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30.6.05

De pé e de luto 

Morreu Emídio Guerreiro. O luto volta a invadir-me num país cada vez mais pobre de homens íntegros, de homens corajosos e livres. Não posso dizer que Portugal está de luto, porque o Portugal de hoje já não é revê em homens como Emídio Guerreiro, Portugal já não imagina, não concebe, não regista os seus melhores. O Portugal de hoje não sonha: vegeta. O luto por Emídio Guerreiro é o luto pelo sonho e pelos ideais. Apenas alguns sentem, a maioria está morta, na pior das mortes. É nestas condições que o desaparecimento físico de homens como este me magoam de forma tão aguda e me deixam tão triste.


29.6.05

O que vai na cabeça desta gente? 

Leio no DN sobre educação sexual:
"o respeito pelos alunos não permite a utilização de jogos e de outras estratégias, como o desempenho de papéis, que excitam a imaginação e exploram sensações de forma manipulatória, ferindo a sensibilidade e a dignidade dos alunos, e não respeitando a sua intimidade e pudor".

Quem terá escrito isto? Dir-se-ia que alguém com uma imaginação exacerbada, com uma líbido reprimida e doentia sem a menor noção da realidade e do que se passa na escola. Isto é uma nota que é analisada no DN e emanada da Conferência Episcopal Portuguesa. Enfim...



Eles andam aí! 

Alguém se lembra deste cartaz? O problema é que eles andam aí!



Henrique Medina Carreira bem pode ir pregar para outra freguesia.

28.6.05

Salamanca Marca 

El Ayre Español, orquestra barroca, Amadigi di Gaula, sexta feira, 1 de Julho, lá estarei para escutar Handel. Repete sábado, 2 Julho. Ópera em versão de concerto.
Recomendado.


Seabra consegue finalmente uma polémica 

Os parabéns a Augusto M. Seabra, conseguiu finalmente a polémica a que almejou toda a sua vida! Depois de fingir diversas polémicas em que ninguém lhe ligava nenhuma, ou até mesmo autopolémicas, conseguiu que Eduardo do Prado Coelho prestasse finalmente atenção ao pluricrítico do Público e ainda conseguiu que Mega Ferreira publicasse uma carta aberta sobre o assunto!
Tudo isto tudo a propósito de outro insgnificante, o Carrilho mai-la Bárbara com o rebento, o Manuel Dinis não sei quê.
Não sei quem defende o quê ou quem, as posições de cada qual, nem interessa nada.
Dou daqui os parabéns a todos e que continuem... Portugal agradece.


24.6.05

Fátima 

Estive a ler o post sobre Fátima que um dos colaboradores do Blog aqui colocou, acho bem! Embora, como católico, nunca tenha acreditado na superstição da Cova da Íria e nos ídolos que são dados ao povo pela hierarquia da Igreja Católica, acho que desta vez vou tentar, nunca se sabe...
Vou ver se existe uma batuta em cera, uma efígie de Wagner, um metrónomo, um diapasão e uns óculos, tudo em cera, isto para rezar uma intenção para que o Ouro do Reno na próxima temporada do Teatro de S. Carlos corra bem! É que com o "maestro" Zoltan Peskó só mesmo com um milagre...
Vou também comprar seis harpas em cera para rezar para que o vem escrito na partitura, e no Ouro estão mesmo as seis partes escritas, seja cumprido! Acredito que com um milagre poderemos ter pelo menos quatro o que já não era mau.


23.6.05

S. Carlos anuncia temporada 

Uma temporada que será estudada aqui, numa programação longe dos mais de trinta títulos operáticos dos anos sessenta, mas alicerçada em produção própria, consistente e com alguma promessa de qualidade.
Uma temporada sinfónica longa (o que é bom) mas com altos e baixos e que privilegia a construção de uma escola mínima de repertório, Haydn e Mozart no ano passado, Beethoven agora. Percebe-se a filosofia, e saúda-se. Mesmo assim seria também prioritário investir em instrumentos melhores para as cordas da orquestra, que o som continua feio, e tentar obter da tutela uma sala de ensaio e condições de trabalho para a orquestra.
Continua a aberração de se ter Zoltan Peskó a dirigir o Rapto do Serralho (!!!) e um Ouro do Reno que poderia ser excelente, não fora a inacreditável escolha deste "maestro", numa nova produção com encenação de Graham Vick que prefigura um novo ciclo do Anel do Nibelungo. Curiosamente Bayreuth vai precisamente inaugurar um novo ciclo em 2006.


21.6.05

Política hoje no Portugal hoje 

Vejo lânguidas prostitutas
Magoadas pelos clientes,
Laceradas por lutas
Com homens impotentes.

Vejo em jogos formais
Políticos ausentes,
Jacentes animais
Formalizando-se contentes

Vejo pederastas fingidos,
Fugindo da luz, dementes.
Homossexuais escondidos
Metrossexuais aparentes.

Vejo jogos de agonias
Onde sofrem inocentes,
Queimados nos fogos quentes
Das tardes frias...

Mortos já, os antigos magos
Ah! Velhos "idealistas"...
Apenas espectros vagos
Falecidos sem pistas,
Inscrições perescentes.

20.6.05

Mahler no CCB - Uma não crítica 


Infelizmente a versão adoptada por Eliahu Inbal foi a segunda versão da impressionante sexta de Mahler. O terceiro e aniquilante golpe, antes do funeral anunciado pelos trombones, ficou assim na imaginação que quem escutou a obra ontem no CCB. Curiosamente se Inbal seguiu a prática de Mahler neste aspecto (que retirou a terceira pancada da partitura por recear que esta representasse a sua própria morte ou a sua própria derrota perante a vida), esqueceu (e no meu entender bem) essa mesma prática mahleriana de executar o andante na segunda posição e o scherzo na terceira adoptando a ordem da recente edição crítica. Noto ainda que o andante é um dos mais belos momentos da história da música. Cada nota é uma sílaba intensa contida no verso de cada frase, cada verso encaixa num imenso puzzle de um poema eterno, etéreo, mágico e sublime, e estas palavras são meros esboços, esgares de nada perante a verdadeira força evocativa da música de Mahler onde as palavras perdem a força perante os sons. Convido, aliás, todos os leitores a esquerem estas palavras e escutarem o andante desta sinfonia, urgentemente, que andar a ler blogues é uma perda de tempo com tanta música bela para escutar...

Como prometi não fazer crítica a agrupamentos portugueses, apenas comento o maestro e a questão técnica do instrumento utilizado para as pancadas secas do último andamento, "que devem ser muito intensas e não metálicas". Foi utilizado um monstruoso maço de madeira que percute uma ridícula, patética, caixinha de madeira. Tanto maço para tão pequena caixa! Claro que a minúscula caixinha, quase invisível se reflectiu na sonoridade vergonhosa, quase inaudível, que não se ouviu na sala. Será que é muito caro mandar fazer um instrumento que consiga dar a sensação de um tremendo estrondo, de uma espécie de trovão fulminante que esmague a música e dê ao público a sensação de uma pancada mortal, funesta, trágica? Pobre percussionista que tem de praticar haterofilia para levantar um martelo monstruoso para tão ridículo resultado, qualquer bombo de feira teria mais som...

Inbal pareceu-me ter uma direcção demasiado calma que não conseguiu imprimir a tensão sufocante e trágica que a sinfonia exige. Bastou ver a forma como as cordas graves entraram na sinfonia para perceber o que faltou. Esperava muito mais do maestro.

Serve ainda este post, e sem qualquer relação com o concerto comentado acima, para lamentar a falta de crítica que temos na imprensa portuguesa. É tudo bom, mediano, razoável, não há nada que seja mau. Consequência: o público aplaude de pé toda a porcaria que se apresenta, grita bravo a todo o músico que se contorça e a todo o cantor que se esmifre a berrar e não há qualquer relativização do que se escuta. Então quando se fala de intérpretes portugueses parece que reina a ditadura do medo e da maioria silenciosa. Existe uma verdadeira autocensura da crítica oficial, no fundo a pior censura. Sem uma crítica de serviço público, severa, atenta, responsável, a qualidade será muito mais difícil de atingir.

19.6.05

Hoje concerto a não perder 

Centro Cultural de Belém
Grande Auditório 19. Junho 2005 21:00h

Gustav Mahler
Sinfonia n.º 6 (espero que Inbal tenha optado pela primeira versão, a que Mahler realizou antes da estreia, cujo último andamento é avassalador e de uma dor trágica sem limites)

Direcção
Eliahu Inbal
Orquestra Sinfónica Portuguesa

18.6.05

Clube de Emprego 


Perdi o Compasso
Sou Hiram vendido ao paço,
templo derrubado.


17.6.05

China - Wagner em Pequim 


Em Outubro próximo a China terá a revelação de um anel completo. Entre 23 de Outubro e 1 de Novembro. O director do projecto é Stephen Lawless* com o Staatstheater de Nürnberg (Nuremberga), o maestro é Philippe Auguin. O custo será de um milhão de euros e envolve 250 elementos do teatro alemão.

Um festival que conta ainda com Simon Rattle com a Filarmónica de Berlim, e Roger Norrington com a Orquesta Sinfónica da Radiotelevisião de Estugarda.

Atrasada a China? Atrasados estamos nós, cada vez mais.


* - Trabalhou com Royal Opera House; Covent Garden; Glyndebourne; Vienna State Opera; La Fenice; Berlin Staatsoper; The Metropolitan Opera; Chicago; New York City Opera; Los Angeles; San Francisco; Washington, Fetsivais de Hong Kong e Nova Zelândia; e, finalmento, produziu o ‘Der Ring des Nibelungen’ para a Ópera de Nürnberg.

16.6.05

Um poema difícil de dizer - uma palavra apaixonante 

O poema final da colectânea de Camilo Pessanha motiva-me divagações.

Pessanha na gruta de Camões em Macau - Pose estudada. Clicar para ampliação

Pessanha simultaneamente poeta, jurista, juiz, conservador do registo de Macau, coleccionador e apaixonado pela cultura chinesa, professor de liceu, um homem que nada conseguiu ser excepto poeta, poeta do tudo que aspirava ao nada numa reunião maior que o todo. Pessanha amado por Pessoa e Mário de Sá Carneiro, que considerava Clepsydra uma das mais importantes contribuições para a cultura portuguesa. Pessanha que não escrevia os seus versos, um poeta sem escrita como tantas vezes é referido, cujos poemas circulavam verbalmente e em manuscritos abandonados displicentemente pelo poeta que guardava os poemas na memória. Clepsydra ditado de memória a Castro Osório. E no entanto tão trabalhado, tão perfeito no ritmo, na matriz, na elaboração, na simbologia, no desespero, na busca do nada. Clepsydra a palavra mágica que se ouve durante toda a obra, escondida, oculta, no livro de Pessanha. Um título que se revela apenas no términus do ciclo no poema "Final" que encerra a obra. Clepsydra da água que corre e do tempo que mede. A água e o tempo na sonoridade evocativa da palavra, no seu tom, na sua raiz grega. Clepsydra com "y" e não com"i", como Pessanha imaginava e não como nós vemos hoje nos textos que circulam, com o sentido preciso e exótico do "y" no meio da água que corre medindo o tempo dos abortos que não nasceram, ateus em cores que atravessam o poema, cor de cidra, cor de morte, de putrefacção, na água, de desespero, no nada.
Mas será que este poema abre a porta do nada? Desde as corres irreais, metafóricas que iniciam a caminhada para o nada, caminho que aumenta cresce ao longo do poema de força evocativa e simbólica com o recurso aos abortos, nascituros que se expõem eles mesmos no local sagrado, morto, público; no museu como na câmara dos horrores. Abortos que não nasceram, não geraram, não criaram. Morram de vez, que nada adianta "cogitar", "sondar". Metáfora de Portugal? Enquanto a água mágica e vital do tempo e da criação corre pela clepsydra. Que contradição, que oposição entre o niilismo absoluto, a inacção e a força do tempo, da água que corre. Que supremo clímax. A água corre tal como a morte chega a morte dos sonhos que nem sequer foram sonhados. Ao contrário de outros penso que o momento mais decisivo do poema se passa na evocação simbólica da palavra clepsydra, que Pessanha deixou como título do seu livro. Símbolo de tudo, de nada, símbolo do simbolista francês... Símbolo afinal de uma vida que existe para além do desespero do poeta. Um desespero que procura a calma, o sono tranquilo do sonho vivido. Será que há esperança no fundo do poema, a repetição de ideias no final, afinal o mais difícil de dizer e de interpretar "Não suspireis, não respireis", uma quebra do encanto do ritmo e da magia das palavras feitas sentimentos que voltam a ser palavras pela magia do tormento de Pessanha. Uma quebra simbólica? Um contrário que se transforma no seu oposto, um nada que se transforma em tudo, como Natália Correia tão bem nos disse pelas páginas trezentas da sua antologia do surrealismo?

Será que somos dispensados de sonhar os sonhos não sonhados? Ou que estes esperam calmamente pela descoberta de um sonhador distante que há-de vir e que o poeta não admitiu ser ele próprio, na sombra angustiada do seu desespero?


Clepsyda - Camilo Pessanha - Final 

Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,
- Fulgurações azuis, vermelhos de hemoptyse,
Represados clarões, cromáticas vesânias -,
No limbo onde esperais a luz que vos baptize,

As pálpebras cerrai, ansiosas não veleis.

Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,
Tão graves de cismar, nos bocais dos museus,
E escutando o correr da água na clepsydra,
Vagamente sorris, resignados e ateus,

Cessai de cogitar, o abismo não sondeis.

Gemebundo arulhar dos sonhos não sonhados,
Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expirais em um queixume brando,

Adormecei. Não suspireis. Não respireis.


Retired conductor Carlo Maria Giulini of Italy dies at 91 - By AIDAN LEWIS Associated Press 

Carlo Maria Giulini, the Italian maestro whose rigorous and spiritual interpretations of classical music made him a conducting giant of the later 20th century, has died. He was 91. Giulini died Tuesday in Brescia in northern Italy, his son Alberto Maria Giulini said Wednesday. The cause of the death wasn't given. A young friend of the great Arturo Toscanini, Giulini bridged the golden age of conducting and a later generation of Italian maestros like Riccardo Muti and Claudio Abbado. After studying the viola and conducting at Rome's Academy of Santa Cecilia, Giulini made his conducting debut in 1944 in the Italian capital. He had conducting stints at La Scala, the Chicago Symphony and the Vienna Symphony, and served as music director of the Los Angeles Philharmonic from 1978 to 1985 ‹ his last permanent post, which he resigned to spend more time with his ailing wife. In Los Angeles, where he said his only friend was the comedian Danny Kaye, his contract specifically exempted him from any part in the social whirl. That was typical Giulini. A modest, nearly ascetic man, he saw conducting as a priestly mission, a ministry for the gods of classical music. ³We have to deal with genius, and we are small men,² he once said. In later years, Giulini stuck close to his home in Milan, conducting Europe's great orchestras but renouncing the opera pit because of the long rehearsals. Giulini concentrated on Brahms, Bach, Mozart, Beethoven, Bruckner and Schubert. For opera he preferred Mozart, conducting little Puccini or Wagner. Defending his choice of repertoire in a newspaper interview for his 80th birthday, Giulini said: ³I have to believe in every note, to feel myself immersed. If that doesn't happen, mere technique would take the field. The appropriation (of the music) must be rational and emotional, without ever forgetting that the conductor is a musician in the service of the geniuses of music. ... We are only interpreters.² Giulini's reverence for the masters often produced an almost religious quality in his works. His tempos slowed down considerably as he aged. ³Opinion has been divided about his slow tempos, but there is widespread acknowledgment of the exceptional mellowness of his interpretations, the richness of string textures and the seriousness of purpose with which he inspires both instrumentalists and singers,² Robert Philip wrote in Giulini's entry in Grove Music Online. A number of Giulini's recordings, especially Verdi's ³Requiem² and ³Falstaff,² are treasured by music buffs, and many Mozart-lovers considered his ³Don Giovanni² the best version ever. Critics also gave Giulini high praise for his sensitive accompanying on concerto recordings. Giulini's search for insight sometimes produced pauses in his career, when he would stay away from the podium for periods of reading, reflection and study. ³Music is an act of love,² he would say, dismissing ambition. Career? ³The word is repugnant to me,² he told an interviewer. ³I'm not like a corporal who has to become a captain.² Born in Barletta, near the southern Adriatic city of Bari, on May 9, 1914, Carlo Maria Giulini studied violin and viola. At 19, he won a viola position in the Santa Cecilia orchestra when it played in Rome's Teatro Augusteo. Because of the theater's spectacular acoustics, it was a regular stop for the age's superstar conductors. Thus Giulini played under giants like Wilhelm Furtwangler, Bruno Walter, Willem Mengelberg and Richard Strauss. Giulini received a conducting degree in 1941 from the Santa Cecilia conservatory, studying with Bernardino Molinari. When war broke out, he went to the Yugoslav front with the Italian army. But he opposed Fascism and later went underground, hiding for nine months in a secret room in the house of his wife's uncle. A portrait of Mussolini hung on the wall outside. Within weeks of the Allied liberation of Rome in 1944, Giulini emerged to conduct the Santa Cecilia orchestra in the freed city's first concert. His old viola teacher once had told Giulini's father that the young musician would never be a conductor because his elbows were too weak. But after seeing him direct the orchestra, he admitted he was wrong, Giulini said. In the years just after the war, Giulini led the RAI state broadcasting orchestras of Milan and Rome. The elderly Toscanini heard a Giulini performance and summoned him to his home. The two became friends, an important source of support for the budding young conductor. In 1951, Giulini took over as principal conductor at Milan's La Scala opera house. His 1956 ³La Traviata² with the diva Maria Callas was memorable. He made numerous recordings with the major record companies, and won a Grammy in 1989. Giulini's wife, Marcella, died in 1995. They had three sons: Francesco, who was his father's manager; Stefano, a physician; and Alberto, an artist. A private funeral will be held Friday in the northern Italian town of Bolzano, where Giulini lived.




15.6.05

Blogue de Manuel Morais 

Dispensa apresentações, professor universitário na Universidade de Évora, especialista em música antiga e em instrumentos dedilhados antigos, autor de recolhas de manuscritos antigos. Fundador e Director dos Segreis de Lisboa. Tive a oportunidade de o conhecer melhor quando o entrevistei na Rédio Luna. Manuel Morais surge agora com um novo blogue que promete ser indispensável, até pelo que já se pode encontrar desde 5 de Junho, data da estreia blogosférica deste importante nome da nossa cultura.
A ver em Nova Música Antiga.


14.6.05

O dogmatismo liberal e a sua preocupação com Portugal 

Acho fantástica a posição do João do sempre divertido e interessante blog Jaquinzinhos. Começámos por polémicas que acabaram quando o "Crítico" se virou mais para a área musical ou quando o conhecimento pessoal amistoso tirou fogo e brilho a polémicas que eram impessoais. É para me maravilhar com a preocupação social que afinal o João tem que escrevo, o blog dele tornou-se num repositório de receitas e razões para salvar Portugal e os portugueses, a banca, os automobilistas, o mercado, a competitividade... É um blog de profunda militância política e de exposição de convicções próprias, sinceras, do João. Sempre mescladas com as razões liberais mais profundas. Razões que até partilho em muitos casos, sem a radicalidade do Jaquinzinhos. Afinal o Estado como legislador e reformador é no fundo a solução para o João, é ao Estado que compete a simplificação da legislação comercial e fiscal, é ao Estado que compete a eficácia de sair de motu próprio da sociedade deixando que esta funcione melhor. Infelizmente há um problema: os portugueses e os políticos, que são emanação dos portuguese e seu espelho fiel.
Os políticos são por sinal os mais ineficazes dos gestores, como se provou nos cem anos passados, quer da coisa pública quer da privada. Os políticos são legisladores e executores (nos diversos sentidos da palavra), e são gestores públicos e privados, posições que de forma obscena ocupam invariavelmente quando saiem de lugares executivos, precisamente por causa da influênica perniciosa que o Estado tem no favorecimento das empresas e da teia de influências que os políticos mantém e geram no aparelho do Estado. Os políticos raramente contribuem para o apuro da competitividade de per se mas participam nas empresas pelos favores que vão obtendo e que distorcem totalmente o mercado. Alguém sabe ou pergunta porque Marques Mendes pertenceu (ou pertence) à direcção de uma grande empresa? Alguém sabe qual é esta empresa?

Enquanto Portugal for assim, com os seus portugueses e os seus políticos portugueses, seremos sempre uma espécie de sombra de país, um mercado marginal para o exterior e um lugar de férias, se os políticos e os empreiteiros, os seus maiores aliados no poder local, não destruirem o que falta.
João não percas tempo com Portugal a dar receitas e a imaginar soluções. É uma pura perda de tempo, louvo o teu espírito irrequieto, vivo, sonhador, a tua luta diária. Lamento o tempo que perdes.
Dou uma sugestão ao Jaquinzinhos, de borla, sabendo que nunca será adoptada: Redução de deputados para um máximo de 75, reduzir as autarquias a 100 câmaras, aumento dos vencimentos dos deputados e agentes locais para o quíntuplo (talvez menos), para atrair gente mais capaz e evitar que percam dinheiro ao sair da esfera privada. Eliminar todos os apoios que os políticos têm ao sair da coisa pública. E já perdi tempo com isto...

Um abraço.

13.6.05

Três vultos 

Desapareceram entre ontem e hoje. Um poeta extraordinário e dois homens de ideais. Um conheci-o através do meu pai, Vasco Gonçalves, antigo primeiro ministro deixa-me mais memórias, como um homem complexo, com dúvidas, um homem que foi traído, de certa forma, pelos seus amigos e pelo seu tempo, um homem de grande inteligência e muita força moral, um homem de grande honestidade que sempre pensou estar a servir Portugal e os mais desfavorecidos da melhor forma que sabia.

Outro, Álvaro Cunhal o verdadeiro (e provavelmente único) secretário geral do partido comunista, foi um raro exemplo de coerência, um homem de grande de força intelectual, escritor e artista. De uma força e coragem espantosas. No entanto sempre me impressionou o seu monolitismo político, o que fez com visse sempre Álvaro Cunhal como uma espécie de mito e pouco como um homem de carne e osso.

Todos eles marcaram o século XX português, homens de uma geração que marcou Portugal, uma geração em que ainda havia registo, que ainda não se tinha subjugado ao medo de agir, de sobressair. Uma geração de homens idealistas. São rochedos que balizaram Portugal cada qual à sua maneira e todos mortos neste princípio de Junho de 2005.

Provavelmente todos estes homens quando atingem idades avançadas acabam por se tornar em mitos, fantasmas de si mesmos enquanto mortos adiados no inconsciente colectivo, idealizados pelos outros como imagens apropriadas, fabricadas nas nossas cabeças e não como seres viventes. Todos eles já estavam um pouco mortos, para quem com eles não privava directamente, de forma que a sua passagem se torna numa espécie de segunda morte, a morte ritual após a morte da representação.

Apesar destas reflexões sinto uma grande tristeza hoje e custa-me dizer mais.

Adeus

Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos,
ou, se preferes, minha boca nos teus olhos
carregada de flor e dos teus dedos;

como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve - e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.

Como se a noite se viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
Digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde teu corpo principia.

Como se houvesse nuvens sobre nuvens
e sobre as nuvens mar perfeito,
ou, se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.

Eugénio de Andrade


Adeus

China, primeiras impressões 

Chego de viagem, a China imensa, gente em movimento, milhões, milhões, milhões. Tudo o que se imagina deixa de fazer sentido, 3000 habitantes por quilómetro quadrado nas regiões que visitei. Poluição colossal, destruição do património para construir edifícios horrendos, desrespeito total pelo indivíduo face ao número. Riqueza colossal, pobreza avassaladora. Lagos de água doce totalmente mortos e de cheiro pestilento, como o lago Tai Hu que se situa nas margens de Wuxi (uma pequena cidade com pouco mais de 4,3 milhões de habitantes), o terceiro lago em área na China (2250 km2) e onde caberia toda a imensa cidade de Shanghai, lago para onde convergem os despejos de uns trinta milhões (Wuxi e cidades limitrofes dentro de uma província de Jiangsu com 75 milhões), todos a urinar e defecar para um lago que já foi dos mais ricos da China em fauna e flora.
Shanghai que nem os chineses sabem quantos habitantes tem, entre 18 e 23 milhões de residentes, os considerados fixos e os trabalhadores sazonais, uns com licença para deslocação e outros clandestinos. Cidade onde não existe um dia de descanso para todos, seria impossível, tem de ser rotativo, senão não existiriam espaços de lazer, parques e ruas para todos passearem!

Zona comercial moderna de Pequim com parque de bicicletas

China, Pequim, esquadras especiais para estrangeiros onde grassa o habitual e total desconhecimento de línguas estrangeiras por parte forças de segurança da China! As esquadras para estrangeiros têm então e apenas uma mais valia: um mandarim (ou burocrata) que conhece o alfabeto ocidental e consegue ler os nomes nos passaportes, mas devagar! Para fazer uma participação de um pequeno furto gastamos entre 4 a 5 horas, isto com um amigo intérprete, sem intérprete creio que seria impossível, mesmo conhecendo algum chinês básico.
Conhecer o chinês também não é garantia de nada, palavras simples como "quatro" podem, se mal pronunciadas, querer dizer "porco" e em vez de estarmos a pedir quatro bilhetes de metro estamos a insultar o bilheteiro!
China onde a televisão local tem um canal que todos os dias passa concertos com as orquestras e músicos chineses. China com a sua imensa muralha mandada fazer pelo megalómano primeiro imperador, o tal do exército de terracota de Xi'an.
Muralha refeita pelos Ming, palavra que quer dizer brilhante, tal como tudo o que tem a ver com os imperadores. Império do Meio porque se julgavam os senhores do Universo exactamente no centro. Por todo o lado ainda é visível a cegueira megalómana que levou a China ao atraso mais absurdo, à renúncia da exploração dos mares pelos Ming do século XVI depois de terem uma frota magnífica no século XV, deixando o Índico abertos a todas as potências que como nós, nos aproveitámos desse mesmo autismo imperial. Depois da pólvora, da bússula, da astronomia veio praticamente o vazio absoluto.
A muralha é magnífica: quando se sobe à montanha e se contempla o espectro da muralha que serpenteia por escarpas impossíveis até ao infinito somos invadidos por um maravilhamento e por uma angústia sem limites. A muralha é imensa mas também é imenso o medo que representa, o terror de quem foi obrigado a construí-la. Sentimos a opressão do isolamento ao exterior e, finalmente, a asfixia que encerra dentro de si. A capital do Norte, Beijing (Pequim em cantonês) com a sua cidade proibida de vícios e intrigas, de arbitrariedades e morte. China de Confúcio e da Arte da Guerra, China da Mafia victoriana das guerras do ópio, em que as potências ocidentais obrigaram os chineses a consumir a droga vinda de Bengala, comprada por bom preço, precisamente para corromper e enfraquecer ainda mais o povo chinês e lhe retalhar com mais facilidade o território. Vietname para a França, Shanghai para ingleses, americanos e franceses, Hong Kong para ingleses...
Ódio, muito, que os chineses conhecem muito bem a história e cem anos são fragmentos de nada. Em 1900 foi queimado pela última vez o magnífico palácio de Verão de Pequim por franceses e ingleses, muito pouco tempo para a memória chinesa...
Só estando na China e viajando pelo país se percebe como esta cresce e como cresce. Se pensarmos que o sistema de irrigação dos campos adjacentes às cidades vem de tempos imperiais e que os esgotos com dejectos humanos são canalizados directamente para este sistema de irrigação, afinal uma tradição milenar num país com pouco gado, percebemos à custa de que princípios cresce o país... Se pensarmos que existe internet por todo o lado, mas que é impossível fazer, aceder ou consultar um blog onde quer que seja, percebemos o regime que ainda impera.
A opressão existe, uma opressão asfixiante que vai desde os milhões de polícias que estão por todo o lado até ao próprio ar que se respira, pesado, denso de poluição e de um calor húmido que vai corroendo as cidades e os homens.
Voltei maravilhado da China, maravilhado mas apreensivo e deprimido ao mesmo tempo.


Um cartão de passageiro frequente
da China Airlines?

(cont.)




1.6.05

E agora Shanghai 

Arranco hoje para Shanghai, espero poder actualizar o blog...
Veremos, senão no dia 13 de junho cá estarei.

Henrique Silveira



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