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31.12.05

Pérolas do Português em Programas da Gulbenkian 

Não se assustem os responsáveis pelas habituais pérolas do português nos geralmente bem cuidados programas da Gulbenkian. Não é necessário ir a correr alterar os ficheiros pdf em que se descobriram erros... mesmo que isso já não consiga alterar a impressão da tipografia...
Desta feita no programa do próximo concerto de Hervé Niquet e do seu Concert Spirituel, um concerto a não perder a 9 de Janeiro, encontramos o palavrão espectaculosidade. Por muito estranho que possa parecer não se trata de um calo ou de uma anfratuosidade especulosa no distinto traseiro de Hervé Niquet ou de Jean Baptiste Lully (recuso o hífen em Jean Baptiste), ou mesmo de um problema de digestão de Luís XIV. Trata-se realmente de bom português. Espectaculosidade existe e está bem empregue e não é relativo a instrumento cirúrgico, é antes uma espectaculosidade espectaculosa.
Finalmente temos os programas da Gulbenkian a melhorar de qualidade literária.

25.12.05

Natal? 

O que é isso de Natal? Natal quer dizer nascimento mas será disso que estamos a falar?...


A Natividade por Paula Rego


24.12.05

O debate terrível que deu a derrota a Soares e afundou a esquerda 

O debate entre Soares e Cavaco foi terrível para Soares. A sua atitude arrogante de superioridade cultural, ofensiva e de torpe e soez insinuação que não concretizou: "eu sei o que diziam de si" ... "mas não vou dizer aqui". "O senhor não tem conversa", demonstra a feia ideia que Soares tem da sua superioridade cultural e desprezo por quem não teve a mesma formação. O discurso do "eu sou melhor" misturado com o rebaixamento insidioso do adversário coloca Cavaco numa superioridade moral indiscutível.
Outro aspecto interessante é que o povo português que se caracteriza pela expressão: "não sei, não quero saber e tenho raiva a quem sabe", que é talvez o maior exemplo do atraso português, identifica-se claramente com Cavaco. Cavaco o ofendido e humilhado pelo burguês rico e (supostamente) culto é o homem em quem o povo vota, é o homem com quem se cria empatia. Soares perde a imagem de pai bonacheirão ou de avô simpático e passa a imagem de velho arrogante e com a mania da superioridade. De pai da democracia (como ele gostaria de ser lembrado) passa a pai do clã Soares e agente do partido socialista contra Cavaco. Após isto as calamitosas declarações de um pobre velho esclerótico sobre o Ribeiro e Castro ainda descredibilizam mais o pobre Soares que não merecia isto. Soares tem história? Mas os esqueletos também têm e não concorrem a presidente. Penso que Soares não tem condições de lucidez mental para governar o país. Este debate convenceu-me de que Soares ainda é mais arrogante do que Cavaco. Ainda me lembro do bispo do Gil Blas...


Augusto M. Seabra e a ministra 

Augusto Seabra conseguiu o que sempre procurou durante toda a sua carreira de colunista, mais uma polémica, e uma exibição pública de vitimização (repare-se na história do termo de identidade e residência por causa desse "autocrata" Rui Rio, edição de 22 de Dezembro). Todo a sua prosa contorcida não invalida, no entanto, um facto fundamental: tem razão sobre a ministra da cultura.

Desde as observações tontas sobre a Casa da Música e o seu futuro director artístico até à indispensabilidade ou não de Burmester. A questão da escolha de uma mulher de um colega do governo (o da Economia) para funções de comissariado numa exposição, e diria eu a total inexistência do ministério da cultura, que apenas funciona para nomear gente do PS para os cargos disponíveis, a ministra da cultura tem primado pela esporádica presença em alguns actos públicos e pouco mais.
Seabra tem sido corajoso nos seus artigos e merece respeito por isso. Nunca apreciei muito a sua escrita, que detesto, ou as suas apreciações sobre música, sabe-se que não tenho a menor empatia pelo policrítico e tudólogo; por essas razões penso que tenho de registar aqui a minha simpatia, nesta questão, pelo colunista do "O Público". Diria que é mesmo um dever.
Em vez de atacar Seabra em artigos no jornal a ministra deverá ter a humildade democrática de explicar porque razão nomeou a mulher de um ministro para um cargo, com um currículo aparentemente vago que "parece" bom, entre muitas outras coisas... É o que lhe é exigido, se Seabra não tem razão e caluniou Lima, esta deve recorrer ao mecanismo da justiça para exigir a reposição da suposta verdade que alega. Recorrer à imprensa para ofender e dizer "baixeza de teor e falta de sentido ético" a propósito de Augusto Manuel Seabra é que é realmente de baixo teor e fica mal a Pires de Lima, quer como professora universitária quer como ministra paga pelo dinheiro dos contribuintes. Um ministro não pode descer a este nível.


22.12.05

Um blogue que se imaginava mas não se esperava 

Nomeadamente pela crónica falta de tempo do autor.
Falamos de Um americano em Lisboa. Um blogue de Carlos Amaral Dias.
Passou imediatamente a referência. De notar a atípica (relativamente à dita blogosfera "culta" mas de facto paupérrima de conteúdos) densidade dos posts, os comentários pensados e reflectidos e a extensão dos mesmos. Contrariando todas as regras da suposta, e no meu entender errada, forma de comunicação bloguísta, feita geralmente de breves enunciados, de apotegmas semi-crípticos e de bocas imbecis. Amaral Dias escreve a sério e com profundidade. A ler e reler. Mesmo que se discorde poderá (e deverá) ser um blog a fazer história.


17.12.05

Turandot de Lopes-Graça? 


Ao contrário do que se pensou durante décadas, a famosa ópera Turandot não foi composta por Puccini, mas sim pelo português Fernando Lopes-Graça! A descoberta, feita pelo jornal Público, vem revolucionar de forma irreversível o entendimento da estética do compositor. Estávamos todos convencidos que tínhamos um Bartók-português, quando afinal o que temos é um Puccini-português! Quem tiver dúvidas, pode olhar com atenção para a partitura na foto que ilustra o artigo publicado hoje no Público acerca da programação comemorativa do centenário do nascimento de Lopes-Graça...

Pérolas do Português em Programas da Gulbenkian 

Tradução do texto do Paulo de Mendelssohn ontem escutado na Fundação Gulbenkian:

Jerusalem! Die, du tötest die Propheten...

Jerusalém! Ti que matas os profetas...

Lembro o célebre poema:

Fui a Belas para ver belas!
Mas em Belas, belas não vi!
Porque a mais bela das belas
Entre as donzelas eras Ti!


Um bom quarteto amador 

O quarteto Filarmónico de Berlim esteve em Lisboa. Todos são chefes de estante da Filarmónica de Berlim.
Não se admite que um quarteto com estes pergaminhos e que ostenta as cores da Philarmoniker toque da forma ligeira como se apresentou. Desafinação constante do primeiro violino, pizzicatos todos ao calhas e saia como sair, sempre harpejados e nunca certos, articulações diferentes nos diversos instrumentos, tecido musical desconexo. Tocaram com prazer e deu-me prazer ouvir o concerto, os instrumentistas são bons, com destaque para o violoncelo. Mas uma coisa é tocar quase à primeira vista para um grupo de amigos num serão à noite, coisa em que este quarteto seria notável, e outra é fazer uma digressão com o nome da Berliner Philarmoniker por detrás em salas de concerto exigentes. E ainda por cima são de certeza capazes de fazer muito melhor com trabalho.
Este quarteto mais uma vez me leva a desconfiar de formações de orquestras que se juntam de vez em quando para fazer uma perninha na música de câmara. Nenhum dos grandes quartetos do mundo deixa de tocar repetidamente ao longo de anos e anos até atingir a perfeição de um Quarteto Italiano, de um Alban Berg ou de um Borodin.
Um concerto divertido pelo prazer da música e pelas obras notáveis mas muito deficiente do ponto de vista técnico. A Fundação Gulbenkian e o público de Lisboa merecia mais respeito e profissionalismo.


Kissin 

Crítica brevíssima ao recital de Kissin na Gulbenkian.

Assisti ao recital de Kissin, devo dizer que foi um Kissin debitador de notas na primeira parte, com Beethoven perfeito, exacto. Um touché impressinante e uma clareza magistais sem uma única falha, as duas mãos perfeitas e um pedal também perfeito. Irritou-me a segurança sobre humana de Kissin que me impediu de perceber a concepção das obras. Erro meu que admito sem problemas. Deixei-me irritar e perdi todo o sentido crítico ao observar o boneco inperturbável de Kissin a subir e descer a sua cabeleira sobre o piano. Devia ter fechado os olhos!

Na segunda parte tudo foi diferente, quatro scherzos de Chopin tocados por ordem cronológica mas em decrescendo de génio os dois primeiros são espantosos e os meus preferidos de longe de toda a obra de Chopin, os dois últimos são mais elaborados mas recorrem a tiques irritantes que são clichés em Chopin, são peças mais de artífice do que de artista: o acorde violento com a escalinha a seguir... Kissin tocou ao ataque, de forma poderosa e máscula, sem arrebiques e tiques nevrótivos. Um erro quase catastrófico no enunciar do tema do segundo scherzo arrebatou Kissin que ficou literalmente em estado de fúria romântica (pelo menos assim pareceu) e o acordou da letargia correcta, vertiginosa e debitadora de notas; Chopin assim dá gosto ouvir e outro ligeiro erro (três no total do concerto, dois nos scherzos e um nos extras), humanizaram radicalmente o recital. Kissin acabou em estado de arrebatamento e de esgotamento sem jogar à defesa e fez um recital que não foi limpo mas foi muito bom.
Recordo os extras: um estudo de um compositor russo de que não me recordo o nome, um estudo de Chopin e a célebre polaca que todos tocam mal e que Kissin tocou demasiadamente bem, mesmo com a nota esmagada no meio.


DIE ENTFÜHRUNG AUS DEM SERAIL 

Notas de audição da estreia do Rapto do Serralho de Mozart em Lisboa.

Julia Jones conseguiu conduzir com dinamismo e de forma muito viva todo o tecido musical mozartiano. Dinâmica expressiva, agógica viva, acentuação precisa, ênfase e cor. Entradas exactas, atenção, precisão e rigor. Faltou um pouco de produção sonora (mais por culpa do coro e orquestra) e do golpe de génio da subversão, mas mais vale fazer bem feito com convicção do que subverter gratuitamente acabando na destruição.
A OSP esteve bem, no terço presente no fosso, afinados q.b., exactos q.b., vivos e precisos, interessante a abertura, resposta muito clara às solicitações de Jones. Um bom trabalho, peca apenas a produção sonora. Um som pouco denso (nos pianos e nos fortes) e feio é o apanágio das cordas agudas da OSP. A rever urgentemente este aspecto de debilidade crónica da orquestra. Bons sopros e percussão.
O coro esteve razoável, afinadinho e correcto. Infelizmente as vozes femininas assemelham-se ao tipo de emissão dos coros dos ranchos folcóricos, tipo lavadeiras de Caneças, esganiçado, destimbrado, agreste. É preciso trabalhar mais este aspecto da beleza sonora e corpo do coro. Notou-se também alguma falta de poder sonoro no final, talvez por o coro estar em versão reduzida...

Konstanze: Iride Martinez, soprano, entrou fria, destimbrada, desafinada, agreste. Sem corpo harmónico. Foi crescendo e melhorando o timbre, a interpretação foi algo tacteante, ária lenta do segundo acto muito bem. A Ária de bravura no segundo acto foi muito aplaudida, no entanto cortou frases por dificuldades de coordenação da respiração, mostrou um buraco entre registos onde deixava de ter voz, e atrapalhou-se numa das entradas em que se atrasou da orquestra, mas o público do S. Carlos anda generoso nas estreias. O acto final correu bastante bem.

Belmonte: Bruce Ford. Gostei muito do requinte e da pujança de Bruce Ford. Sempre correcto com um timbre bonito, interpretando Mozart com elegância e mostrando uma belíssima voz nos médios. Pode-se dizer que foi dos pontos altos desta récita e desta produção.

Blonde: Whal Ran Seo. Muito engraçada, boa actriz, voz modulada para diversos timbres que escolheu a seu belo prazer, desde o irritante timbre de criadita (à lavadeira de Caneças), modificando-o depois mostrando uma cor e uma variedade insuspeita. Esteve melhor do que Iride Martinez e foi uma bela surpresa.

Osmin: Bjarni Thor Kristinsson. O criado de Selim mostrou-se um belo actor, e mostrou também uma boa voz de baixo cantante ao qual falta apenas mais densidade nos baixos profundos onde o volume e mesmo afinação colapsam, creio que nas notas mais graves estava sempre alto. Bom sentido de humor como actor e musicalmente, as suas árias foram sempre exemplos de divertimento vocal e visual.

Pedrillo: Mário João Alves. Em bom nível, esteve muito bem na sua ária e como actor. Bem preparado em termos de estudo do papel, voz bonita e bem colocada. Em face dos volumes sonoros de Kristinsson e de Ford ficou a perder no terceto com estes em que quase se deixava de ouvir (nos momentos de conjunto a sua voz apagava-se sempre um pouco) . No entanto a sua voz é assim, e não se exige mais a um tenor no papel de Pedrillo. O que lhe falta em volume encontra-se noutras qualidades. Foi muito justamente ovacionado na sua ária e no final.

O criado mudo do mimo Marco Merlini foi extraordinário, sentido de humor e expressividade, gestualidade convincente.

O alemão doce de Selim, Karl-Heinz Macek, originário de Bolzano, no Tirol, e uma voz muito bem trabalhada fizeram deste um dos trunfos de um papel que embora não cantado é decisivo para uma boa produção. Foi empolgado, foi raivoso, foi clemente, apenas com inflexões da voz. Um actor de grande plano e uma dicção perfeita. Um alemão longe da pronúncia do norte da Alemanha mas de uma correcção extrema e de uma grande beleza sonora e plástica. Impressionou-me sobretudo pela sua belíssima voz.

Nota sobre luzes: creio que as luzes posteriores criando o efeito de silhueta deveriam ter sido mais intensas, mesmo quando não era suposto conseguia-se distinguir perfeitamente a expressão dos cantores. Teria sido mais radical iluminar mais fortemente os cantores por detrás.
Reposição da encenação de Mattia Testi, que esteve tecnicamente muito bem nas marcações. Figurinos e cenografia do Teatro Alla Scala e da autoria de Luciano Damiani, exactos para a encenação.

Uma produção boa e muito equilibrada. O S. Carlos está de parabéns.

Tempestividade de um rapto em Lisboa e a "elite" da ópera 

Com uma encenação mítica de Giorgio Strehler, falecido em 1997 como garante imediato de uma qualidade indiscutível já demonstrada ao longo de três décadas, e como está actual esta encenação, o Rapto do Serralho de Mozart no S. Carlos precisava de cuidar intrinsecamente dos aspectos musicais.
Um naipe de cantores de nível médio alto foi contratado. Uma maestrina, Julia Jones, substituiu o anquilosado (musicalmente) antigo director musical, Peskó, em boa hora. Será que Peskó já não é titular honorário? Parece que o título de titular honorário é uma titulação efémera e titubeante...
A Orquestra Sinfónica Portuguesa reduzida a um efectivo mínimo para Mozart e o coro do Teatro asseguravam o suporte musical.

Nota prévia a propósito de uma discussão sobre a questão da tempestividade e oportunidade do Rapto no Teatro Nacional de Ópera.

A ópera não é das obras que mais prefiro em Mozart, quando temos uma Flauta Mágica também em alemão ou umas Bodas de Fígaro (em italiano) e olhamos para a música do Rapto compreendemos o desnível. No entanto a música de Mozart é quase sempre genial e o Rapto não é excepção. A obra teatral é fraquinha, tendo por base um texto moralista e positivo, toda a trama serve apenas para nos apresentar o final surpreendente numa sucessão de eventos mais ou menos divertidos. Esta ópera foi feita obviamente para divertimento (e não foram quase todas?), para de forma bem disposta e alegre fazer rir o público.
O Rapto não será a melhor ópera do mundo, mas está no melhor possível no seu género simples (ou nem tanto assim, existem mensagens bem longe de triviais no texto e na música). Não entender o lado puramente hedonístico é não entender este Mozart, bem longe do D. Giovanni, que no entanto encarna também muitos dos elementos do Rapto como o aspecto moralista da cena final metida um pouco a martelo em cima da versão original de Praga e as peripécias divertidas ao longo de toda a trama. Evidentemente suportadas por uma qualidade literária muito superior...
Pode-se questionar este tipo de ópera num Teatro Nacional? É obvio que não, o Rapto é da melhor música de todos os tempos, apesar de Mozart ter feito muito melhor posteriormente. O libreto é divertido e diverte? Evidentemente, é assim a ópera do tempo, a ópera era um espectáculo popular e fundamental no equilíbrio social da cidade e do mundo barroco e do iluminismo. E por ser feita para divertir deve ser rejeitada? O Rapto do Serralho? Ainda por cima com uma encenação que realça o mundo maravilhoso, que nos aumenta a perspectiva recriando uma atmosfera da época sem ser anacrónica. Dispensáveis as buchas em português nos diálogos? Creio que até neste ponto se pode desculpar a reposição da encenação, a ópera era em alemão para público que falava alemão e para divertir esse público, para ser acessível, as buchas em português cumprem muito bem esse papel e reportam-nos, sem artificialismo, mas pela veia dionisíaca, natural, ao acesso e recepção como no tempo de Mozart.
A ópera nunca se pagou, como disse Pinamonti numa entrevista que me deu recentemente. O Teatro Nacional de Ópera é um serviço público e um repositório de competência que extravasa o Teatro e entra na sociedade. Se o meu leitor reparar bem pode verificar quantos, artistas, músicos e cantores do S. Carlos aparecem em multiplas e variadas actividades no exterior do Teatro. Produzindo música barroca, de câmara, contemporânea, espectáculos operáticos, entrando em projectos educativos, cedendo reforços à Gulbenkian (!), dando aulas nas mais diversas instituições, aparecendo na televisão em programas mais ligeiros (e aqui começo a torcer o nariz...) mas intervindo sempre. Directores de cena, cenógrafos, técnicos dos mais variados tipos têm sido formados na escola da ópera nacional e muito mais poderia ser feito.
Sobre o público uma única nota. O público é mau? Por acaso é fraquinho, como em todo o mundo, mas é o espelho da elite e da sociedade que temos, uma elite que enche os mil lugares do teatro em cinco récitas, cerca de 5000 pessoas. Admitindo que a ópera não devia ser subsidiada como sempre foi, algum desse público terá dinheiro para pagar a ópera ao seu justo valor, mas os jovens que já pagam o bilhete com esforço, pessoas que trabalham a dar 700€ por bilhetes de ópera? Significava apenas o fim da ópera em Portugal, quem tem dinheiro e gosta de ópera vai ao estrangeiro onde paga quase o mesmo (onde a ópera é subsidiada a sério) e não fica aqui a escutar a OSP, o coro do S. Carlos e os cantores medianos que cá passam. O dinheiro gasto é apenas uma fracção do que o Estado perde com o futebol todos os anos em fuga ao fisco, em dinheiros para federações ou em eventos megalómanos num país pobre. Pensar que há 5000 endinheirados para ver o Rapto do Serralho em Portugal? É para rir, os mais ricos na sociedade portuguesa não vão ao S. Carlos, não vão a lado nenhum na sua esmagadora maioria. Se fossem talvez houvesse mais mecenas. Quem vai à ópera é a classe média. Acabar com a ópera em Portugal? Porque o Rapto do Serralho é divertido? Já bastou a inquisição e a PIDE, Portugal é um país onde é proibido rir ainda hoje e continua a ter medo de existir... Entre os cinquenta mil que vão à bola e os cinco mil que vão ao S. Carlos prefiro os últimos, apesar das tosses e das palmas a despropósito, mesmo com falta de sentido crítico e o cheiro a naftalina no intervalo. Chamem-me elitista, claro que sou, mal de um país sem elites. Se eu gostava de ter os da bola nos concertos e na ópera? Claro que sim. Uma elite verdadeira não se faz sem o livre acesso de quem quiser a essa mesma elite, sem exclusões. Na minha elite está o sem-abrigo que escuta Bach num velho rádio na entrada do Metropolitano ou o taxista que faz os seus CD's com música clássica e depois escuta no táxi (ouvidos por mim).
Ver Strehler hoje? Quarenta anos depois da encenação original podemos revê-la em Lisboa. É caso para dizer que peca apenas por tardia esta reposição, a qualidade não tem idade.


14.12.05

Omar Khayyam 

O pai da nossa amiga Clara Cabral partiu há escassos dias.
É nestas horas que recordo os momentos em que encerrados, eu e a Clara com o André por detrás do vidro, no estúdio da rádio LUNA106.2 a Clara nos trazia os mais belos poemas e os lia sobre música escolhida por mim. Recordo em particular os poemas de Omar Khayyam, poeta (também matemático e filósofo) persa do século XI que a Clara revelou com a sua voz sensível reflexo de uma alma complexa e de uma inteligência sensível numa reinterpretação de sentimentos adormecidos em livros mas reencarnados em cada vocábulo. Não posso deixar de relembrar através do próprio som toda a força e emoção da Clara, força que ela reuniu para atravessar a tragédia da existência, de forma aparentemente plácida e serena.

Escutar Clara Cabral Boeder na rádio Luna recitando poesia numa sexta feira à tarde.


Íntima Fracção 

A escutar o último programa Íntima Fracção (que também é um blogue).



A independência de Alegre 

Todos os outros candidatos acusam Alegre de não ser apartidário. Curiosamente acusam Alegre de este não ter apoio do PS apesar da sua vontade. Quem não quereria ter o apoio de uma máquina como a do partido socialista? Alegam os adversários de Alegre, e Alegre concorda, realmente seria melhor ter o apoio do PS.
O problema não é esse, Alegre é independente precisamente pelas razões que fizeram com que o PS não o apoiasse: Alegre é indomável, Alegre é um espírito independente. Nas últimas eleições internas disputou a liderança com Sócrates.
Pensa pela própria cabeça e nunca obedecerá aos ditames vindos do largo do Rato nem fará fretes ao aparelho. Teria o apoio do PS se este lho quisesse dar. Avançou apesar de não ter esse apoio porque é um independente. Já o mostou antes, de forma aliás deplorável no caso da co-incineração, em todas as posições que tomou contra o próprio PS.
Considero Alegre como o mais independente dos candidatos. Isto não quer dizer que é o melhor, isto não quer dizer que vote no poeta. As tiradas sem raciocínio profundo e maduro e um grande desconhecimento da história recente de Portugal e mesmo a impreparação para o cargo evidenciada nestes dias de campanha mostram que Alegre é um homem do regime, pouco estudioso dos problemas e desconhecedor dos assuntos. Nenhum dos outros candidatos está muito melhor preparado do que Alegre e alguns têm mesmo defeitos piores. Mas não ser Alegre independente é uma afirmação disparatada e desconexa do currículo do poeta.


11.12.05

Grandes reformas no início do terceiro milénio feitas pelos políticos portugueses 

Quem diz que não há grandes reformas e contributos para o desenvolvimento em Portugal? Ou será que se esquecem de uma grande reforma do início do terceiro milénio, feita pelos ilustres políticos portugueses, e que ficará para a história: o fim do brinde e da fava no bolo rei!


9.12.05

O benefício dos erros da trompa 

Na passada sexta feira pude escutar um concerto por Eiji Oue, maestro japonês, e por Christian Tetzlaff em violino.
Sexta, 2 Dez 2005, 19:00 - Grande Auditório

Wolfgang Amadeus Mozart, Abertura da ópera Le nozze di Figaro.
Johannes Brahms, Concerto para Violino, em Ré Maior, op.77.
Dimitri Chostakovitch, Sinfonia Nº 5, em Ré menor, op.47.

O concerto iniciou-se por uma deliciosa abertura de Mozart que Oue dirigiu de forma divertida e histriónica, e sempre sem partitura, felizmente o excesso de géstica não se traduziu em menor resposta por parte da orquestra, a orquestea Gulbenkian esteve coesa e ligeira, com acentuação viva e propulsiva e sonoridade bonita. Mozart não será o forte da orquestra mas mesmo assim foi bom de escutar.
Seguiu-se um magnífico concerto de Brahms para violino e orquestra por um jovem alemão, Tetzlaff, substituto de Zimmermann, que surpreendeu por uma qualidade sonora e artística notáveis. A sua presença em palco, a sua força e domínio do instrumento, sempre sonoro e vibrante, a sua capacidade técnica, sempre algo rude mas muito sólida, o seu vibrato expressivo, denso e consistente sem ser intrusivo ou irritante, a sua construção das frases e a sua segurança na técnica e nos tempos dominaram um concerto complexo, melancólico e viril. Tetzlaff foi brilhante na atmosfera deste concerto que é uma das traves mestras do repertório. A orquestra esteve incisiva, consistente, com uma sonoridade muito bela nas cordas, e sabe-se como Brahms pode ser complexo em termos de produção sonora. Apenas os sopros erraram dramaticamente na entrada do segundo andamento com um estertor horrível na nota de entrada, que deveria ser sublime na sua calma melancólica e que saiu totalmente ao lado, infelizmente não me apercebi do instrumento que deu a nota errada mas naquele preciso momento foi uma catástrofe que poderia ter arruinado todo o andamento. Entretanto entradas esborrachadas nas trompas no primeiro andamento e erros graves do primeiro trompa no segundo andamento e no terceiro iam tentando destruir o trabalho magnífico de toda a orquestra.
Na sinfonia de Chostakovitch, uma obra notável de per se, a orquestra e maestro entraram em total sintonia num dos momentos mais elevados a que pudemos escutar na Fundação desde sempre, nunca tinha escutado esta orquestra a este nível, simplesmente brilhante. Quase todos os naipes perfeitos, incisivos, coesos. Tempestividade das entradas, solos perfeitos. O fraseado escolhido por Oue de uma musicalidade arrepiante, o carácter sombrio dos andamentos lentos fortemente contrastado pelo tom sarcástico dos andamentos rápidos, a força e fúria do último andamento, sempre sem exageros sonoros e em grande equilíbrio fizeram da escuta desta sinfonia um momento mágico. Oue domina Chostakovich de forma notável, conhece os seus tempos, os seus humores, as suas dúvidas e incertezas. As reflexões do mestre russo, as autocríticas, os problemas psicológicos, o sofrimento e a angústia, a fúria, o cepticismo. Tudo isso transmitido pela batuta segura e pela memória notável de Oue que não olhou para uma partitura durante todo o concerto. Magnífico.
Uma palavra para o primeiro trompa. Apenas o tal trompa (pouco) mágico tentou destoar quando desmanchou uma passagem muito bela (e aguda) num solo com a flauta e continuou com notas erradas, esborrachadas e entradas fora de tempo, diga-se que tocou com bumper ao lado. Felizmente existe sempre um trompa num mau dia para nos lembrar os limites humanos. Mas é exasperante nunca se saber se naquele solo mais difícil com notas mais agudas o tal trompa não vai arruinar mais uma passagem decisiva, e assim é! Quase sempre que existe um momento mais delicado lá está o trompa a dar cabo de tudo com a sua presença arrogante e angustiante para nós. A segurança já não está no facto de se saber se o trompa vai tocar bem numa passagem complexa ou numa entrada delicada, a segurança está no facto de se saber que em geral corre mal. Se olhar para este blogue e procurar concertos na Gulbenkian é rara crítica em que a trompa não é mencionada pelas piores razões. Quando por acaso corre bem é a sensação, a alegria, cada vez mais rara diga-se de passagem. Urge fazer algo com respeito ao tal trompa...
Se esquecermos o tal trompa tivemos concerto para 18 valores de nota técnica e 19 de nota artística.

É um pouco ridículo dizer como lema do concerto: "Classicismo, romantismo e contemporaneidade." Porque será que uma sinfonia escrita em 1937, e com linguagem claramente tonal, é catalogada na "contemporaneidade"?

Como é possível? 

É extraordinário como em duas semanas assisti pela mesma formação a um concerto magnífico de musicalidade e de força, de carisma e de segurança musical (com alguns defeitos é certo) e como ontem assisti à maior seca e à interpretação mais abominável de uma sinfonia a que assisti em muito tempo, além de um concerto para piano que só a muito custo passa de um aglomerado de notas, sem grande interesse musical. Refiro-me bem entendido à orquestra Gulbenkian e aos dois concertos habituais de quinta e sexta. Na semana passada com Eiji Oue, um japonês e grande maestro e ontem por:

Leonard Slatkin apresentado como maestro, mas deve ser mentira, parece que aprece nos proms, mas deve ser um sósia.
Michel Camilo, marterizador de pianos.
O programa consistia em:
Johannes Brahms, Abertura Académica, op.80.
Michel Camilo, Concerto para Piano e Orquestra.
Antonín Dvorák, Sinfonia Nº 6, em Ré Maior, op.60

Deixo o melhor para o fim, escreverei outro post sobre o assunto, de modo que abordo já o abominável concerto de ontem. Primeiro uma empastelada e monótona abertura académica de Brahms, entradas erradas esborrachadas, acentuações vagas, em vez das belas melodias bem enfatizadas de Brahms escutámos um nhâ nhâ nhâ inenarrável. Mal ensaiado, mal dirigido, insuportável.
Seguiu-se um pseudo concerto para piano e orquestra de Camilo, tendo como solista o próprio, himself. Uma banalidade total, linguagem ultrapassada, barulho infernal, tónica e dominante? Dominante e tónica? Uns acordes de sétima à la Jazz e muita barafunda de notas no piano com escalas e harpejos em todos os momentos possíveis e imagináveis. Tentei dormir no andamento intermédio, a única coisa útil que se poderia fazer, mas nem isso consegui, um toque de telemóvel que tocava insistentemente melhorou bastante a obra numa passagem mais delicodoce mas acordou-me. Que maçada. O público muito atento e sem muitas tosses e rebuçados adorou, vitoriou e obrigou o toureiro dominicano a mais uns passes de faena com umas habilidades ruidosas e barulhentas como extra. Deplorável, orquestra dentro da medida do concerto, vaga, imprecisa e fora da linguagem do mesmo. Camilo para esquecer, volta hoje à tarde à Fundação.
Veio a sinfonia de Dvorjak, a desgraça aumentou o que parecia impossível, som feio, pouco coeso e entradas incrivelmente desunidas, o final do primeiro andamento um descalabro total com os sopros nos três acordes suaves que precedem o final do andamento a entrarem em horrendas cascatas desfasadas. Diga-se que a interpretação do maestro foi totalmente desinspirada, desinteressante, banal e sem a menor musicalidade. A orquestra esteve francamente mal. Fiz algo que raramente faço, não aguentei a tortura e saí a meio do Dvorjak. Ficar naquela sala seria insuportável, uma espécie de sequestro musical. Uma espécie de leitura à primeira vista piorada por músicos e maestro nos ensaios. Uma sinfonia para encher o programa e para despachar? Um concerto muito mau, diria mesmo: um dos piores de todos os tempos a que assisti na Gulbenkian, muito abaixo dos piores momentos de Claudio Scimone...
Orquestra ainda por cima composta em termos de orgânico: 6 contrabaixos e 8 violoncelos, algo raro na Gulbenkian. A concertino o regressado Rowlands que manifestamente é mau para o lugar, outro concertino teria assumido o trabalho que o maestro foi incapaz de realizar, sonoridade dos violinos foi pouco coesa, desgrenhada, feia, pouca segurança e musicalidade geral fraca.

Concerto para 6 valores de nota técnica e 2 valores de nota artística.

Parlamentarismo português face a presidencialismo francês 

Lenine falou do assunto, nos parlamentos tende a instituir-se a chamada cretinice parlamentar. Os deputados, quase sempre os mesmos, e quase sempre ao serviço das mesmas causas, interesses, lobbies, convivendo diariamente com seres tão ou mais medíocres do que eles, acabam por se estupidificar, funcionam em circuito fechado. Se juntarmos a isto as motivações que levam as pessoas a dedicarem-se à política, acabando por depender exclusivamente da mesma, motivações raramente ligadas ao desejo de servir os outros e muito associadas a desejos pessoais de poder e de riqueza fácil de quem não tem outros horizontes e não sabe, em geral, fazer mais nada, percebemos que os parlamentos em vez de emanações do povo e seus espelhos, são na realidade muito piores do que os países e tendem a servir os seus membros e as suas clientelas. Funcionam distantes da realidade em discussões mesquinhas, em espirais cada vez mais fechadas sobre os umbigos dos actores uma vez que de cérebros estamos conversados. Se as sociedades estão em crise os parlamentos estarão sempre pior do que as sociedades. Dos parlamentos saem os governos que padecem do mesmo mal, governando dependentes de grupos e de interesses e nunca em função de desígnios estratégicos e do bem estar dos cidadãos. O regime parlamentar quando se arrasta é uma espécie de cancro da democracia.
Em Portugal tentou-se moderar este regime nefasto, no pós 25 de Abril, com a figura do presidente da república do qual o governo dependeria politicamente. Com a revisão constitucional em que se retiraram poderes ao presidente este deixou de poder motivar coligações de governo, deixou de poder demitir o primeiro ministro se este lhe fosse desleal politicamente. Apenas em caso de crise das instituições o pode fazer. O governo depende apenas institucionalmente do PR. É evidente que a partidocracia que vigorava (e vigora) em Portugal, e que se deveria chamar lobicracia, pretendeu demolir os poderes presidenciais para melhor servir as suas clientelas e o seus interesses.
Um presidente está, por definição, longe da cretinice parlamentar. Um presidente mesmo que seja oriundo da maçonaria é a figura visível do Estado e responde perante todos. Mesmo que o Presidente seja uma nulidade, como o actual, terá sempre de justificar as suas acções perante a história ao contrário de centenas de deputados inúteis e anónimos que vegetam entre imbecilidade parlamentar e os interesses partidários, entre os interesses pessoais e as suas clientelas. Sempre à mesa do orçamento, sempre à procura de prebendas. Os lugares em conselhos de administração são, em geral, paga agradável por favores concedidos ou a conceder e quase nunca reconhecimento pelas invulgares capacidades intelectuais dos senhores deputados. Alguém me explica, por exemplo, o lugar de administrador de Marques Mendes na EFACEC? Ou como se pode admitir que Armando Vara seja administrador da CGD? Ou o outro nos petróleos e energias? E nas águas? E nas empresas de distribuição? E nas construtoras? Associado ao regime parlamentar está o sistema de financiamento dos partidos que, em quase todos os países do género, é também inquinado e mafioso.
Vem Vital Moreira no seu blogue, sugerir que a França poderia ir pelo caminho para lamentar do parlamentarismo. Um conselho de Maquiavel? É que a França cresce, tem uma segurança social socialista e saúde orçamental de aço.
Portugal com o seu sistema corrupto, herdeiro directo do sistema monárquico liberal (rotatividade dos partidos regenerador e progressista) e do sistema de Afonso Costa pós 1910, esse facínora que apelou no parlamento português e directamente ao assassinato do rei D. Carlos (1906), e cujas maquinações levaram Portugal para os braços musculados mas tacanhos e provincianos de Salazar. Portugal continua à mercê de gente beata e mesquinha e da gente oportunista que enche maçonarias e outras seitas, é ver Bagão Félix e Francisco Louçã, cada um moralista à sua maneira e com visão estreita por igual e, por outro lado, Sócrates e Soares, impreparados e pouco dados a manter a palavra dada sempre fieis aos seus grupos de origem, sempre atentos às suas clientelas. Portugal oscila sem elites entre os dois pontos no fundo do abismo. O pântano parlamentar que tem destruído este país contando com a colaboração activa do seu povo analfabeto, egoísta e embrutecido por centenas de anos de governação inapta. A matriz beata e a matriz do "dá cá o meu". A única ruptura possível, no meu entender, é um sistema político que dê poderes efectivos a um líder verdadeiro que sobressaia da turba dos partidos e da massa parlamentar. Eleito por sufrágio universal e directo por um tempo limitado, evidentemente, mas capaz de escapar à lógica dos interesses e das ganâncias, um presidente com poder e capaz de inscrição ao contrário da lama parlamentar que é incapaz de reformas e de inscrição, mergulhada como está na sua cretinice interesseira. Enterrados no lodo parlamentar bem poderemos continuar a crescer zero ou a decrescer.
Uma espécie de cesarismo democrático a que o país tem aspirado desde o pobre Sebastião ou o poderoso Marquês (Marquês! Marquês! Vem cá baixo outra vez!) e que encarnou pelo tempo de uma faísca em Sidónio, perdido Sidónio sobraram as mariolatrias da triste Fátima, do triste fado e do triste futebol. Um Sidónio do sufrágio universal e directo e com o poder de dissolver o parlamento; ou um ditador como lhe chamaram!? E a ditadura do partido democrático?
Um breve cintilar de esperança para Portugal morto por José Júlio Costa primeiro e por Gomes da Costa oito anos depois. Triste sina esta a dos Costas...

Explique-me Vital Moreira o mal do presidencialismo francês em face do parlamentarismo português.

8.12.05

Comentários 

O blogue Bichos Carpinteiros acabou com os comentários.
Não sou hipócrita, aplaudo vivamente a decisão, quem quer comentar que abra um blogue ou mande um email privado.
Os comentários ao Blogue referido eram rasteiros, abri duas caixas de comentários e serviu-me de amostra, eram vis e caluniosos. Todos os comentários em blogues estão condenados a esta situação, apesar da mediocridade de escribas como Joana Amaral Dias, por exemplo, ou de textos medianos de Medeiros Ferreira, que não utiliza o blogue como mecanismo para uma escrita profunda e erudita, mas como escape de opiniões avulsas escritas em linguagem informal, poupando-se a reflexões mais elaboradas para a imprensa, o que desvaloriza de certa forma a blogosfera, pelo menos na sua perspectiva. Dizia eu que apesar da mediania dos textos os comentários serão sempre redutores e menos pensados, quando sérios, e na maioria baixos e vis; aliás de acordo com o padrão cultural e ético da população portuguesa.
Acabar com comentários não é nenhum acto de censura, é um acto de inteligência.
Por esses motivos dispenso os comentários aqui desde que abri o blog. Não preciso de cagadelas de moscas nos meus textos.


O que deve ser um blogue? 

Deverá um blogue ter orientações estratégicas? Uma linha editorial? Deve ser uma estrada para o sucesso? Posts curtos? Longos? Reflexões metafísicas ou banalidades curtas e engraçadas? Deve ser anónimo ou assinado?
A minha resposta é simples, conheço bem os blogues, acompanhei a sua fundação em massa em Portugal, fazendo pesquisas em 2003 sobre assuntos que se discutiam na imprensa dei com blogues que discutiam a guerra no Iraque, encontrei o blogue do Pacheco Pereira antes de ele assumir que o JPP era mesmo ele, esperei um pouco, hesitei, tinha dois programas de rádio e assistia a muitas dezenas de concertos por ano e recebia centenas de CDs. Na rádio Luna 106.2 fazia um pouco de crítica musical em que explicava minimamente as minhas convicções e explicitava as minhas análises. No entanto privilegiava os grandes acontecimentos, os bons concertos. E todo o lixo que me era dado presenciar? Lia críticas nos jornais de críticos consagrados que sistematicamente passavam esponjas por cima de actuações miseráveis e fraudulentas de artistas que se especializaram a enganar o público, músicos que não estudam, que não ensaiam e que chegam aos concertos e recebem cachets chorudos e vigarizam literalmente quem paga o bilhete e quem produz o concerto. Lia comentários fracos por papas da crítica sem formação musical, algumas vezes corajosos, muitas vezes maldosos, crítica sem objectividade mas com programa. Resolvi abrir um blogue, contar as minhas experiências, dar a minha sincera opinião, guiada sempre pelo princípio máximo da honestidade. Atendendo a que na Rádio Luna a minha voz no momento de abertura do blog era quase única, não quis estar a conotar a imagem da rádio com as minhas opiniões pessoais e não publiquei o meu nome no blogue. No entanto organizei um encontro informal de blogues na Sociedade de Geografia onde apareci com a minha cara e o meu nome, qualquer curioso poderia ter somado dois mais dois uma vez que anunciei neste blogue que o autor era um dos organizadores! Anunciei que o meu nome seria publicado aqui no dia em que a minha colaboração com a Rádio Luna terminasse. Aconteceu quando a Media Capital tomou posse da frequência. Não cultivei o anonimato enquanto tal, em todos os encontros de blogueiros declinei o meu nome e o meu blogue. Entretanto tive aqui amigos a escrever, convidados, alguns anónimos que entretanto foram convidados a deixar de escrever devido à violência verbal de alguns textos. Notório foi o célebre caso do cognome "hipopótamo" aplicado a um clarinetista português, texto que chegou a ser estudado em escolas superiores de música. Por muito divertido que fosse o texto, por muito verdadeiro que fosse, e existem vacas sagradas que nunca foram expostas, o facto de ser anónimo e muito agressivo levou-me a tomar a opção de acabar com textos anónimos aqui de vez. Se algum amigo quiser escrever aqui terá sempre de utilizar o seu verdadeiro nome.
A Clara Cabral saída do blogue "Desejo Casar" continuou a escrever aqui durante alguns meses após o final do seu blog original. Entretanto casou com um nobre alemão que vive em Londres e está feliz, continua os seus estudos em literatura comparada (doutoramento) e não tem tempo para escrever, é uma pena porque a sua escrita era das melhores que passaram pelo Desejo Casar, muito superior a alguns dos seus membros que se notabilizaram e nunca uma revista ou um jornal lhe pegou na escrita e lhe deu uma crónica semanal que tanto merecia ao passo que outros e outras singraram por esse caminho. Continua na coluna da direita.
Um grande amigo meu Marcos Teotónio Pereira, disse sempre que gostava de escrever neste blogue, até para expor as suas ideias políticas muito pessoais que não se enquadram totalmente nas opções políticas do seu partido de sempre, o PP, no entanto creio que nunca escreveu um texto, que me lembre, mas continua na coluna da direita...
Tenho sido o principal animador deste blog que está a caminho das 200.000 visitas. Não é um número elevado para quem abriu portas há mais de dois anos, Nunca me preocupei com a natureza dos posts, nem com os números de visitantes, escrevi yrcypd grandes e pequenos. Critiquei críticos e deixei de o fazer, fiz crítica musical, social e política. Escrevi poesia e textos de viagens. Iniciei projectos que nunca acabei: negação de uma voz por parte em Bach, comparação crítica das várias interpretações das leçons de ténèbres de Charpentier e Couperin. Publiquei bocas. Escrevi textos enormes e textos curtíssimos. Houve alturas em que escrevi muitos posts, longos e curtos, e períodos em que escrevi pouquíssimo. Um dos meus lemas será "poca sed matura" que às vezes não tomo muito a sério quando acabo em longuíssimos e prolixíssimos testamentos. Utilizei liberalmente imagens, em tempos, e hoje ando com preguiça para as colocar. Escrevi como jornalista, fiz reportagem, coloquei entrevistas com o som online, escrevi textos pessoais, como este. O que é facto é que fiz sempre o que me apeteceu, já me apeteceu acabar com o blogue, deixando de escrever pura e simplesmente. O facto de ter uma coluna na FOCUS deu-me um espaço público, que deveria ser semanal mas nem sempre há espaço ou tempo para a escrever, e estive tentado a acabar com o blogue no momento em que comecei a escrever na revista. Mas há sempre algo a dizer mesmo depois de um período de acalmia. Depois da fúria inicial e depois da saturação posterior o blogue começou a ser natural, calmamente natural.
Não sei o que é um blogue, em suma, não sei qual é o formato, escrevo ao sabor do vento e nunca sei se um texto vai ser curto ou se arrasta, como este. Queria abordar a questão dos comentários aqui, mas já desisti, e vou acabar por escrever um novo post sobre o assunto. Apenas uma coisa, tendo 190.000 visitas neste espaço de tempo, e escrevendo pouco como escrevo, penso que terei uma taxa de leitura bem mais profunda do que os blogues que têm mais de um milhão de leitores, geralmente com mais de 5 colaboradores e com uma intensidade de escrita de 30 a 40 posts por dia. Raramente escrevo mais de quatro ou cinco posts por semana... Ao contrário do que esperava este blogue pegou e tornou-se lido, o que era para ser apenas um diário das minhas reflexões sobre poesia, concertos e sobre o mundo em geral, lido por meia dúzia de amigos, acabou por me ultrapassar, o que aliás me irrita um pouco. Ser questionado por aquilo que escrevo nos locais públicos surpreende-me, eu que aqui estou em pijama, à Cesariny (!), barba por fazer e banho por tomar (sempre à Cesariny), no escritório de minha casa, enquanto todos ainda dormem a escrever este texto não penso no alcance público do que escrevo, mas ele existe e isso tem alterado de certa forma o que vou dizendo, uma interacção impossível de evitar...

Conclusão: não sei o que deve ser um blogue mas sei que me recompensa dizer o que se pensa.


Medeiros Ferreira 

Devo dizer que aprecio verdadeiramente Medeiros Ferreira, por isso me dei ao trabalho de criticar a sua opção de se ter tornado comentador de futebol na Antena 1. Está no seu direito mo entanto, e tendo escutado a sua última aparição nesta rádio considero que a sua prestação é elevada e o nível do debate foge do corriqueiro ataque ao árbitro, tentando discutir com uma linguagem distante do habitual, nestes meios, os meandros do futebol. Mas meter-se em futebóis é sempre complicado e esperava muito mais de Medeiros Ferreira. Esperava livros, esperava debate profundo sobre o estado da nação, esperava reflexões sobre regime e a natureza do homem e das suas ideologias. Metendo-se a discutir futebol Medeiros Ferreira abandona o campo de Apolo e mergulha num Dionísio, infelizmente não o Dionísio da Tragédia Grega, das paixões sublimes, mas no Dionísio da taberna, do qual também é deus, talvez não um deus menor, mas um deus na sua face da coisa mesquinha. Mas talvez tenha razão Medeiros: o Dionísio do futebol é um deus que anima turbas acéfalas, as mesmas turbas que constituem a escória e o escol da sociedade, talvez por isso Medeiros Ferreira lá tenha lugar, para mostrar que no futebol não existem apenas as fezes, dejectos da política, dos negócios, das vigarices e das massas alienadas. Mas não será este exactamente o padrão do resto da sociedade portuguesa? Quem encontramos no futebol encontramos no parlamento, nos tribunais, nas casernas, nos hospitais públicos ou privados, nas escolas e nas universidades, a mesma massa de homens gananciosos e egoístas, Oliveira Martins disse-o, José Relvas pressentiu-o, a geração da Seara Nova afirmou-o peremptoriamente depois de 19 de Outubro de 1921 nas reflexões de António Sérgio. A degradação de um país em queda livre desde Pombal (triste sorte ter sido um facínora). Uma sociedade universal em crise, talvez mais em Portugal do que no resto da Europa, mas em crise de valores entre o altruísmo e a ganância desde que existe homem e propriedade. Uma sociedade que herda os seus mecanismos das estruturas de símios. Medeiros Ferreira é assim uma espécie de pater que escolhe um caminho e tenta o seu melhor por esse caminho, discordo da opção mas respeito-o na mesma.
Em resumo: tenho simpatia pelo especialista em relações internacionais, embora tenha pena de não lhe poder ouvir a opinião sobre os males do mundo enquanto discute elevadamente se Scolari fez bem ou mal aquela escolha... esta a razão de repetidamente e de forma injusta, da qual peço desculpa, ter citado o "comentador de futebol Medeiros Ferreira", Medeiros Ferreira é mais do que um mero comentador de futebol.



6.12.05

Gostei muito 

Do comentador de futebol Medeiros Ferreira que estava no estrangeiro para receber um prémio, qualquer coisa como deputado honorário ou isso, e disse na Antena 1: "Pena é que ainda não seja um prémio desportivo"...
Claro que sim, é pena, por este andar até um prémio de berlinde é melhor do que um prémio político.

Entretanto gostei do nível elevado do debate entre Cavaco e Alegre. Mas mais uma vez provaram ser homens da continuidade e não de ruptura... Interessante a ideia de Cavaco de atacar a sério o problema da justiça com um verdadeiro empenho nacional. Mas uma justiça verdadeiramente justa, cega, firme, imparcial, rápida e clemente onde se justifique, não interessa aos homens deste regime, já se percebeu há muito tempo, é-lhes útil.
Cavaco é apenas mais um lírico que acredita que pode mudar o sistema por dentro?


Yo-Yo Bom 

Yo-Yo Ma regressou à Gulbenkian a 30 de Novembro para três suites para violoncelo sem baixo contínuo de J.S. Bach.
Escolheu as suites 3, 5 e 6. As duas últimas são no meu entender as mais complexas suites que Bach escreveu para este instrumento, quer pelo difícil equilíbrio entre a forma e conteúdo, quer pela dificuldade técnica pura. Nas danças lentas, Alemande e Sarabande, o ritmo e a pulsação não devem ser esquecidos em detrimento de uma leitura espiritualizada que despreza a barra do compasso. Nos andamentos rápidos, como as Courantes, prefiro uma cadência muito certa, viva e sem empastelamentos que permita "dançar" na obra.
Curiosamente Yo-Yo Ma optou por ler os andamentos lentos de forma muito interiorizada procurando uma transcendência para lá da forma, o que dificultou uma percepção exacta da obra tal como concebida. Ao escrever como escreveu, Bach, homem do início do século XVIII, integrou o conteúdo numa forma muito precisa. Existe uma profunda ligação entre o que quer dizer e como quer dizer. Esquecer o tempo, arrastar numa lentidão exasperante, mesmo que a sonoridade do seu intrumento seja excelente, notas finais e esquecer a pulsação do ritmo de dança subjacente leva a um empobrecimento da obra, por muitas visões transcendentes que se procurem. Resultou uma leitura condicionada por este facto nas suites 3 e 5. Entretanto as courantes destas mesmas suites foram demasiado complexas e empasteladas, Yo-Yo Ma não foi imperturbável num ritmo inflexível e o rubato introduzido dificultou, de novo, a economia da obra.
Nas suites 3 e 5 Ma foi magnífico em termos técnicos, o seu vibrato muito contido e a propósito, enriqueceu com uma subtil ornamentação a textura musical.
Todos os prelúdios, com construções muito mais livres, foram tocados com grande convicção e pathos (barroco); foi um prazer escutá-los.
Os andamentos absolutamente formais como as Gigas finais (muito brilhantes), as Bourrées e as Gavottes, foram tocadas com verdadeiro estilo e de maneira magnífica.
Na suite nº6, escrita para um instrumento a cinco cordas, que se torna dificílima num instrumento moderno, verificou-se um sindroma que se repetiu nos concertos de sexta e de sábado (orquestra Gulbenkian e Kissin), alguns erros de afinação e harmónicos a saltar inopinadamente do instrumento poderiam ter maculado a interpretação, mas Ma catalizou os erros e transformou-os numa humanização da obra, acabou a tocar arrebatadamente, a própria courante desta suite resultou nuito mais convincente do que as anteriores e a sarabande foi belíssima na sua concepção algo esquecida da forma mas arrebatada no conteúdo.
Interessante a forma como interagiu com o público sempre comunicatico.
O público em massa encheu o grande auditório e tossiu impiedosamente, desdobrou papelinhos de rebuçados, ocupou indevidamente lugares que não lhes pertenciam recusando-se a sair quando os legítimos detentores dos bilhetes surgiram, e fizeram tocar telemóveis, bips e relógios. Uma vergonha de público que não merecia os extras, se bem me recordo um desses extras foi uma obra incluída no Silk Road Project e outro foi uma melodia tradicional chinesa.
Um palavra para a infeliz tradução de Silk para Ceda, um erro de palmatória que não se admite numa casa onde os textos deveriam ser revistos com atenção antes de dados à estampa.


4.12.05

Rota da Ceda? Humm? 

Quero manifestar à Fundação Gulbenkian o meu profundo agradecimento pelo enriquecimento da minha ortografia com a espantosa, subliminar e criativa expressão "Rota da Ceda" a propósito do projecto de Yo-Yo Ma, silk road. A coisa Ceda encontra-se no programa da Fundação relativo ao recital que o grande violoncelista deu na noite da passada quarta-feira e escrito por quatro vezes, se a memória não me falha, ao longo do texto.
Na página da internet com o currículo do violoncelista (já foi emendado a 6 de Dezembro) lá está, pomposo e seguro, o vocábulo Ceda e também por quatro vezes. (O pdf do programa do concerto mantém o erro no currículo do artista.)

P.S. Segue crítica à excelente (e crescente) série de concertos começada em Yo-Yo Ma, prosseguida com a orquestra Gulbenkian (na tarde de sexta), em que também tenho um agradecimento a fazer a um dos músicos que tentou arruinar todo o concerto sem o conseguir, e finalmente ao recital de Kissin de ontem, também excelente, em que Chopin foi levado às últimas consequências.




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