Adriano Moreira, é algo conservadora na admissão de novos sócios correspondentes. A recente nomeação de Mário Vieira de Carvalho (a par de Fernando Henrique Cardoso), leva-me, numa reflexão profunda, sem qualquer malícia ou comparação descabida, a propor a contratação para sócio correspondente desse grande filósofo da lusofonia (ou talvez mesmo como sócio honorário a par de Mário Soares) que dá pelo nome de Doutor Kumba Ialá, um antigo presidente soberano da Guiné Bissau eleito democraticamente e deposto em golpe de estado, que escreveu um tão belo e claro livro de pensamentos filosóficos, onde destaco a citação:

«A beleza de uma mulher elegante, é a atrapalhação do cabrão do macaco da Indochina!»

[Doutor Kumba Yalá, Os Pensamentos Políticos e Filosóficos, Bissau, Editora Escolar, 2003, p.51]

Note-se vírgula que obnubila a pontuação saramaguiana, essoutra luminária académica ornada com o Nobél da Academia Sueca. Kumba pode não ter sido ornado com a Academia Sueca mas joga muito bem à dita e é um intelectual de grande fôlego e rasgo, capaz de raciocínios hermenêuticos que deixam a anos-luz os hermeneutas nacionais.

O homem é formado em teologia, e segundo a wikipédia: Ele estudou Teologia na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa e em seguida estudou filosofia. Em Bissau, Ialá estudou Direito. Ele fala português, crioulo, espanhol, francês e inglês e pode ler em latim, grego e hebraico [!!!]. Após completar seus estudos, ele trabalhou como professor de Filosofia. Creio que depois dessa grande obra da Academia que é esse magnífico e excelso Acordo Ortográfico, só mesmo Kumba Ialá pode prestigiar a Academia de Lisboa...

Segue um soneto de Bocage:

De insípida sessão no inútil dia
Juntou-se do Parnaso a galegage;
Em frase hirsuta, em gótica linguage,
Belmiro um ditirambo principia.

Taful que o português não lhe entendia,
Nem ao resto da cômica salsage,
Saca o soneto que lhe fez Bocage,
E conheceu-se nele a Academia.

Dos sócios o pior silvou qual cobra,
Desatou-se em trovões, desfez-se em raios,
Dando ao triste Bocage o que lhe sobra.

Fez na calúnia vil cruéis ensaios,
E jaz com grandes créditos a obra
Entre mãos de marujos e lacaios.

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14.5.08

Motetes de Bach 

A Raumklang, pequena editora alemã, lança mais um trabalho de excelência absoluta. Escrevo sobre o disco dos Trinity Baroque com a direcção de Julian Podger no disco "Motetten" (disco RC2601 da Raumklang).
A interpretação é de uma vibração extraordinária, o baixo contínuo de uma profundidade imensa, utilizando um grande órgão histórico. As frases, as vogais, as ressonâncias, os detalhes mais ínfimos são explorados de uma forma tão perfeita que este disco, além de uma extraordinária revelação, passa imediatamente a ser uma referência incontornável nestas obras de Bach. A excepcionalidade deste disco não é ensombrada por se tratar de uma interpretação a uma voz por parte. O próprio autor do projecto, Podger, reconhece que estes motetes deveriam ser interpretados por um coro, mas a realização musical e retórica é tão forte e tão bem realizada que esta experiência, como os autores lhe chamam, resulta numa trabalho onde se atinge a perfeição.

A comprar, a ouvir, a reouvir, a pensar e repensar.

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13.5.08

Fabio Biondi - Onde hei-de meter o violino? 

Idomeneo de Mozart em versão de concerto, dirige Fabio Biondi. Europa Galante e coro Opera Seria. cantores: Ian Bostrige (tenor) em Idomeneo Emma Bell (soprano) - Elettra, Jurgita Adamonyte (meio-soprano) - Idamante, Kate Royal (soprano) - Ilia e Benjamin Hullett (tenor) - Arbace.
Fundação Calouste Gulbenkian, segunda feira 12 de Maio, 19h.

Primeira nota. Não conhecia o Coro "Opera Seria Chorus", nem fiquei a conhecer, não descubro este agrupamento em lado nenhum e não figura nenhum currículo do agrupamento no programa da Gulbenkian. Um agrupamento em estreia na Gulbenkian? Ou será mais um coro ad hoc criado para esta tournée do Idomeneo?

Segunda nota: Direcção trapalhona de Biondi, sem exactidão, atrapalhado a virar páginas, atrapalhado a dar entradas, tocando umas notas aqui e ali sem o menor critério.

Terceira nota: a posição da cravista era simplesmente surrealista, de costas para maestro e cantores solistas, sem ser vista por estes nem vendo os mesmos, virada para os contrabaixos e violoncelos...

Quarta nota: um naipe de trompas excepcional, impecável Dileno Baldin na primeira trompa. Oboés fraquinhos chefiados por um Beaugirard muito irregular.

Quinta nota: coro indiferente, frio e pouco coeso, vozes brancas e pouco interessantes, sem paixão nem glória, sem exactidão nem paixão. Foi a elegância fria de um Mozart sem verve.

Sexta nota, vozes solistas:
1. Ian Bostridge incapaz para o papel, sem dramatismo, cantando de pescoço torto e de boca à banda, o que é ensinado por qualquer especialista em canto como muito prejudicial para uma boa emissão. Voz sem cor nem brilho, agudos muito baços, graves mais roucos do que baritonais. Muita frieza, algum maneirismo, muito bater de pé no chão ("quem não tem o ritmo no coração bate com o pé no chão") e muito pouca inteligência mozarteana, sempre com muita falta de souplesse.
2. Emma Bell, voz cansada e roufenha, descontrolo vocal, fortíssimos deslocados e disparatados, histeria e vibrato de arrepiar. Graves desgrenhados, agudos sem brilho. Apenas uma voz grande sem alma nem estilo, conseguiu superar um pouco a mediania na ária final, onde foi salva pela histeria da própria ária.
3. Jurgita Adamonyte foi a surpresa da noite, elegante, sóbria, utilização com uma contenção extraordinária da voz, subtil doseamento de um vibrato muito suave e aplicado apenas como recurso estilístico e não como ferramenta essencial para disfarçar o descontrolo vocal. Mozarteana de primeira água, leu com grande elegância quer nas árias como, sobretudo, nos recitativos. Tem uma voz doce, jovem e bem timbrada. Belíssima prestação.
4. Kate Royal, nem tão mal como Bell, ou tão descolorida como Bostridge, entrou desastrosa, voz fria, cansada nos graves, vibrato arrepiante nos agudos, berrou como pode. Depois foi-se contendo, mostrou cansaço vocal ao longo de toda a noite mas nas árias mais suaves e doces conseguiu mostrar sensibilidade e bom senso. Chegou a encantar no terceiro acto.
5. Benjamin Hullet foi muito sóbrio. Seguro, de voz bonita, sem maneirismos, cantou com grande segurança. Tem belos agudos e mostrou um belo estilo, sendo no entanto algo quadrado na interpretação das subtilezas mozarteanas. Tem um excelente futuro à frente se não começar a cantar tudo o que lhe aparece.
6. Resumo dos solistas: na sua maioria uma desilusão. Royal e Bell, apesar da sua juventude, mostram vozes marcadas por inúmeras interpretações em todo o lado, sem critério nem olhando a estilo interpretativo ou propriedades da voz.

Nota sete: orquestra fraquinha nos violinos, de som débil, em alguns casos, e pouco coesos, nada ajudados por uma direcção perfeitamente inacreditável de Biondi. Biondi pode ter trabalhado bem nos ensaios, mas em concerto a coisa só não foi um desastre total porque os músicos conseguiram ir ignorando indicações imprecisas, entradas fora de tempo dadas atabalhoadamente (mas tardiamente) porque antes tinha estado a dar umas notas no violino ou a virar a página com a única mão livre, gestos sem significado, entradas dois a três compassos antes do tempo, saindo do pódio para se colocar frente a frente com solistas como se estivesse a dirigir a banda do conservatório da aldeia. Felizmente os cantores, apesar da trapalhada de Biondi, lá foram entrando de forma segura.

Nota oito: Fabio Biondi deve decidir entre tocar violino ou dirigir... Podia dirigir sentadinho na primeira estante, o pior era o coro lá atrás, mas nessas passagens deixava o violino também sentadinho e dirigia de pé com as duas mãos. Imagine o leitor se o Fabio Biondi tocasse tuba ou contrafagote! Talvez ainda se safasse com um sousafone... pelo menos seria divertido.

Nota nove: nota-se que Biondi pretendia uma visão tumultuosa e apaixonada de Mozart. "Radical" dizia-me um amigo; conseguiu alguma agitação mas sempre à custa da coesão, da falta de transparência e, sobretudo, sem a menor elegância. A direcção de Biondi não destruiu Idomeneo de Mozart porque a música é tão bela e tão bem construída que se deixa sempre levar até ao fim e porque muitos dos elementos presentes na orquestra, coro e cantores solistas, foram suficientemente seguros e estavam preparados. Creio, ainda, que o trabalho de ensaio não deve ser tão absurdo como esta direcção com arco de violino, umas notas aleatórias dadas aqui e ali e uma mão direita polivalente que tudo consente. Por outro lado as sonoridades dos instrumentos são tão belas que o encanto acaba por se estabelecer. No entanto o disparate absurdo que começou na colocação do cravo e uma direcção errática e trapalhona foram, claramente, inimigas de uma interpretação de altíssimo nível.

Muito mais haveria a afirmar, saí da Gulbenkian com um certo vazio, esperava pouco mas mesmo assim esperava muito mais do que aquilo que escutei. Tudo me pareceu pouco coerente, acho este estilo inglês do coro e das vozes entre o muito frio (a maioria) e o exagero (Emma Bell) e pouco dotado para a subtileza e dramatismo deste Idomeneo.

Não penso que este seja um Idomeneo convincente mas acrescento em abono da verdade que preferi ter ido à Gulbenkian do que ter ficado por casa, apesar dos defeitos, Mozart é sempre Mozart e tive algumas boas revelações.

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10.5.08

Diapason 

A revista Diapason tem-me desgostado profundamente: a atribuição do Diapason d'Or a um disco pior que miserável de Angela Gheorghiu, a não concessão de mesmo prémio ao disco do Ortiz da Alpha, a crítica imbecil à nova integral de Jos van Immerseel das sinfonias de Beethoven (e se eu já tinha ficado incomodado com as quatro estrelas e meia que "O Público" tinha atribuído...), um Diapason D'Or aos Thallis Scolars, num disco de arrepiar os cabelos, cheio de berros e de falsetes horrendos, de vozes cansadas de senhoras que cantam pior do que beirãs em ranchos folclóricos, foram-me deixando estarrecido e são meros exemplos de uma descida muito acentuada desta revista.

Entretanto soube ontem que a revista foi incorporada no universo Berlusconi. Estou a perceber... veto à Diapason.

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Próxima semana 

Tarefas para realizar na próxima segunda feira:
1. Um novo disco com a Viola Bastarda entre o século XVI e XVII, que me parece excelente pelo pouco que ainda ouvi.
2. Um novo disco de Zelenka.
3. Um novo disco com motetes de Bach.
4. O comentário ao concerto de Fabio Biondi na Gulbenkian, próxima segunda, é o Idomeneo de Mozart. Biondi já foi muito bom, no entanto nas últimas vezes a que assisti ao seu agrupamento, Europa Galante, sob a sua direcção apercebi-me de alguma decadência do grupo musical, com músicos francamente menores, imaturos e provavelmente, económicos, e de escolhas musicais do director francamante discutíveis. Vem com Ian Bostridge mais os seus maneirismos e um grupo de jovens cantores ingleses quase todos, com uma lituana pelo meio, uns mais conhecidos outros menos, que cantam tudo o que mexe desde a Incoronazione di Poppea, Ouro do Reno até The Turn of the Screw ou The Rake's Progress, com Mozart, Handel, Verdi, Puccini e Bach pelo meio, acabando em estreias mundiais de compositores contemporâneos.
A lituana do elenco já cantou Rinaldo e uma estreia mundial em Calígula de Glanert (!) e, apesar de ter um currículo quase nulo de 1133 caracteres (mesmo assim melhor do que inúmeras cantoras portuguesas que conseguem encher páginas e páginas de currículos com palha não abrantina), suscita-me alguma curiosidade. Veremos, sem grandes espectativas, se este cocktail very british, no canto, com uma orquestra "italiana" resulta em algo de estilisticamente interessante e musicalmente de bom nível.

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8.5.08

Gottfried Finger 

Nasceu nos anos cinquenta, do século XVII bem entendido, na bela cidade morava de Olmütz, hoje Olomouc. Gambista de elevado nível viajou pela Europa tendo assentado em Londres onde foi contemporâneo de Henry Purcell escrevendo a ode "Weep ye muses" aquando da morte deste último...
Depois de um concurso infeliz para a escolha do melhor compositor de ópera em Londres (1701), em que ficou em quarto lugar, abandonou a Inglaterra e viajou por Viena, Berlim, Breslau, (actualmente Wroclaw), Innsbruck, Heidelberg acabando por se fixar em Mannheim, seguindo a corte do duque de Karl Phillipe von Neuberg, onde foi acumulando postos. Conheceu Telemann e Heinichen. Morreu em 1730.
Descobri um disco deste compositor. Tenho adquirido alguns discos de editoras checas ultimamente, devo dizer que este Finger foi uma das pérolas mais interessantes desta pescaria.
Trata-se de um trabalho do ensemble Turbillon com Petr Wagner na viola da gamba. Conhecendo o ensemble Turbillon não me espanta o cuidado na interpretação e a qualidade musical do CD. O que me espanta mesmo é a variedade e força da música de Finger num estilo muito livre, ora num estilo tipicamente alemão, ora num estilo mais italianizante, ora afrancesado, ora boémio, onde Biber se cruza com Marais e onde Purcell não deixa de ter a sua marca, ora a solo, ora com baixo contínuo, a gamba discursa de forma livre e apaixonada mas o melhor é mesmo o stylus phantasticus tão germânico. Na música de Finger perpassa todo o seu cosmopolitismo ao qual não é indiferente a constante peregrinação do compositor por toda a Europa. Todos os estilos de Finger se fundem de forma verdadeiramente encantadora.
Junte-se a isto um bom texto de Robert Rawson, no qual aprendi algumas das coisas que aqui retransmito, e obtemos um CD de muito bom nível.
Finger é um compêndio do barroco. Este disco, chamado pura e simplesmente, "Gottfried Finger" (Sonatae, Baletti scordati, Aria et variationes) da editora ARTA tocou-me com o dedo de Finger.

P.S. Curiosamente Finger atravessou uma série de cidades que eu tanto estimo, desde Olomouc com as suas duas praças barrocas gémeas e que visitei ainda em tempos de fronteiras complicadas e depois revisitei em tempos menos carregados, sempre um pouco abandonada e com erva a crescer entre as pedras das vastas praças da antiga e florescente capital da Morávia imperial, hoje reduzida à condição de pequena cidade de província, até Innsbruck com o seu pequeno centro medieval rodeada por coroas de montanhas cobertas de neve, passando pela Mannheim que eu associo a um Inverno gélido com montanhas de neve atravessada a pé com dez graus abaixo de zero à procura de uma ópera que teimava em deixar-se ficar ao longe, passando pela linda Heidelberg com a sua Universidade onde físicos diligentes estudam, ainda hoje, a dissonância numa perspectiva matemática, passando por Londres e Viena, onde passei dias felizes ou, ainda, pela estranha Breslau, terra de um primo alemão sem pátria, sem cidade, apátrida na sua própria terra, órfão e desenraizado, Wroclaw de terra calcinada pela guerra e vandalizada pelos blocos horríveis das construções em série do "socialismo polaco"... Este Finger tem realmente um dedo que me toca.

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