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30.4.08

Acordo? Qual Acorodo? 

Mais uma acha de Vasco Graça Moura para o desacordo ortográfico que por aí se prepara. Aliás é aqui o único ponto em que se descortina uma micro visibilidade do minstro da cultura, que se revela como mais uma dessas nódoas quase invisíveis deste governo, tem a vantagem de, contrariamente a outras nódoas, ser mais fácil de remover.

Devo dizer que sou contra o acordo ortográfico e não o vou aplicar, aliás acho que nunca consegui dominar as regras do português escrito, de modo que prefiro manter-me na ignorância e ir tentando aperfeiçoar, feito muito difícil, a minha escrita de acordo com as velhas regras. E falando a sério acho o novo sistema de regras um corte profundo nas nossas raízes culturais, esquecendo as línguas irmãs do francês, castelhano e italiano e, sobretudo, afastando-se do latim que nos deu a matriz... e como eu já sofro com o esculptor sem p e aqueducto sem "c".

A escrita organiza o pensamento, prefiro continuar a pensar como português.

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29.4.08

Luís Pereira Leal 

O principal programador da Fundação Calouste Gulbenkian, o director do seu serviço de música, está de partida, retira-se no final desta temporada.
Pereira Leal é um grande senhor, soube realizar, ano após ano, temporadas de grande qualidade e não se cansou de afirmar a Fundação como a mais importante instituição, em termos de programação musical, de Portugal, justamente prestigiada e reconhecida a nível internacional.
A Orquestra Gulbenkian é um relógio, às vezes atrasa um pouco é certo, mas nas mãos sábias de grandes maestros é uma orquestra de altíssimo nível. Esse trabalho é também fruto de Pereira Leal e dos seus mais próximos colaboradores aos quais também tem de se reconhecer uma fatia do mérito deste grande homem das artes em Portugal.
Uma programação pedagógica, um fortíssimo programa de formação musical e de descoberta da música prossegue a um ritmo vertiginoso e com grande balanço.
A Gulbenkian é uma instituição solidíssima e a sua programação, conservadora como não pode deixar de ser, não deixa de abrir as suas portas à modernidade e ao futuro num equilíbrio sábio que revela a personalidade e a inteligência de um mestre.
Há quem lhe tivesse criticado as cautelas, algum favoritismo de gosto pessoal, mas nunca vi Pereira Leal repetir um erro numa escolha, o que demonstra uma visão enorme. Eu próprio me tenho queixado de não ouvir mais alguma música antiga, outros criticarão outras escolhas, mas não posso deixar de reconhecer ao director do serviço de música da Gulbenkian uma visão e uma linha programática de grande fôlego e de uma subtil paixão.
Na herança justa de Madalena Perdigão, Pereira Leal transformou a Gulbenkian num rochedo inabalável, numa fortaleza da cultura. Vai-se embora no final do ano, poderia certamente dar muito mais à Fundação e poderá dar ainda muito ao país.

Estranhamente não vejo homenagens nem despedidas a este homem exemplar e ímpar.
É tempo de deixar aqui um grande obrigado a Pereia Leal.

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Dias da música: Menos por mais 

Em 2006 gastavam-se 1.200.000 euros na Festa da Música, sob direcção artística de René Martin, face aos 600.000 dos Dias da Música de agora, sob direcção directa de Mega Ferreira.
Em 2006, último ano da festa da Música, foram realizados 115 concertos, com a particularidade de estes concertos mobilizarem 847 músicos dos quais 357 eram portugueses. O Barroco que, recorde-se, também é um prazer de tocar em conjunto, destaca-se pela utilização de pequenos ensembles: se dividirmos os músicos de 2006 pelos concertos tivemos 7,37 músicos por concerto.
Neste ano devemos ter tido um número de artistas na ordem dos 350 (uma vez que não foi divulgado o número oficial realizei uma estimativa com base no programa, creio que este número pecará por excesso). Note-se que o facto tão propalado de os músicos portugueses terem sido privilegiados nestes "Dias da Música" é errado, basta constatar que em 2008 o total de músicos é inferior ao número de músicos portugueses nos tempos áureos da Festa da Música. A média de músicos por concerto é de 5,7 em 2008, portanto ligeiramente inferior a 2006.

Por outro lado temos uma variedade não comparável de géneros, Roby Lakatos num concerto de temporada encheria certamente o CCB. Mas o seu género não se enquadra nos formatos anteriores das Festas da Música, naquilo que se está a tornar uma espécie de miscelânea programática. Curiosamente esteve longe de encher o grande auditório, uma vez que a maioria do público reunido no CCB não procurava exactamente música de inspiração popular húngara, com recortes ciganos e com uns toques de improvisação e Jazz.
Outro detalhe nesta miscelânea programática é o esquecimento do centenário de Olivier Messiaen, onde está o Quarteto Para o Fim dos Tempos? No CCB deverá ter ficado para o fim dos tempos dos Dias da Música...
Outra coisa surrealista é a programação de uma orquestra barroca, com instrumentos supostamente originais ou cópias de originais, e de estilo, supostamente, barroco com um violoncelista de estilo moderno e com um instrumento de cordas de aço!...

A mistura de John Cage com Bach, que não me choca à partida, faz-me lembrar uma exposição de quadros do Duchamps e do Latour. Há quem ache inteligente, porque força um público, que nunca ouviria Cage, a escutar as performances do americano, eu até acho graça à esperteza mas, depois de uma reflexão mais profunda, acho heterodoxo, por inúmeras razões, onde a mais importante é mesmo a razão crítica da obra de Cage que se ri do próprio público e do acontecimento "concerto". Um público e artistas que servem de modelo à ironia de Cage que ridiculariza o mesmo público e os mesmos artistas que tocaram antes e depois. Interessante mas discutível.

Numa análise puramente comparativa e analítica pode-se dizer:
Gastou-se uma média de 1417 euros por músico em 2006.
Em 2008 não foi anunciado o número de músicos mas com base no orçamento mencionado e na minha estimativa do número de músicos (por excesso) gastou-se uma média de 1714 euros por músico. Como a inflação foi baixa creio que este desnível de custos com uma acentuada descida de qualidade é francamente injustificada.

Ou seja, para uma programação francamente inferior, e não vou comparar agrupamentos e solistas devido à evidência das diferenças (a não ser que me peçam explicitamente e aí serei exaustivo, mas fica a lista no final do post como ilustração), onde dou apenas como exemplo a medíocre Neue Hofkapelle de München anunciada como cabeça de cartaz e senhora de profundas desilusões, bem como do afamado quarteto Prazak que está numa baixa de forma incrível.

Juntando a isto o inenarrável programa, recheadíssimo de erros, penso que a única conclusão é que estes dias da música foram a prova de que René Martin era capaz de fazer mais com menos e que esta programação do CCB continua a desperdiçar 600.000 euros, uma fatia muito considerável do orçamento num evento de um fim de semana onde não se descortina uma linha de programação que não seja uma miscelânea e, agora sim, um supermeercado onde sabonetes se misturam com sabão azul e branco e lixívias de má qualidade, belos peixes frescos de Peniche e uns charrocos fornecidos pelo Ordalfabetix, onde aparecem algumas latas de Merda d'Artiste (lembro aqui Piero Manzoni) misturadas com algum caviar, algum vinho húngaro e alguns chouriços portugueses. Posso, se me pedirem, associar estes produtos aos agrupamentos que me inspiram estas imagens, mas não creio que seja profícuo e deixo ao leitor a sua imaginação para completar o puzzle.

Entretanto anuncia-se que no próximo ano teremos a herança de Bach, o que dá para tudo e para nada, espera-se que o lado pedagógico seja reforçado, mas como tudo cabe no mesmo saco nunca se sabe. O que é aparente é que os temas se vão aproximando dos temas do René Martin e o decalque parece, cada ano que passa, ser mais evidente; excepto na extrema qualidade dos artistas que aceitam tocar a preços de saldo para o hiperactivo francês.

Nota a atribuir à última Festa da Música: 17, nota destes Dias da Música: 9,5 (numa escala puramente pessoal).

Como memória e registo aqui fica um artigo do DN de 24 de Abril de 2006:


A segunda melhor de sempre", começou por sorrir António Mega Ferreira, no balanço da 7ª edição da Festa da Música do Centro Cultural de Belém (CCB), a sua primeira à frente da instituição. Uma avaliação suportada na certeza dos números: até às 17.00 de ontem foram vendidos 48 850 dos 52 mil bilhetes disponíveis. O que significa que os 115 concertos, que desde sexta-feira à noite se distribuíram por sete salas, tiveram uma ocupação média de 94%.

Contas feitas, só em 2005 houve mais público. "Mas é preciso lembrar que essa teve 158 concertos", ressalvou o presidente. Além disso, "este formato mais curto fica mais próximo do ideal para uma Festa realizada em condições de conforto para todos ". E também mais de acordo com a dieta orçamental cumprida este ano. Foi aliás aí que o criador da Festa, René Martin, assinalou um dos grandes sucessos desta edição, deixando um agradecimento aos músicos. "Porque este foi um ano de novo arranque para a Festa, marcado por constrangimentos orçamentais que todos souberam aceitar."

Inscritos neste balanço ficam também alguns efeitos colaterais. Neste fim-de-semana, a exposição dedicada a Frida Kahlo recebeu perto de cinco mil visitantes. E a livraria Buchholz, que se instalou no átrio do CCB, vendeu três mil CD só de música barroca. O resto da contabilidade faz-se com o fascínio irrecusável de uma logística de exagero. Uma organização com mais de 200 pessoas 847 músicos (357 portugueses), perto de cem jornalistas acreditados; vinte cravos, oito órgãos e 12 afinadores para os manter, mais onze pianos com três afinadores dedicados e outros tantos viradores de páginas. Sessenta mil folhas de sala, 450 quartos distribuídos por cinco hotéis, 4500 refeições servidas e garrafas de água suficientes para dar nível a uma piscina olímpica. Em resumo, o costume.

Festa em família

Para lá dos números, fica o já tradicional quadro de azáfama que, nestes dias de democratização da música erudita, toma conta do CCB. É contínuo o trânsito de gente com bilhetes no bolso, crianças pela mão, instrumentos às costas, cartões ao pescoço. E a vinte minutos de distância, as filas começam a crescer junto às sete portas. São 11.15, e o público alinhado frente à Sala Frederico II dá já uma volta completa ao átrio e segue pelo corredor afora. "Tanto coisa para ouvir o hamburguer tocar baixo", brinca o Tiago, aportuguesando os fonemas e trocando voltas às sílabas inscritas no cartaz que anuncia o francês Jean-Frédéric Neuburguer e a Sonata em Dó M para piano de Bach. Tiago tem oito anos e trazia a piada ensaiada desde ontem, quando decidiu o programa familiar para esta manhã de domingo com os pais e a irmã, que é mais velha quatro anos e mais acanhada. "Foi também por eles que viemos" explica a mãe Teresa. "O ano passado vim sozinha com o meu marido, tivemos medo de os trazer e arrependemo-nos. Porque isto é perfeito para um programa de família."

Um piso abaixo, noutra fila interminável que começa a escoar ordeiramente para a Sala La Pouplinière, um outro apreciador de Bach escolhido aleatoriamente para um depoimento: "assistimos a quatro concertos ontem e hoje temos mais dois", explica Augusto Santos Silva, ministro dos Assuntos Parlamentares e militante assumido da Festa. "Vimos todos os anos", garante, enquanto avança com a mulher para ouvir Roel Dieltiens na Suite n.º 1 para Violoncelo Solo em Mi Bemol Maior.

João Pedro Oliveira e Sandra Carvalho Gonçalo Santos



LISTA DE INTÉRPRETES EM 2006 (Dados do CCB)


orquestras e ensembles

• Akademie für Alte Musik Berlin
Daniel Reuss, direcção

• Collegium Cartusianum
Peter Neumann, direcção

• Concerto Campestre
Pedro Castro, direcção

• Concerto Köln

• Divino Sospiro
Enriço Onofri, direcção

• Ensemble 415
Chiara Banchini, direcção

• Ensemble Matheus
Jean-Christophe Spinosi, direcção

• Ensemble Pierre Robert
Frédéric Desenclos, direcção

• Flores de Música
João Paulo Janeiro, direcção

• La Fenice
Jean Tubéry, direcção

• Les Siècles
François-Xavier Roth, direcção

• Ludovice Ensemble
Fernando Miguel Jalôto, direcção

• Orquestra Académica Metropolitana de Lisboa
Jean-Marc Burfin, direcção

• Orquestra da E.S.M.A.E.
Ana Mafalda Castro, direcção

• Quarteto do Conservatório

• Ricercar Consort
Philippe Pierlot, direcção

• Sinfonia Varsovia
Michel Corboz, direcção

• Solistes do Ensemble Barroco de Limoges
Christophe Coin, direcção



coros


• Capela Joanina
João Paulo Janeiro, direcção

• Coro de Câmara de Namur
Jean Tubéry, direcção

• Collegium Vocale Gent
Philippe Pierlot, direcção

• Coro Ricercare
Michel Corboz, direcção

• Ensemble Vocal de Lausanne
Michel Corboz, direcção

• Kölner Kammerchor
Peter Neumann, direcção

• La Venexiana
Cláudio Cavina, direcção

• Officium – Grupo Vocal
Pedro Teixeira, direcção

• RIAS-Kammerchor
Daniel Reuss, direcção

• The Tallis Scholars
Peter Phillips, direcção




direcção


• Ana Mafalda Castro

• Chiara Banchini

• Christophe Coin

• Claudio Cavina

• Daniel Reuss

• Enrico Onofri

• Fernando Miguel Jalôto

• François-Xavier Roth

• Frédéric Desenclos

• Jean Tubéry

• Jean-Christophe Spinosi

• Jean-Marc Burfin

• João Paulo Janeiro

• Michel Corboz

• Pedro Castro

• Pedro Teixeira

• Peter Csaba

• Peter Neumann

• Peter Phillips

• Philippe Pierlot




cravo, órgão

• Ana Mafalda Castro

• Benjamin Alard

• Frédéric Desenclos (órgão)

• Fernando Miguel Jalôto

• João Paulo Janeiro (órgão)

• Jan-Willem Jansen

• Marcos Magalhães

• Maude Gratton

• Mayako Sone

• Nicolau de Figueiredo

• Pierre Hantaï

• Rui Paiva (órgão)

• Skip Sempé



piano

• Alexandre Tharaud

• Anne Queffélec

• Carla Seixas

• Edna Stern

• Iddo Bar-Shaï

• Filipe Pinto-Ribeiro

• Jean-Frédéric Neuburger

• Miguel Henriques



marimba

• Pedro Carneiro



harpa

• Giovanna Pessi




violino

• Álvaro Pinto

• Andres Gabetta

• Chiara Banchini

• Gilles Colliard

• Jean-Christophe Spinosi

• Jörg Buschhaus

• Laurence Paugam

• Luís Santos

• Markus Hoffmann

• Raphaël Oleg

• Régis Pasquier

• Stefano Montanari


violoncelo

• Ana Raquel Pinheiro

• Christophe Coin

• Miguel Ivo Cruz

• Paulo Gaio Lima

• Roel Dieltiens

• Xavier Phillips



viola

• François Fernandez (viola de amor)

• Raquel Massadas (viola)


viola da gamba

• Christophe Coin

• Florence Bolton

• Josh Cheatham

• Philippe Pierlot


instrumentos de sopro

• Christian Moreaux (oboé de amor)

• Cordula Breuer (flauta bisel e flauta travessa)

• Jean-Marc Goujon (flauta)

• Julien Martin (flauta de bisel)

• Maria-Tecla Andreotti (flauta)

• Martin Sandhoff (flauta de bisel e flauta travessa)

• Patrick Beaugiraud (oboé de amor)

• Pedro Couto Soares (flauta de bisel e flauta travessa)

• Renée Allen (trompa)

• Thomas Müller (trompa)


canto

• Alex Potter (contalto)

• Carlos Mena (contratenor)

• Céline Scheen (soprano)

• Christophe Einhorn (tenor)

• Damien Guillon (contralto)

• David Wilson-Johnson (baixo)

• Emma Bell (soprano)

• Frabrice Hayoz (barítono)

• Franz Vitzthum (contralto)

• Furio Zanasi (barítono)

• Gyslaine Waelchli (soprano)

• Harry van der Kamp (baixo)

• James Oxley (tenor)

• Jean-François Novelli (contratenor alto)

• Malcolm Bennett (tenor)

• Marcel Beekman (contratenor alto)

• Markus Brutscher (tenor)

• Marianne Beate Kielland (meio-soprano)

• Myung-Hee Hyun (soprano)

• Núria Rial (soprano)

• Orlanda Velez Isidro (soprano)

• Peter Harvey (baixo)

• Philippe Jaroussky (contratenor)

• Romina Basso (meio-soprano)

• Simone Kermes (soprano)

• Stephan Imboden (baixo)

• Susan Gritton (soprano)

• Thomas Walker (tenor)

• Torben Jürgens (baixo)

• Valerie Bonnard (contralto)

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23.4.08

Livros que não lemos e recomendamos 

Não, não é mais um artigo sobre leituras recomendadas neste dia do livro. Também não me estou a virar para a crítica literária, pelo menos ainda não; é que o mundo da literatura é muito menos civilizado e muito mais canino que o mundo da música, se esquecermos, claro está, as discussões espúrias sobre ópera e os atributos vocais de uma qualquer cantora, directamente proporcionais, como sempre, aos agudos que a dita emite. Estou-me nas tintas para o dia do livro, aliás recomendo, como não podia deixar de ser hoje, um livro que é um apelo à não leitura: Como Falar dos Livros que Não Lemos? de Pierre Bayard. Trata-se de um livro que não comprei, que não li e que pousa suavemente na minha secretária apinhada de outras coisas, como cerca de quarenta CD's não ouvidos, um livro que é aliás um libelo e será uma bíblia, não lida, bem claro está de ver, de famosos e não famosos não leitores, nuns destaco Marcelo Rebelo de Sousa e Francisco José Viegas e noutros destaco-me a mim próprio e ao sr. Manuel das Iscas, antigo carregador da Bulhosa, o que aliás delimita bem a diferença entre um não leitor activo e culto, sem complexos e que discorre sobre o que não leu com naturalidade e alguém que é um verdadeiro não leitor passivo. O não leitor activo, como eu, tem na sua posse milhares de livros, compra-os, assina e recebe avidamente o Magazine Littéraire (que religiosamente não lê), vê os índices com avidez e compara edições lendo todas as críticas às mesmas. O não leitor passivo limita-se a ignorar os livros. Poderia deixar ao meu (não) leitor a classificação de Marcelo e de Viegas, mas evidentemente que o primeiro é um não leitor passivo e o segundo será um activo; nunca vi tantos lançamentos de livros apresentados por Viegas sem nunca ter lido uma linha que fosse do autor apresentado, que sua geralmente de forma abundante, enquanto o não leitor activo Viegas lá vai abrindo o livro ao calhas e lendo passagens previamente marcadas com postit's amarelos como se tratasse realmente de uma não leitura percorrida, ou mesmo folheada...

Trata-se de um livro que se recomenda, este do psicólogo, crítico literário, professor de literatura, escritor e não leitor Bayard, e aborda de forma reflexiva e até inteligente, creio eu, que ler não o li, a não leitura. Não, não é uma crítica social, não... não é um apelo disfarçado à leitura. Já li, ou melhor não li, mas imagino que se tem escrito e publicado, posso mesmo dizer que tenho percorrido sem ler, ou tenho ouvido dizer, que muitos "intelectuais" têm disfarçado e assobiado para o ar tentando não ler, lendo, nesse livro aquilo que ele não tem, o que aliás é mais um acto não assumido de uma não leitura. Algo que respeito é a não leitura mas condeno a falsificação de uma mensagem não escrita. E quem sou eu para criticar aqueles que falam do livro, tendo pensado que o leram, se eu próprio não o li? Tenho uma vantagem clara, a não leitura assumida do livro como acto de vontade plena é um acto de distanciação crítica. Ao embrenharem-se neste livro, os imaginários, porque não os li e podem apenas ser fruto da minha imaginação (mas não o é tudo?), críticos do livro acabam a não ler o que Bayard não escreveu, distorcendo através de cérebros pouco dotados o que Bayard pensa que escreveu sem o ter feito. Parafraseando Oscar Wilde, que eu não li, bem entendido, quem são esses leitores para pensarem que leram um livro que não foi escrito pelo autor? Um livro é algo obscuro, nebuloso, fruto de memórias e do espírito de quem o leu, o livro é todo um contexto social, começa no acto da escrita e precipita-se, cristaliza, no acto da leitura; melhor seria dizer: não leitura. Para não ler um livro prefiro fazê-lo de uma forma activa, ignorando-o pura e simplesmente, evito assim a maçada de o folhear, de cabecear sobre o mesmo, ou mesmo de ter de ler, não lendo, extensos e incrivelmente maçadores parágrafos, escritos geralmente por alguém que não sabe escrever (como o Saramago) e quase sempre pessimamente traduzidos (como o Saramago). Tal como existe o não leitor activo também existe o não ouvinte passivo e a este respeito dou como exemplo Pedro Boléo, do jornal "O Público", um claríssimo não ouvinte passivo, o que aliás louvo: é notável como o crítico deste jornal pode criar um objecto literário e (não) crítico independente do que quer que tenha, ou não, ouvido. Simplesmente genial! Algo que no meu caso seria muito complexo é a criação desta distância crítica altamente imaginativa (mas que vou procurar cultivar no futuro). Exemplo: (não) crítica dos Contos de Hoffmann, que poderia ser escrita independentemente de qualquer audição da obra e da interpretação em concreto. Mas não falemos mais de um não ouvinte passivo, afinal o mais banal dos casos de não ouvinte, a situação do não ouvinte activo é muito mais interessante: aquele que realmente (não) ouve mas que finge a audição que realmente sente, ou seja: que (não) ouve com um cérebro.

Assim o exercício discursivo é muito mais flexível, imaginativo e eficaz, uma vez que não se leu o livro em causa, ou não se escutou a obra em particular mesmo tendo-a escutado, ou não tendo ouvido (tendo-a ouvido) a interpretação que se critica. Pode-se discorrer sobre as mesmas por ouvir dizer, ou até por imaginar o seu conteúdo a partir do texto e do índice, ou das notas de programa e do currículo dos intérpretes ou compositores, ou, suprema ironia, a partir da própria (não) audição da obra em concreto. É um exercício de não-leitura ou não-audição imaginativa de grande fôlego criativo. E, tal como nos diz Bayard, esse professor de literatura na Sorbonne, se bem não li, no capítulo final, o livro é um apelo sincero, apaixonado da não leitura criativa, um apelo maior da escrita. Pois do discurso sobre o não lido (não ouvido, não provado, não visto, não tocado, não cheirado) pode nascer uma obra bem melhor, a nossa própria obra. Mal escrita e logo não lida, esquecida pelo autor e pelos leitores após penosos momentos de falsa não leitura. Como é bela a não leitura e que belíssimos momentos me tem proporcionado em oposição a penosas leituras dos meus tempos de juventude que nada me trouxeram...
A criação de objectos assim motiva os críticos, é toda uma teoria crítica da não existência do objecto criticado, a rarefação da obra em si. Críticos eles próprios não leitores empedernidos, não ouvintes convitos: afinal a actividade da crítica, como outra actividade artística e criativa é ela mesma um exercício de não leitura, de não audição... no meu caso, de despojamento referencial, de desnudamento do objecto da crítica, infinitésimal e menor perante o acto crítico, já o dizia o citado Oscar Wilde, citado sem ser lido - não me canso de repetir - "quem se julgam os criticados ser senão meros pretextos para o acto genuinamente criativo que é a crítica como acto de produção artística?" Acham que o crítico se importa com a obra a criticar? Acham que o crítico se importa com a interpretação da obra? Algo fundamentalmente menor face à criação, algo meramente reprodutivo e, essencialmente, não criativo. Evidentemente que não! O crítico não lê, não ouve!
O artista maior é o crítico que não lê, que não vê, que não ouve, que não palpa, que não cheira e que não prova. Chamam muitas vezes ao crítico "artista frustrado", esse crítico existe, é um artista não conseguido, um crítico esforçado, que lê e relê, que sofre com o criticado, que ouve à exaustão, que prova o vinho até beber a pipa, tal como disseca o livro até não sobrar mais do que um punhado de caracteres, que cheira a comida, que chega mesmo a degustá~la (supremo horror), que toca na escultura e apalpa a cor; esse crítico está condenado, o verdadeiro e grande artista é o crítico que imagina a obra e faz da crítica a sua peça de arte, a leitura, a audição, o real, o desgraçado do artista a criticar, o repasto, o copo de tinto, são um mesquinho pretexto para a magistral arte da criação crítica, alguém lê o Adorno por causa do Schönberg? Alguém lê o Parker, como eu não o leio, para saber se um vinho de cinquenta mil euros é bom ou mau? Eu não, eu leio (ou melhor: não leio) por causa do génio crítico, pela beleza das suas construções lógicas e pela imaginação que a sua não leitura me proporciona.

Recomendo pois neste dia da não leitura e do não livro a criação de um livro, o nosso livro, a nossa obra de arte, a nossa flor, o nosso verso, o nosso pensamento crítico, a nossa crítica sobre o mundo, seja sobre um insignificante artista que se debate por um olhar do seu senhor, seja do artista consagrado que nunca lerá qualquer crítica porque já se está nas tintas. O senhor do mundo é o crítico que não vê, não ouve, não toca, não cheira e não prova, mas que critica e cria.

P.S. E se descobrir erros neste post escusa de me maçar com comentários ou emails, eu não li ou reli o texto, como tal não o revi e não faço tenção de ler o seu email.

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12.4.08

Jorge Calado e os Contos de Hoffmann 

Saiu no "O Expresso" a crítica de Jorge Calado aos "Contos de Hoffmann", o mais experiente e conhecedor crítico português em ópera arrasa a nova produção do S. Carlos: "Miséria no S. Carlos" é a chamada no caderno "Actual", o título da peça crítica é "A desafinação Continua" e o subtítulo é "A nova produção do S. Carlos é uma trapalhada mal cantada".

Recomendo uma leitura ao "O Expresso" para se ter um maior alcance do desastre desta direcção artística do Teatro Nacional de S. Carlos, pago com o dinheiro dos nossos impostos e dos bilhetes de um público cada vez mais aldrabado.

Segundo um crítico estrangeiro meu amigo: "não há maus cantores hoje, há falta de sentido de responsabilidade, muita preguiça e péssimos directores de casting."

Segundo um agente estrangeiro: "se o S. Carlos negociar bem, os melhores cantores vêm a Lisboa quase por nada, são umas férias excepcionais, um mês e meio em Lisboa é algo que não se esquece, o S. Carlos não contrata melhor porque não sabe ou não quer".

O que se passa hoje em S. Carlos é incompetência pura. Calado praticamente já pede a cabeça de Dammann mas eu creio que, apesar da virulência da sua crítica, é demasiado prudente ao exigir apenas o conhecimento público das condições contratuais desta equipa alemã "euro-trash". Christoph Dammann já provou que não percebe nada disto, apesar de claques e cliques de apoiantes e de críticos acéfalos e, provavelmente, surdos que, irresponsavelmente, passeiam a sua ignorância e falta de sentido crítico por jornais importantes da nossa praça, descredibilizando os jornais e a si próprios com opiniões infundamentadas, estouvadas e tontas, por um lado, ou tentando branquear uma gestão vergonhosa do anterior secretário de Estado, por outro, sabe-se lá porque razões.

Este director do S. Carlos é mau, é pior que mau, é péssimo. Sabe-se que Pinamonti, com alguns defeitos (que apontei aqui e ao próprio com toda a frontalidade) e muito poucos recursos, credibilizou o teatro de S. Carlos e lhe deu visibilidade internacional, com inteligência e sentido prático e, sobretudo, com muito bom senso. Eu apelaria a um regresso de Pinamonti, se isso fosse possível e se esse aceitasse, o que não me parece provável...
Uma ideia interessante seria a de Jorge Calado para director do Teatro. Está jubilado da Universidade e é quem mais sabe do assunto em Portugal. Fica a ideia...

Segue texto da crítica de Jorge Calado, com a devida vénia:

A desafinação continua

A nova produção de «Les Contes d’Hoffmann» no São Carlos é uma trapalhada mal cantada

Programar Les Contes d’Hoffmann é sempre um exercício arriscado. Fazê-lo à última hora (quer dizer, a menos de um ano de distância) - como fez a actual direcção do São Carlos, sabe o diabo a pedido de quem - é suicídio. Não é só o problema da edição da partitura, dos recitativos vs. diálogos, etc.; é também a escolha do elenco e do encenador. É fácil atribuir os papéis dos servos a um único cantor e fazer o mesmo com os quatro Vilões. Mas como resolver a unidade na diversidade da amada - Stella, Olympia, Antonia e Giulietta são uma e a mesma -, que, tal como a Violetta de La Traviata, requer três vozes? (Stella, a diva de ópera, não canta.) Houve uma boa notícia - a substituição do inenarrável tenor inicialmente anunciado -, mas a partir daí foi sempre a descer.

A complexidade dramática e musical de Les Contes d’Hoffmann é das coisas mais fascinantes da história da ópera. E.T.A. Hoffmann e Jacques Offenbach formam uma combinação irresistível sob a sombra tutelar de Mozart. Recorde-se que Hoffmann, essa figura cimeira do romantismo alemão, escritor-jurista-compositor-poeta-músico-caricaturista-crítico-pintor-maestro, interpolou a inicial A (de Amadeus) no seu nome em homenagem a Mozart. A ópera de Offenbach desenrola-se durante uma representação do Don Giovanni (na qual Stella canta a Donna Anna). O Hoffmann de Offenbach e dos libretistas Jules Barbier e Michel Carré é um Dom João desafortunado que bebe para esquecer os desastres amorosos (tal como o Hoffmann real). Don Giovanni, pelo contrário, bebe para celebrar e lubrificar as suas conquistas sexuais (como se ouve no «Fin ch’han dal vino»).

Hoje já não há grandes dúvidas no que respeita à versão que Offenbach deixou praticamente pronta, e em ensaios na Opéra-Comique, à hora da morte (em grande parte graças às descobertas de António de Almeida, o maestro português e grande especialista de Offenbach que dirigiu várias vezes em São Carlos.) Sabe-se que o compositor construíra um drama lírico híbrido, composto de números musicais ligados por recitativos, melodramas e diálogo falado; que as várias incarnações da heroína deviam ser cantadas pela mesma cantora; que a ordem correcta dos contos começa com o autómato Olympia (o sexo mecânico da juventude), continua com Antonia (a paixão romântica) e acaba, para quem já não acredita no amor, com o deboche da cortesã Giulietta. Sabe-se que Offenbach orquestrou praticamente tudo (incluindo quase todo o acto veneziano) e que não seria difícil orquestrar o que ele deixou em esboços ou partitura para piano (a técnica dum compositor que criou mais de cem obras teatrais é sobejamente conhecida). O problema é decidir o que cortar para não termos um espectáculo de mais de cinco horas. (É pena que os textos de Paula Gomes Ribeiro para o programa de sala também pouco ajudem, na sua enorme confusão.)

A produção foi anunciada como a grande aposta do director artístico do teatro, Christoph Dammann. Os resultados, porém, foram lamentáveis. Christian von Götz, apresentado como aclamado encenador do Capriccio, de Richard Strauss, no Festival de Edimburgo de 2007 (não deve ter lido a chusma de críticas negativas), permitiu-se, outra vez, reescrever a ópera. Em Capriccio enviara a Condessa para um campo de concentração sob escolta nazi. Aqui resolveu matar Hoffmann (em vez de Giulietta) e enxertar textos alheios, incluindo excertos de O Livro do Desassossego, de Pessoa. Percebe-se a piscadela de olho, mas é tempo de deixar o nosso poeta em paz! Hoffmann chega e sobra. Há 30 anos, a ideia de situar a ópera num asilo de loucos ainda podia funcionar. Hoje, depois do Marat-Sade (1963) dos Peter Weiss e Brook e do One Flew Over the Cuckoo’s Nest (1975) é apenas mais um cliché. Ainda por cima o pretexto não é seguido consistentemente. É conforme lhe dá, uma pós-modernice qualquer. O trabalho de Von Götz é o exemplo típico do chamado «euro-trash» - neste caso, alemão - que explicita traumas próprios (políticos ou sexuais) para os infligir a terceiros. A obra já tem simetrias suficientes para que seja necessário adicionar mais algumas. Só um alemão se lembraria de identificar a vítima com o carrasco - como ele faz transformando Hoffmann num sósia dos quatro Vilões. Ou de distorcer o episódio de Antonia pondo o Dr. Miracle a violá-la. No fim do espectáculo, mascarado de artista (num elegante fato preto e de barbicha), Götz recebeu alegremente os apupos juntamente com os aplausos da claque de apaniguados do regime instalado.

Quanto à direcção de actores, nem vestígios. Infelizmente, quase todos os cantores representavam razoavelmente mal, não sabiam para onde se mover, atropelavam-se no palco ou - literalmente - batiam com a cabeça na parede. À partida, a aposta estava perdida com a entrega dos quatro Vilões a Johannes von Duisburg, um cantor de afinação problemática, que tinha provado mal na Nona de Beethoven e que parece cantar tudo numa nota só (ainda por cima, feia). Porquê insistir? Götz fez dele uma espécie de pirata da perna de pau, óculos e cara de mau, com direito a extra: «Scintille diamant», a ária composta em 1904 por André Bloch. Olympia é a mais marcante das três heroínas. (O autómato e a marioneta desempenham um papel fulcral na cultura europeia, de Descartes a Kleist, não esquecendo a mona em tamanho natural de Kokoschka.) Chelsey Schill foi escolar e estridente. (Que saudades de Elizette Bayan.) Antonia é suposta ser tísica, mas Maria Fontosh - a melhor voz em cena - berra, salta para cima do piano e desabotoa-se, como se estivesse a cantar a Tosca. Momento baixo da encenação foi a materialização do espírito da Mãe de Antonia (Maria Luísa de Freitas), qual espanhola de mão na anca e perna à mostra. Por outro lado, falta a Riki Guy a sedução vocal ou teatral para fazer uma Giulietta convincente. Muito correcto o Crespel de Dieter Schweikart. Stephanie Houtzeel, bem ajudada - sem as momices e a embriaguez forçada -, poderia ter sido uma Musa/Nicklausse atraente. Os portugueses cumpriram na generalidade, com destaque para Carlos Guilherme. Resta o protagonista: Sergei Khomov faz batota nalguns agudos, não se ouve quando procura ser subtil e poético. O coro, vestido à Maluquinha de Arroios, não teve uma das suas melhores noites (nem a orquestra, tepidamente dirigida por Gregor Bühl). É já audível o desânimo que perpassa pelo teatro. O barulho mecânico que interrompeu a representação no último acto era talvez o fantasma de Offenbach a protestar...

Uma vez mais, o pior Hoffmann dos últimos 50 anos. Temo que se chegue ao fim desta temporada sem ter visto e ouvido um único cantor - já não digo de 1.ª ou 2.ª linha, mas ao menos de 3.ª ou 4.ª - a representar no palco do São Carlos! Dammann já provou que ou não percebe de vozes ou está a impingir-nos o rebotalho de Colónia. Corre por aí que a mulher é professora de canto; acho inverosímil. (O descalabro com o tenor residente, Richard Bauer, é apenas um sintoma; espero que se arranje nova «doença» antes da Tosca.) As suas opções quanto a encenadores também deixam a desejar. Há um ano, o teatro tinha um director universalmente respeitado, as produções eram no mínimo interessantes (e várias eram obras-primas) e ouvíamos algumas estrelas de hoje e de amanhã. Mas os senhores da Ajuda resolveram destruir tudo para instalar estes cavalheiros. Por uma questão de higiene, no mínimo exige-se saber as condições em que esta gente foi contratada (e é paga com o dinheiro de todos nós).

Texto de Jorge Calado

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11.4.08

Uma enorme gargalhada 

Reproduzo com a devida vénia, uma vez que está disponível na internet em acesso aberto, esta "crítica" de Pedro Boléo que saiu no Jornal "O Público". Deixou-me vigorosamente bem disposto no seu geral mas fez-me soltar uma gigantesca gargalhada ao ler os comentários sobre Chelsey Schill. Entretanto os editores do "O Público" essas brilhantes luminárias, sempre atentas e perseverantes, deixaram passar no dia 10 de Abril, data de publicação da "crítica", a nota de que uma das próximas récitas seria a dia 9, creio que seria uma récita para os viajantes do tempo, sempre avançados estes "editores".
Creio que esta "crítica", do mais alto nível, está ao mesmo nível de uma outra em que se dava Verdi como exemplo perfeito do Verismo, uma ideia estética revolucionária que talvez faça história... no anedotário.
Segue texto, mais palavras para quê?


Uma ópera diabólica

10.04.2008


Les Contes d"Hoffmann
mmmmn

De Jacques Offenbach
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Coro do Teatro N. de São Carlos
Companhia Nacional de Bailado
Gregor Bühl (direcção musical)
Christian von Götz (encenação)
Cantores: Sergei Khomov, Chelsey Schill, Maria Fontosh, Riki Guy, Stephanie Houtzeel, Johannes von Duisburg, Carlos Guilherme, José Corvelo, Marco Alves dos Santos, entre outros.
Lisboa, Teatro Nacional de São Carlos
Próximas récitas: 9, 11, 15, 17 e 20 de Abril às 20h
13 de Abril às 16h
19 de Abril às 16h (Matinée Família)
A fantástica última ópera de Offenbach, Os Contos de Hoffmann, foi apresentada no São Carlos numa nova encenação do encenador alemão Christian von Götz. Esta nova produção de raiz, que revelou a ópera inacabada de Jacques Offenbach, contou com um elenco de boa qualidade, entre algumas estrelas internacionais e cantores portugueses com excelentes capacidades (destaquem-se Carlos Guilherme, em vários papéis, e Marco Alves dos Santos, muito bem como Nathanaël). Sergei Khomov, tenor ucraniano que substituiu Richard Bauer à última hora (por motivo de doença, segundo o comunicado de imprensa do São Carlos), foi um cantor impetuoso e deu provas de ser um excelente actor no papel de Hoffmann. Chelsey Schill foi segura vocalmente e convincente como Olympia, a boneca mecânica por quem Hoffmann suspira no segundo acto. Esta maravilha tecnológica por quem se apaixona o poeta romântico é uma personagem de uma actualidade surpreendente: não apenas porque estamos num tempo de máquinas "vivas" e corpos digitais, mas porque a nossa sensibilidade tem muito a ver com a de Hoffmann - apaixonamo-nos por bonecos, por divas virtuais ou fantasmagorias da Internet, e idolatramos estrelas em que nunca poderemos tocar. As personagens de Offenbach parodiam também os clichés da ópera: a sua diva mecânica é a continuação lógica das loucuras vocais das sopranos de Rossini, por exemplo.
O interesse de Os Contos de Hoffmann passa muito por aqui. A forma que o compositor inventou para esta ópera quase impossível (porque é feita de episódios, sonhos, alucinações, sobreposições de histórias) vai muito para além das convenções da opereta que Offenbach desenvolveu até à exaustão. Fragmentada em três histórias diferentes, que correspondem a três narrativas de Hoffmann de três histórias de amores seus (ou ainda, em alternativa, a três alucinações suscitadas pelo álcool), esta ópera põe em questão a ópera como género (em 1880!), sem desperdiçar uma série de referências típicas do espectáculo. A diva da segunda história, Antonia, é convencida a cantar até à morte por um diabólico médico (Johannes von Duisburg, que foi um baixo respeitável mas não tão diabólico como seria de esperar). Aqui o registo quase melodramático (embora sempre mergulhado no fantástico) foi bem captado pela ucraniana Maria Fontosh, a mais aplaudida das cantoras da noite, com alguma razão, pois tem uma voz poderosa e sabe comportar-se como uma verdadeira diva do século XIX, até nos aplausos. Riki Guy foi Giulietta, uma cortesã veneziana e o último amor de Hoffmann (IV acto), com uma voz menos entusiasmante do que as duas outras, mas sem comprometer.
A encenação inteligente de Götz conseguiu não perder o alucinante ritmo da ópera e conseguiu gerir bem as permanentes ambiguidades de tempos (tempo da narração de Hoffmann, tempo da fantasia e tempos estruturais da ópera na ligação de recitativos, árias e coros). Para isso recorreu às entradas da Musa - a excelente actriz e cantora Stephanie Houtzeel. No entanto não se pode dizer que seja uma encenação provocadora ou ligada às mais contemporâneas visões do teatro musical. Pelo contrário, foi até relativamente conciliadora, respeitando nas formas de movimentação do coro, na ligação das cenas ou no jogo dos cantores muitas das habituais convenções da ópera. A coisa funcionou bem, contudo. Faltou-lhe talvez alguma energia que poderia ter vindo das próprias forças da ópera de Offenbach - a interrupção permanente, a não-linearidade do tempo, o excesso e o sarcasmo. O coro teve a força e a justeza necessárias, e a orquestra, com alguns sobressaltos e um pouco de timidez a mais, conseguiu no entanto manter viva a chama desta ópera actual, diabólica e deliciosa.
Apesar dos percalços, um dos momentos mais altos desta temporada do São Carlos.

Pedro Boléo

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10.4.08

Divino Sospiro poe Tomás de Oliveira Marques 

DO DIVINO SOSPIRO


NA BRUMA DA CRIAÇÃO


Ergo a taça da vida ao agrupamento Divino Sospiro e também aos bípedes que padecem de problemas respiratórios quando se metem a matutar na lendária e enternecedora (quando não dá para o torto) relação Divino/Humano.

Bebo, então, uns goles à saúde do Divino Sospiro, na sequência da sua primeira edição discográfica, que materializa uma emocionante e excepcional aproximação ao universo musical de Mozart, sob a batuta sábia e poética de Enrico Onofri.

Fico, assim, a dever ao Massimo Mazzeo, o ‘S. Pedro’ do Divino Sospiro, a ideia desta minha modesta e ‘mefistofélica’ abordagem ao Divino – abordagem essa que é, como não pode deixar de ser, humana (na generalidade, demasiado humana, diga-se em abono da verdade).

E, para vossa informação, já recebi um sms das Profundezas, no qual o Mestre Estigmatizado presenteia a minha insignificância com a sua sarcástica aprovação.


DO DIVINO SOSPIRO

Chiaroscuro

Da razão nas paixões


Quando suspira
O Divino embacia
Ao espelho do ego
Os olhos e ouvidos
Dos mortais entregues
(Na voragem dos tempos)
Ao diabo das paixões.

Em cada suspiro
O Divino empurra
Os mortais colados
À pesada aldraba
Da porta sem trinco
Das suas ilusões.

Sempre que suspira
O Divino embirra
(No silêncio das esferas)
Com a surdez em volta
Da Música que escapa
Prenhe e assustada
Das mortais razões.

Ao mínimo suspiro
O Divino espirra
No bafio e calor
Que os homens exalam
Aquando constipados
Das suas orações.

Ao longo do suspiro
O Divino jaz... e hesita
Sempre que fita
A condição humana
Porventura demasiado
De Si as contradições.

Em verdade vos digo
Que o Divino suspira
Sempre que transborda
(D’Ele) O suor dos homens
No silêncio da escuta
A dar danações.

Enfim, só resta dizer
Do Divino Sospiro
Que há a reter
Do seu restolhar
Fôlego ao poder
Das obnubilações.

Pois, sem dúvida em nós
Que o Divino suspira
Ao haver ardor
E cautela... aos sentidos
Que estes são tidos
Acima da razão
Da vida que obnubila
Sem objecções.



30/03/2008

Tomás de Oliveira Marques



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EXCRESCÊNCIAS
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Quando suspira
O Divino embirra
Com a humanidade
De joelhos, a pedir-Lhe
Conselhos, sem c... cauções.

Em verdade vos digo
Que o Divino Suspiro
Marulha na fragilidade
Undívaga do silêncio
De Prometeu agrilhoado
À voz das multidões.



01/04/2008

Tomás de Oliveira Marques

Fotografia: José Pedro Barros

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7.4.08

Novidade 

Não é uma novidade em sentido estrito, mas é raro eu recomendar um blog sem reservas.
No caso do João Vasco Almeida, amigo, criativo, radialista, escritor, jornalista, editor, chefe de redacção e director, tenho sempre reservas em recomendar mais um blogue, creio que ele já criou e apagou uns duzentos. Neste caso o Ideia Perigosa parece que veio para ficar. O João Vasco está cheio de fúria criativa e, realmente, o Charlton Heston... Por outro lado, o João não escreve textos para informar o leitor que sabe ler! [nota para editores do jornal "O ...": esta última frase foi deixada propositadamente ambígua]

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Concerto de Carlos Mena e Lux Orphei 

Não esquecer o concerto de Carlos Mena na Academia das Ciências, dia 8 de Abril, Terça-feira, 21h, Academia das Ciências de Lisboa. Com a particularirade de ser Carlos Mena a dirigir e a cantar um programa aliciante onde consta o lindíssimo Stabat Mater de Sances. Recomendo este concerto vivamente.


Benedetto Ferrari. Ciaccona: «Voglio di vita uscir». Cantata spirituale: «Queste pungenti spine».
Bernardo Storace. «Aria sopra la Spagnoletta».
Giovanni Sances. Pianto della Madonna: «Stabat Mater».
Claudio Monteverdi. Ciaccona: «Voglio di vita uscir».
Alessandro Scarlatti. Cantata: «Fermate, omai fermate».
Antonio Cesti. Cantata: «Era la notte».
Giovanni Bononcini. Cantata: «Lasciami un sol momento».
Georg Friedrich Händel. Cantata: «Dolce pur d’amor l’affanno» .

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6.4.08

Surpresa 

Descubro com surpresa, agradável por sinal, que Isabel Coutinho tem um blogue. O meu prazer advém da descoberta da capacidade de Isabel Coutinho para escrever.
Dê uma saltada ao blogue para ver como começa... um blogue. São posts que não ultrapassam dez linhas, vá lá que não custa a ler. Um blogue ainda incipiente mas que se afirma claramente como um típico blog de jornalista do "O Público". Sabemos, suprema informação, que Francisco José Viegas sugere coisas à jornalista.
Descubro, ainda com maior prazer, que a jornalista também tem capacidade para ler, a acreditar no que a própria afirma, uma vez que neste post declara peremptoriamente que anda a ler o "Lavagante" de Cardoso Pires.
Não sabia que se podia "estar a ler" o Lavagante. Sobre Cardoso Pires apenas conheci dois estados: "vou ler" e "li", pelo meio perpassava apenas o sonho ou, talvez, o transe.
Cumprimento pois a jornalista do "O Público" pela afirmação pública de que sabe ler e até está a ler, precioso e raro, momento de íntima reflexão, confissão cúmplice com o leitor [explicação para editores do "O Público": eu sei que faltam os predicados no início das três orações precedentes, mas o que querem, gosto de dispensar a verborreia]. Precisamos de mais jornalistas assim.

Resumo do post acima ou tradução para editores do "O Público":
Descubro que Isabel Coutinho sabe escrever e com maior surpresa descubro que também sabe ler.

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Plágio sobre o sentido da crítica 

"Divirto-me sempre com a vaidade tola de tantos escritores e artistas contemporâneos, que parecem convencidos de que o papel primordial do crítico é falar das suas obras medíocres."

"Nunca leio um livro cuja crítica tenho de fazer, é tão fácil deixar-me influenciar."

Oscar Wilde


Angola 

Sugiro o visionamento deste documentário sobre Angola.


5.4.08

1908 - Olivier Messiaen 

Neste dia 5 de Abril de 2008 lembro-me sobretudo de Olivier Messiaen, nascido em Dezembro de 1908, grande criador, compositor notável, homem vertical, católico toda a vida, foi encarcerado num campo de concentração nazi, guardado por homens das SS, onde criou o genial "Quarteto para o fim dos tempos".


Acho que não há mais nada a dizer.

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4.4.08

Contos de Hoffmann - O refugo 

O S. Carlos, pago pelos impostos dos portugueses continua a ser o palco do refugo, mais uma produção falhada, agora nos contos de Hoffmann, dispenso-me de apontar a soma dos erros particulares, a coisa está a ficar tão evidente e se o tivesse de fazer este texto seria demasiado longo.

Percebi logo que a coisa iria correr mal quando vi um cantor, no início, a dar com a cabeça numa parede. Destaco os pontos mais salientes:

Uma direcção artística escandalosa, encenadores destrutivos, ignorantes e tecnicamente incapazes, cometendo erros grosseiros, como o de deixar mortos a levantarem-se e sairem do palco a correr porque as luzes não estiveram apagadas o tempo suficiente para deixar os zombies sair pela porta baixa.
Uma escolha do casting penosa, uma orquestra fraquíssima e um maestro pouco inteligente que não consegue perceber os limites dos músicos e cantores de que dispõe.
Uma coreografia sem inteligência e sem nada de novo.
Frases desgarradas de Fernando Pessoa que seriam melhor lidas pelo porta voz da conferência episcopal portuguesa.
Um coro aos berros e pouco certo.
Ficou-me na memória, pelas piores razões, um terceto no acto de Antonia absolutamente infernal.
Um baixo Duisburg que não consegue afinar do princípio ao fim e uma soprano, ... Guy, para o terceiro acto do qual nem o primeiro nome me consigo lembrar, foram penosos no capítulo canoro.

Uma sevilhana que chama do Além, de perna ao léu e má voz, a sua filha "esturbeculosa" Antonia foi o momento antológico... de ridículo, de kitsch e de incredulidade.
Pior ainda só a morte de Hoffmann no final, disparatada e ilógica, destruindo a indefinição do final; final que é afinal o mais belo dos elementos dramáticos da ópera de Offenbach, um final de verdadeiro pessimismo na sua interrogação suspensa. Um final assassinado barbaramente por um encenador que parece não entender nada daquilo...
figurinos que pareciam saídos da feira das pulgas ou de um armazém qualquer de aluguer de máscaras e sem qualquer desenho estético.
Luzes indiferentes.
Cenários de telão pintado, mal pintado...

Há limites para a pouca vergonha, o senhor Dammann já foi corrido pelos alemães de Colónia. Porque será que teremos nós de sofrer tamanho castigo? Fora!

E esta ópera não merece mais crítica, é que perder tempo com este lixo não faz sentido, e nem a voz da mezzo Stephanie Houtzeel (relativamente melhor) ou um tenor sofrível, Serghei Khomov, e alguns portugueses esforçados que, desgarrados, andavam por ali no meio do esbracejar global, salvam uma produção miserável. Ponto final.


Senhores da OPART será que não percebem que o senhor Dammann ainda não conseguiu produzir algo de aceitável em termos operáticos este ano? Será que não bastam estes testes, ou isto vai durar ainda os anos previstos do contrato?
Entretanto o ministro da cultura (o do nome trocado) e sua secretária fazem uma espécie de dupla muda e inconsequente. A sua única intervenção digna de registo foi ter dito: "fazer mais com menos".
É realmente muito menos, menos do que o que espera para um ministro que entrou em funções há demasiado tempo para tão nula acção.

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