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31.12.04

O Fim de Ano 

Nesta altura multiplicam-se os votos disto e daquilo, a praga mas mensagens nos telemóveis é apenas uma nota sintomática da superficialidade dos "sentimentos" de encher calendário.
No momento infeliz que atravessamos em Portugal, com um país deprimido e uma governação nem melhor nem pior do que o costume desde há centenas de anos, ou seja, uma governação negligente, incompetente, corrupta e complacente; no momento dramático que a terra atravessa, com uma catástrofe de dimensão global como a morte de mais de uma centena de milhar de pessoas de todas as nações, mas sobretudo das pobres regiões das costas do Índico; não faço votos especiais a ninguém em particular. A tragédia humana em que este planeta vive, a miséria, a fome, a ignorância, fazem sofrer quem ainda tem sentimentos e ama a vida e a humanidade que ainda resta em todos nós. Lembro que esta tragédia, pelo menos, foi com causas naturais, numa dimensão que nos lembra a pequenês do ser humano face ao Universo. Mas as piores tragédias que sofremos foram motivadas e conduzidas pelo próprio homem. Os milhões de mortos em guerras, as bombas atómicas, a fome de grande parte da população do planeta face à abundância de poucos, a probreza global, lembram que a tão propalada força da humanidade e as suas conquistas são apenas sonhos vagos na cabeça de poetas longe da realidade. A sociedade humana é de facto lamentável, triste, infame e mesquinha.

A alegria das crianças pobres que brincam nessas praias dos oceanos do globo são a única fonte de esperança que ainda vejo neste planeta dominado por um predador terrível e destrutivo, o ser humano.
Por isso o meu único voto para esta quadra é a repetição das palavras de Cristo e de S. João: "amai-vos uns aos outros".


H.S.

Um retrato impossível 




"Santana, com ministros atrás, representado com livro aberto na posição correcta."



De facto um detalhe de um quadro célebre de Zoffany: Towneley e seus amigos, 1782.

30.12.04

Concerto Sinfónico 

No dia 8 de Janeiro temos o Burguês Gentilhomem do Richard Strauss e Pulcinella de Stravinsky no CCB! Marko Letonja dirige, um bom maestro.
Lá estaremos para escutarmos a bela peça de Strauss sem esquecer Stravinsky. Quem fará os solos de violino nestas peças, esperamos que seja um bom concertista.
Uma crítica está prometida para o próprio dia do concerto. O programa é muito complexo, a filigrana orquestral é muito bem tecida e transparente. Estas peças põem à prova qualquer orquestra. Veremos como resulta, mas as expectativas são boas. Concerto recomendado.

Uma espécie de telenovela 

Era uma vez um corsário muito gordo e constipado, parece que era plebeu, embora os corsários fossem, em geral, uns fulanos fidalgos que armavam navios a suas expensas para piratear os inimigos da nação. Esse corsário derrotou os seus confrades, os corsários africanos, os chamados mouros. A situação passa-se no século XIV.
Este corsário tinha seduzido uma moça (se fosse viva seria soprano), que era filha de um homem nobre e muito poderoso (um tipo de voz grave e poderosa, mas desafinando nos agudos no prólogo), que tinha um palácio inacessível a todos, este corsário muito gordo (mesmo rouco mostrou um boa voz), no intervalo das suas piratarias, tinha tido tempo para enganar a moça e obter um rebento. À revelia do putativo sogro. Uma vigorosa moçoila (será um soprano no acto seguinte) nasceu. Não se sabe bem onde, mas nasceu, provavelmente fora do alcance do sogro, que passa a vida a suspirar pela neta "que nasceu e tal" e não sabe dela. De repente a filha (em depressão pós parto) recolheu a casa do pai. De modo que o corsário gordo que a tinha seduzido tinha deixado de a poder ver, e lamentava-se por isso cantando com boa voz e compondo bem o personagem, embora muito gordo e rouco e constipado.
O corsário alto e gordo tinha entretanto deixado a bébé numa região inóspita e longínqua, bárbara mesmo, que se vem descobrir no decorrer da acção ser Pisa (!!!), também não se sabe porquê.
Estava aos cuidados de um velha muito bondosa que morreu (seria mezzo se fosse viva). O corsário perdeu por isso a filha que andou muito triste a vaguear pelas pradarias, ou seriam ruas, durante três dias, à míngua e cheia de fome, a desgraçadinha. Entretanto a mãe morre e o putativo sogro diz ao malandro do corsário: só te perdoo se me trouxeres a minha neta, para que eu a possa ver! O corsário, muito aflito diz: "é pá perdi a rapariga, eu bem que a tinha deixado numa região longínqua e inóspita (Pisa) mas a cabra da velha que tomava conta dela morreu". Até aqui todos são baixos ou barítonos.
Durante a calada da noite dá-se a eleição do soberano da cidade! O grande apaniguado do corsário, um tipo com voz aveludada mas pouca potência sonora e agudos fracotes influenciou a plebe que votou em massa, de madrugada, no corsário gordo, que passou a ser o Doge, (parecido com duce ou dux ou duque), da cidade, Génova. A coisa ainda é pior que a Ucrânia, cheira mesmo a fraude eleitoral. Uma espécie de Doge, corsário, gordo, plebeu, perde filhas em regiões inóspitas, engana raparigas filhas dos nobres, mata os pobres dos pretos africanos, combate os pisanos e os guelfos, vive rodeado de aldrabões capazes de fazerem golpaças eleitorais durante a noite. Enfim, um fulano pouco recomendável e muito gordo. Para cúmulo manda desterrar os inimigos e o putativo sogro tem de fugir, não se sabe se desterrado, se foragido, mas vive algures com um nome falso!
E continua... no segundo acto que é o primeiro, uma vez que o primeiro foi chamado de prólogo, temos a filha, e o tenorzeco, que corteja a filha do gordo, mas ninguém sabe que é a filha, embora ela saiba, ou não, como se virá a perceber. O putativo sogro vive também neste palácio, com o dono da casa, um Grimaldi que nunca aparece, devia ser avô do actual príncipe do Mónaco, o que dá um ar social, todos são inimigos do Doge. Ou seja vivem todos juntos! E deve ser perto de Pisa, região bárbara relembre-se, inimiga de Génova, onde o Doge vem a passar por acaso! Ou será perto de Génova? Duas boas hipóteses, uma vez que a rapariga foi encontrada perto, e a cidade fica não longe de Génova. Adiante que naquela região de Itália é tudo perto, mesmo que longínquo e selvagem, e com o comboio ainda ficou mais perto.
Uma ária e a rapariga, uma soprano lírica verdiana pura, com um timbre metálico muito bom e corpo vocal razoável, ou seja: muito bem dotada de harmónicos, começa de forma algo titubeante, desafinando mesmo um pouco, mas encontra-se, levanta a cabeça e vai à luta, continua a ópera de vento em popa, na medida em que a ópera o permite e acaba em beleza. O tenorzeco entra e declara-se, parece que temos amor...
Eis que entra o Doge gordo, neste palácio fora da cidade, mais o lugar tenente, o tal das fraudes eleitorais. Dá-se o "ponto de encontro" pai e filha ficam a sós! E descobrem que são pai e filha, por uma medalha, um nome comum lembrado, e já está! A rapariga seria destinada ao cortesão amigo do Doge e este queria pedi-la em casamento.
Aqui a situação é de ponto de encontro, lá vem o Doge de passagem, e depois de vinte e cinco anos dão um grande abraço e o saudoso Henrique Mendes dá-lhes a benção.
O Paolo, assim se chamava o fraudulento eleitoral, que cobiça a filha do Doge reclama-a ao pai dela, que não divulgou que tinha reconhecido e descoberto a filha, nem esta o fez. O pai nega-a agora ao Paolo, desdizendo-se. Este fica furioso e jura vingança! Todos preparam conspirações.
E a coisa continua, há um conselho, uma confusão enorme em que todos gritam, dá-se uma revolta, entra tudo a jogar à espada na sala do conselho!!! Entra a guarda republicana e o Doge dá voz de prisão a todos, aqui uma cena à Pai Tirano com o Gordo a fazer de polícia em vez de Vasco Santana. Entretanto a desgraçadinha da enjeitadinha foi raptada, mas conseguiu fugir das masmorras iraquianas, o tenorzeco, que aparece em tudo que é lugar, acusa, com uma boa voz luminosa e encorpada, melhor aliás do que na ópera anterior, o pai, que ele não sabe que é pai, da sua amada de ter preparado tudo para seduzir a filha, o gordo jura que não, que não, pelos santinhos, não fui eu, lá lá lá. O malandro do fraudulento eleitoral fica pálido e jura também que não e roga uma praga a si próprio. A sala do conselho, agora uma espécie de circo onde entra toda a gente, revoltosos, apoiantes do gordo, conselheiros, putativo sogro, tenorzeco, populaça, guarda republicana, enjeitadinha, etc, etc, etc, e todos cantam, lá lá lá. O coro está melhor em geral, mas esta cena foi um desastre, sobretudo na sua primeira aparição. Tudo uma terrível confusão e o coro contribuiu também. Em tudo o resto está muito superior, e as raparigas do coro cantam melhor a olhos vistos. O director de coro, Andreoli, é mesmo bom.
A confusão continua, toda a gente entra no palácio, estão presos nas masmorras e passeiam-se pela sala privada do Doge! O Paolo vai ser condenado por traição mas continua a ter acesso à Câmara reservada do Doge. Outros são inimigos confessos do gordo, mas andam de espada à cinta pelos reservados, entram e vão-se embora, cantam umas coisas e retiram-se, e voltam e retiram-se. O malandro do raptor iraquiano, o amigo do Doge, que tem pouca força mas voz aveludada, mas compõe bem o papel, naquilo que é possível nesta confusão, deita veneno num vaso que o Doge usa para beber, Ucrânia ao seu melhor estilo, espera-se um final trágico! Aparece o gordo e bebe pelo copo, uma vez que tem sede, a água sabe-lhe mal, pudera, com tanta dioxina, mas se bebesse água da EPAL todos os dias não estranhava.
O futuro genro (alguém duvida), o tenorzeco, aparece e vai para matar o futuro sogro com a faca que o Paolo lhe deu, aparece a enjeitadinha e diz que não, que não, que o senhor gordo está a dormir, e nunca fez sexo com ele, que o amor que os une é mais elevado e lá lá lá...
O gordo acorda do sono induzido pelo veneno, a trama resolve-se e todos se abraçam e o sogro promete perdão ao tenorzeco se este o ajudar. Todos ficam felizes, mesmo o envenenado que já sente os sintomas da morte que se seguirá, lá lá, lá.
Entretanto Paolo é condenado à morte e vai para o cadafalso, O Doge perdoou a todos menos ao ourives reformado (parece que antes andava de jerico a vender sifões, digo, medalhas e fios de ouro à comissão e a crédito) e agora é cortesão, um homem do aparelho político, que envenenou o próprio patrão (onde já vi isto?). No caminho do patíbulo revela ao maior inimigo do Doge, o tal senhor pomposo que é avô da menina enjeitadinha, que ele, Paolo, está vingado: "envenenei o gordo". O senhor indignado diz que o mata já ali à cutilada, mas depois arrepende-se, "não te vou dar esse prazer: malandro, estás reservado ao carrasco, lá lá lá"...
Entretanto o putativo sogro reaparece, muito convincente do ponto de vista teatral e vocal, excelente neste ponto, diríamos, espada à cinta, tudo dentro do palácio, e ameaça o Doge de morte, este abraça-o, "perdoa-me", e diz-lhe que a filha não está morta, a netinha do putativo sogro está viva, viveu até com ele o tempo todo na casa do tal senhor que era amigo dele, chamou-lhe Amélia, que grande Amélia isto me saiu, mas o seu nome é "Simplesmente Maria". Alegria! Alegria! Aparecem todos, todos cantam e louvam o bom coração do gordo que morre caindo calmamente no chão, não sem antes elogiar o genro e abençoar o casamento deste com a sua filha enjeitadinha e o nomear seu sucessor no cargo (??) de Doge. Mas algo não estará errado aqui? Isto no princípio era uma democracia, um Doge plebeu e comunista, no final temos o genro nomeado como herdeiro? Mas afinal estamos na Coreia do Norte ou quê? Todos celebram felizes junto ao corpo morto do jovem gordo que até cantou muito bem.
E fim.

Ah! O gordo era o Simone Boccanegra (Simão Bocanegra), um Doge de Génova do século XIV. Morreu envenenado e tinha um irmão. É a única coisa que se sabe do homem. Sabe-se também que quem inventou esta espécie de porcaria teatral sem nexo nenhum se chamava Francesco Maria Piave. Sabe-se que Verdi detestava o libreto mas o Ricordi, o das edições, o obrigou a rever o texto e Verdi solicitou a Boito, de quem desconfiava a princípio, a fazer esta revisão, Boito não gostou da tarefa, pois achava o texto original um nojo, mas tentou... A cena do conselho deve-se a Boito. A avaliar pelo desempenho dir-se-ia que o Otelo estava ainda muito longe.

A orquestra esteve bem. Os metais foram um pouco rústicos e brutais no dia da estreia. As cordas estiveram bem excepto os primeiros violinos, desligados e desafinados nas passagens mais a descoberto. As violas estiveram muito bem, depois do meio fiasco deste naipe na Valquíria e nos muitos pontos em que surgem em papel de destaque nesta "ópera". Madeiras perfeitas, clarinete baixo de parabéns, clarinete, oboé, flautas, fagotes em belo plano.

Soltan Péskó esteve fraco, este maestro oscila entre o bom do último Wagner no CCB e o péssimo do Wagner de Tristan o ano passado. Neste caso foi pouco denso, dramaticamente foi pouco conseguido, embora o libreto seja trágico e cómico ao mesmo tempo, a música de Verdi é bastante razoável e esse realce não se fez sentir, entradas em falso por todos os lados, umas vezes levantava o braço para dar uma entrada dois compassos antes, outras vezes atacava em cima, outras esquecia-se. Dava a impressão que queria desconcentrar a orquestra e cantores em vez de pilotar o barco! Felizmente a orquestra mantinha-se no seu posto e não ligava ao maestro, entrando no local exacto. Mandou calar o público de forma muito enérgica, os patetas alegres da casa continuam a tentar interromper o fluxo dramático com palmas a meio da música, nesta acção de mandar calar o público teve o seu maior sucesso, a energia com que agitava os braços a elegância do gesto foram marcantes, tem 11 valores por esta decisão enérgica que lhe subiu a nota... Não se percebe a insistência neste maestro irregular cujo cachet supera em muito grandes nomes da regência.

E no próximo post colocarei uma citação de Vianna da Motta, quando começou a fazer crítica no Diário de Notícias em 1924, sobre a ópera italiana e os públicos do S. Carlos de então... Vem a propósito e foi muito duro na época.

Direcção musical
Zoltán Peskó: média-fraca, pelo já exposto.

Encenação
Elijah Moshinsky: muito fraca, não destacou o elemento surreal que a acção e o libreto comportam, foi certinho ao ler à letra o libreto de Piave. Uma boa ideia: a dos grafitti em oposição às inscrições oficiais, o poder do povo versus o poder representativo, mas uma boa ideia não salva a encenação da banalidade).

Cenografia
Michael Yeargan: unitária, cenários que se mantém em todas as cenas, opção económica? Algo massivos no palco do S. Carlos. Muito formais e pouco plásticos, esteticamente discutíveis relativamente ao século XIV.

Figurinos
Peter J. Hall: banais e descoloridos, longe da estética representada.

Desenho de luzes
Clare O'Donoghue: houve desenho de luz?

Simon Boccanegra
Ambrogio Maestri: bom, mas rouco, fez uma composição de grande empenho. Será um grande Falstaff.

Amelia Grimaldi - Maria
Micaela Carosi: gostei, passe embora a entrada algo a frio. Mais detalhado acima.

Gabriele Adorno
Mario Malagnini: excelente e a subir de forma.

Jacopo Fiesco
Enrico Iori: entrou a desafinar nos agudos, mas realizou o papel com rigor e acabou de forma excelente, potência sonora, sensibilidade, excelentes graves.

Paolo Albiani
Johann Werner Prein: Voz de veludo, mas com claras dificuldades vocais para cantar em fortíssimo, pouco pujante, composição do amigo que se torna malandro feita de forma notável.

Pietro
Mário Redondo: Este jovem barítono português começa a merecer um papel mais sólido. Bom trabalho.

Um Capitão
Frederico Félix Antonio: Um papel demasiado pequen o para se poder apreciar, mas pareceu muito nervoso e com a voz um pouco instável.

Aia de Amelia
Luisa Tavares: uma aparição fugaz, mas não comprometeu. Sera necessário escutar mais para fazer uma apreciação mais global desta jovem soprano portuguesa.

Orquestra Sinfónica Portuguesa - Razoável para o bom, com os defeitos apontados.
Coro do Teatro Nacional de São Carlos - A subir de forma, já não hesito em dar 11 valores ao coro, pelo menos nesta produção.

Produção (cenário, figurinos e adereços):
Royal Opera House (Londres): Anódina, banal e a tentar ser certinha historicamente, datada.


24.12.04

Oratória de Natal e Steve Mason 

A Oratória de Natal às postas acabou ontem na Gulbenkian com a interpretação das três cantatas finais, uma vez que no final de 2003 tivemos as três primeiras cantatas. A orquestra e coro Gulbemkian sob a batuta de Corboz, os solistas, bem melhores que os de 2003 foram, do agudo ao grave, Maria Kiehr, Caitlin Hulcup, Cristoph Prégardien e Peter Harvey.
Relativamente a este tipo de interpretação já não tenho ilusões ou desilusões. A música de Bach é sublime e fica relativamente difícil de vandalizar por uma orquestra romântica e um coro mastodôntico dirigidos por um fóssil, esquecendo estes detalhes acabou por ser um concerto agradável.
Pouco subtil o coro, pesado e agressivo, pelo número exagerado de cantores aos gritos. Horrendo o contínuo, com as senhoras dos violoncelos em vibrato disparatado e um contrabaixo sem a menor noção do fraseado barroco, pese embora o esforço para andar em bicos dos pés. Mas tentar colocar aqueles baixos a andar em bicos dos pés é o mesmo que obrigar um elefante a saltar de nenúfar em nenúfar. Oboés fracotes, com o oboé de Swinerton a fraquejar fortemente, aflito, com notas a ficarem dentro do instrumento. Um concertino titular a remar contra a maré tentando uma articulação mais barroca e evitando o vibrato excessivo, mas sem a fluência necessária ao género, acabando por nem ser carne nem peixe. Trompas razoáveis. Orgão displicente, como sempre, na concretização do cifrado, sustentando as semibreves muitas vezes, cortando outras, sem opção lógica que se visse, não realizando as mudanças de acorde quando indicadas apenas pelos números da cifra. Acrescento a ressalva que, nos recitativos da última cantata, foi mais cuidadoso e, neste ponto final, realizou o cifrado com mais rigor.
Uma direcção muito plástica, em termos visuais, de Corboz mas pouco conseguida em termos sonoros, tempos lentíssimos nas partes mais complexas, para o coro se aguentar nas entradas fugadas. E solistas irregulares. Uma passagem pela obra, a impressão que tive ao escutar esta oratória interpretada pela última vez depois de duas interpretações anteriores, como terá sido antes?
Cristina Kiehr mostrou que é inteligente, escolhe bem o repertório, canta o que sabe e dentro do alcance das suas qualidades vocais. No caso da Oratória de Natal, quando lhe põem à frente uma ária como Nur ein Wink von seinen Händen, na última parte, falha estrondosamente, os saltos de sexta e de oitava, sem apoio, para notas agudas, como para um simples fá, ou para o sol, foram confrangedores, um apito em esforço, sem qualquer beleza sonora e aflitíssimo, uma emissão francamente difícil e sem cor nos agudos deslustraram a sua interpretação: o lá que pontifica nesta ária, este com mais preparação que os saltos citados anteriormente, saiu muito feio. Parecia uma míuda do conservatório aflita para cantar uma ária difícil, sem interpretar, apenas lendo. Devia cingir-se ao seu repertório. Ou então cantar apenas com a afinação barroca pois a afinação moderna talvez tenha contribuído para esta pequena catástrofe.
A contralto mostrou uma voz feia e agreste.
Prégardien, geralmente sublime, foi apenas bom, mas parece que está com dificuldades vocais também e patinou em alguns agudos, pouco redondos e sem plasticidade, mesmo assim um dos melhores cantores em palco.
Peter Harvey foi muito bom nas intervenções confiadas ao baixo, um bom barítono a que só falta mais densidade no registo grave para ser perfeito.

O melhor do concerto foi mesmo Steve Mason, o tromba excepcional que a Fundação tem no seu naipe de trompetes. Com o trompete picolo (em ré) foi deslumbrante, nem uma nota fora do lugar, nem uma nota fora de tom. Uma facilidade técnica fantástica, uma facilidade de articulação quase impossível. Já tinha ouvido este trompete anteriormente e sabia das suas qualidades excepcionais, mas ontem ultrapassou tudo o que se pode imaginar. Uma parte complexa, a do último coral, tocada vertiginosamente, com fluência, com beleza sonora, com um tímbre muito bom também. Mason fez sonhar com a música de Bach e valeu todo o concerto. Quando temos um vinte esquecemos as notas mais fracas como o 13 de Corboz, o 12 do coro, o 12 da orquestra, o 9 do contínuo, o 13 do contralto, o 14 de Maria Kiehr, o 15 de Prégardien e de Harvey. Com Mason no trompete a música de Bach mereceu o que o compositor escreveu no final Fine S.D.G. 1734, é que a música aqui chegou ao céu para glória única do Senhor. Que Deus lhe dê um trompete barroco na próxima vez que o escutarmos.

P.S. Saiu uma crítica no Jornal O Público, parece que o autor não assistiu ao mesmo agrupamento a tocar a mesma coisa que nós ontem na Gulbenkian. O elogio ao contínuo é inacreditável, mostra ignorância e complacência. Fazer crítica não é ouvir um concerto e mandar uma bocas depois porque o público bateu muitas palmas... Criticar é servir os intérpretes e o público, requer respeito pela música, pelos músicos e, sobretudo, pelo público que paga os bilhetes.

23.12.04

Um email 

Fui com alguns amigos a um concerto no Coliseu a 3 de Dezembro de 2004, cantavam Elisabete Matos e José Fardilha, dirigia Giuliano Carella. Um programa aliciante com Mozart e Verdi. Orquestra do Norte. Vejamos a impressão que causou o concerto a um dos meus amigos, num email que escreveu à filha a estudar actualmente no estrangeiro e que gentilmente concordou em publicar aqui neste blog:


Lisboa, 4 de Dezembro de 2004
Querida I.:

Ontem fui assistir a um concerto no Coliseu: Elizabete Matos e José Fardilha. Na primeira parte música de ópera de Mozart – Bodas, Tito, Don Giovanni (o catálogo) – e na segunda de Verdi – a ... extraviada, o Ernani ( como o Pinto Basto) o Trovador (Udiste? e por aí fora) e o Macbeth (ópera que adoro) .
Toda a gente tinha a sensação de estar numa sala do século XIX talvez em Itália ou na Roménia ou mesmo em Portugal, mas a viver um filme do Fellini: a sala estava montada para os espectáculos de circo do Natal e no meio desse cenário – a que não faltava uma moto pendurada num balcão, mais os trapézios – estava a orquestra. No público, o Álvaro Cassutto ajudava a compor o quadro surrealista – eu sei que para ti ele é o Álvaro Casusto!!! Mas eu, apesar de tudo, acho que a gente não pode desprezar o pouco que tem.
Mas a música? A música?? A música era também tocada no estilo da popular música das pequenas filarmónicas italianas (do tempo do Verdi). A orquestra era a Orquestra do Norte. Quando me lembro dos concertos que ouvi tocados por orquestras locais de pequeníssimas cidades da Roménia só penso na diferença entre uma mula que apesar de tudo é útil, quando não há melhor, e um cavalo árabe.
Se tivesses assistido tinhas ficado doente e traumatizada por muito tempo com o ar circense do concerto, a que não faltou o público a aplaudir fora de prazo (eu próprio, como que para me sentir ambientado, o fiz antes da Violetta morrer no dueto final da Traviatta; a verdade é que esse duetto não foi mal cantado).
Enfim o que destoava desse ambiente descontraído decimonónico era (imagine-se!!!) um estupor (ou antes uns estupores) de uns microfones (que eu não consegui ver onde estava colocados) que algum arrumador da sala mais imaginativo deve ter decidido pôr a funcionar para amplificar as vozes dos cantores. O Fardilha chegava a ouvir-se de quatro lugares diferentes em grandes quase-uníssonos. Incrível. Sobretudo porque a Elizabete Matos até cantou bem o Verdi (e pessimamente o Mozart) e o Fardilha até cantou bem o Mozart (e pessimamente o Verdi). Quer dizer: do ponto de vista das vozes eu diria que até houve meio-concerto, graças à distribuição que acabo de referir.
O que mais me doeu foi ver a sala do Coliseu (pobrezinha mas compostinha) cheia de borlistas (eu por exemplo) a aplaudir nacionalísticamente dois "grandes artistas portugueses" num espectáculo efectivamente raro, quando afinal se trata de dois artistas a meu ver honestos, sim, e certamente com qualidade mas que devem fazer recitais e espectáculos nos países onde estão – felizmente – a viver, coisas de muito melhor qualidade e sem dúvida em grande quantidade. Mesmo para eles tratou-se de uma recitazinha e sem dúvida que prefeririam, isso sim, integrar uma companhia de ópera que de vez em quando cantasse no S.Carlos.
Em resumo: o espectáculo – realmente entre o circo e a ópera – foi para mim uma tragédia.
Beijinhos do Papá

Paulo


19.12.04

Gesamkunstwerk 

Abre hoje a temporada lírica do S. Carlos, com destaque para compositores italianos e uma ausência notada, e esperada, de Wagner. Hoje o Simão Bocanegra de Verdi, o corsário que chegou a Doge... Uma récita para um público seleccionado pelo BCP, o mecenas exclusivo do Teatro. Mais tarde a estreia para o público vulgar, a 21 de Dezembro, terça feira. Mais uma ópera com libreto pífio em termos teatrais, originalmente de Piave, com versão revista posteriormente por Arrigo Boito. Verdi achava que não tinha tido muito engenho ao compor esta obra vindo a refazê-la posteriormente. Parece que a ópera ganhou bastante com isso, e Verdi também, em termos financeiros este "face lift" foi um sucesso de bilheteira.
Sobre o S. Carlos quero dizer que temos uma temporada pobre, a começar muito tarde, com um orçamento reduzido face ao ano anterior. Seis produções teatrais. Um acto da Walküre em versão de concerto (antes da abertura operática) e uma Dama do Lago de Rossini, com o Flores, em versão de concerto.
Sucessivos governos (desde os tempos do primeiro PSD de Cavaco até ao PS e de novo com este PSD) foram retirando dinheiro ao teatro. A temporada acabou nisto, ao nível dos teatros de cidades de terceira na Europa segundo Jorge Calado (palavras do crítico do Expresso na conferência de imprensa de divulgação da temporada quando se dirigia à decorativa secretária de Estado, Teresa Caeiro). Os cantores portugueses não têm onde começar, sequer, a cantar. Formação de novos públicos não existe. Programa de abertura à comunidade é nulo. Número de récitas ínfimo quando comparado com teatros de província em Espanha, por exemplo.
Uma Direcção que, ainda assim, consegue fazer algumas coisas e manter uma qualidade digna de registo nos poucos programas disponíveis. Com inteligência e alguns golpes de rins.
Mas penúria musical (em termos de ópera e não só) é confrangedora, apesar da inteligência de Pinamonti (director do S. Carlos) e de outros programadores, e da boa vontade de muitos agentes. Um país triste de gente triste cujo divertimento é a "quinta das celebridades" e o futebol. Um país de broncos que fazem gala da sua estupidez e ignorância e odeiam quem é diferente. Os broncos que ocupam os ministérios, que gerem as empresas, que andam de carro a matar outros broncos e uns inocentes que se atravessam no caminho, os broncos que governam Portugal nesta ditadura disfarçada de democracia em que vivemos, a ditadura da estupidez. Portugal está igual aos tempos do D. João VI, onde, para variar, sempre havia alguns jesuítas que tinham voltado depois da expulsão ordenada por esse ogre maldito, mas muito estimado, que se chamou: Sebastião de Carvalho e Melo; Camilo Castelo Branco bem o denunciou no "Perfil...".
Mas está tudo bem, o S. Carlos volta a abrir as portas, final de Dezembro de 2004, um mês enganador, em mais um Inverno de muitos descontentamentos, muitos meses depois da última ópera ter passado pelo palco deste teatro de capital da Europa.

P.S. Finalmente um reparo: não percebo a insistência anual e repetida num compositor fraquíssimo, datado, musicalmente repetitivo, e cheio de tiques de mau gosto, como Massenet e o esquecimento de Wagner ou Bizet?
E falo de ópera a sério, encenada, e não de uns actos desgarrados em versão de concerto.

Gesamkunstwerk

Morreu Renata Tebaldi 

Notícia do Publico. A notícia parece verídica, não esqueçamos que o Público já "assassinou" várias grandes personalidades. Carlo Maria Giulini, de acordo com o Público, morreu pelo menos duas vezes. Uma numa notícia exclusiva dedicada ao seu passamento, outra dando-o como morto...

Renata nasceu em Pesaro, terra de Rossini, em 1922, foi uma das maiores cantoras do século vinte, Toscanini, que sempre gostou de belas jovens, apreciava muito Renata Tebaldi, lançou-a, aos 24 anos, no concerto de abertura do pós guerra do Alla Scala.

Tebaldi já não cantava há muitos anos, mas fica sempre um nó na garganta ao recordar as Traviatas e as Toscas que cantou ao longo de 32 anos nos melhores teatros do mundo. Fica mais um vazio no mundo do canto, ultimamente tão falto de grandes cantores e de grandes personalidade como a eterna jovenzinha de Pesaro que tinha tido poliomielite aos 3 anos e que conseguiu superar as suas dificuldades físicas com uma persistência notável... Tebaldi cantou quase todos os grandes papéis de soprano lírico (e mesmo dramático) do repertório operático.

Cantou obras de:

Giacomo Puccini (Tosca, Bohème, Buterfly)
Giuseppe Verdi (Força do Destino, Traviata, Aïda, muias outras)
Alfredo Catalani
Umberto Giordano (Andrea Chenier)
Arrigo Boito (Mefistófles)
Gioachino Rossini
Wolfgang Amadeus Mozart
Charles Gounod
Francesco Cilea
Pietro Mascagni
Amilcare Ponchielli
Richard Wagner
Johannes Brahms
Jules Massenet
Gaetano Donizetti
Vincenzo Bellini
Riccardo Zandonai
Christoph Willibald Gluck
Gustave Charpentier
Arturo Buzzi-Peccia

Trabalhou, entre outros, com:

Alberto Erede
Mario del Monaco
Carlo Bergonzi
Tullio Serafin
Fernando Corena
Piero de Palma
Lamberto Gardelli
Ettore Bastianini
Giacinto Prandelli
Fausto Cleva
Giuseppe di Stefano
Francesco Molinari-Pradelli
Gaetano Merola
Cesare Siepi (que saudades)

17.12.04

Mersenne 1588 - 1648 


Falei num texto anterior do "grande Mersenne", não precisei o sentido do que queria dizer, explico um pouco da vida e obra deste grande pensador e cientista.

Marin Mersenne estudou em Mans, estudando depois no colégio Jesuíta de La Fleche. De 1609 a 1611 estudou teologia na Sorbonne. Foi contemporâneo de Galileu e de Schütz. Homem pós tridentino, nem por isso deixou de ser um universalista, de ter uma curiosidade enorme e uma capacidade de trabalho notável.

O mérito da extraordinária educação Jesuíta pode-se encontrar em Mersenne. Outros nomes que me ocorrem dos méritos da educação Jesuíta são Franz Ignacius von Biber e Zelenka, mas regressemos a Mersenne. A educação jesuítica, dada em latim, ou "ratio studiorum" constava do trabalho preparatório, o chamado "trivium" que constava de gramática, dialéctica e retórica, o "quadrivium" que se seguia constava de aritmética, geometria, música e astronomia. Estes estudos formavam pensadores, oradores, músicos e cientistas.
Se pensarmos em Vieira, em Mersenne, em Biber ou em Zelenka entre tantos outros percebemos a tremenda influência intelectual, filosófica e cultural, deste sistema de ensino.

Evidentemente Mersenne toma ordens em 1611, torna-se pároco em Paris, Place Royal, em 1612. Era conhecido e amigo de Fermat e Pascal entre muitos outros, correspondeu-se com os mais eminentes filósofos e matemáticos da época. Defendeu Galileu e Descartes contra os próprios teólogos da Igreja que acusavam estes pensadores de serem heréticos.

F. Marini Mersenni ordinis minimorum S. Francisci de Paula. Quaestiones celeberrimae in Genesim, cum accurata textus explicatione. In hoc volumine athei, et deistae impugnantur, et expugnantur, & vulgata editio ab haereticorum caluminiis vindicatur. Graecorum, & hebraeorum musica instauratur. Francisci Georgii Veneti cabalistica dogmata fuse refelluntur, quae passim in illius problematibus habentur.. Cum indice quadruplici (1623)

Foi o tradutor de Galileu e graças a Mersenne o grande italiano foi conhecido em todo o mundo.
Para religioso e teólogo não está mal.
Deu a ideia de se usar o pêndulo como medida do tempo, o que inspirou Huygens a inventar o relógio de pêndulo.
Estudou os temperamentos na música, as cordas vibrantes, na matemática estudou os números primos, números divisíveis apenas por si próprios e por 1, estudando em particular o que hoje se chama um primo de Mersenne, ou seja um número do tipo

2p-1

em que p é um número primo. Nota-se que nem todos os números desta forma são números primos, por exemplo com p=11 o número obtido não é primo, uma descoberta do século XVII!

O 41º, deste tipo de números, foi descoberto em Maio de 2004 e é o maior número primo conhecido até hoje! Éo número 224,036,583-1. Ver press release.

O sonho de Mersenne era encontrar uma fórmula para todos os primos. Não conseguiu, ninguém o conseguiu, mas os seus estudos foram fecundos e abriram muitos campos de investigação que ainda hoje se percorrem. A teoria dos temperamentos foi desenvolvida por Mersenne, as suas ideias inspiraram Leibnitz, intersectaram Kepler, e tantos outros que se seguiram. Em particular defendia que a música era pura matemática dos sons, uma ideia retomada mais tarde por Leibnitz e aproveiada por Biber na prática última da sua criação musical. O próprio Bach não é imune a estas ideias (está em preparação o post: números em Bach II).


L'Harmonie Universelle (1636)
Cogitata Physico-Mathematica (1644).
Traité d'harmonie universelle (1627), um texto fundador de acústica, teoria musical, organologia e matemática da música.

F. Marin Mersenni.. Harmonicorum libri in quibus agitur de sonorum natura; causis, et effectibus : de consonantiis, dissonantiis, rationibus, generibus, modis, cantibus, compositione, orbisque totius harmonicis instrumentis.. opus utile grammaticis, oratoribus, philosophis, jurisconsultis, medicis, mathematicis, atque theologis

Fermat, Huygens, Pell, Galileo e Torricelli são apenas alguns dos correspondentes de Mersenne.

Consultar:
http://www.musicologie.org/derm/mersenne.html

16.12.04

Partituras gratuitas 

Na internet já existe um acervo razoável de partituras on-line em formatos diversos. Na Diapason deste mês saiu a tabela que pode consultar em
Tabela de sites com partituras on-line e gratuitas.
Alguns dos sites são excelentes e bem conhecidos dos músicos. Mas, para quem desconhece e necessita, deixo aqui o link. De notar que muitos sites anunciam partituras de domínio público como gratuitas numa tentativa fraudolenta de obter clientes para partituras pagas. Os sites constantes da tabela acima fornecem realmente parituras gratuitas.


15.12.04

Cordas Vibrantes 

As cordas pinçadas, com densidade linear ró e comprimento l sujeitas a uma tensão T vibram em diversos modos de frequências sobrepostas de acordo com a expressão que o grande Mersenne (que também estudou os temperamentos) descobriu:

Com n=1 temos a frequência do modo fundamental, que dá a altura da nota, seja ela da guitarra ou da da harpa. Os valores de n>1 correspondem às frequências dos harmónicos superiores à frequência fundamental da nota.

A potência sonora é proporcional à densidade linear da corda. O ressoador, caixa da guitarra, da harpa, do cravo, é muito importante. No entanto a potência sonora emitida por um instrumento deste tipo não passa de um watt, (em casos muito excepcionais chega a este valor).
Como a potência depende da energia cinética dos modos de vibração da corda, e esta energia, para um mesmo elongamento inicial, é proporcional à densidade linear da corda, a potência sonora é


em que K é uma constante.

O segredo para aumentar a potência sonora de um instrumento de corda é simples: aumentar a densidade linear das cordas e ao mesmo tempo a tensão, o rácio entre as duas grandezas mantém-se constante, os modos não se alteram, a geometria não se altera. Usar cordas mais pesadas por unidade de comprimento! Exemplo: aço no piano. Mas numa harpa, a corda de aço tem inconvenientes, é difícil de pinçar, sujeita a alta tensão torna-se muito difícil de executar, magoa os dedos... Por outro lado o som não resulta ideal em muitos casos. A corda de aço tem tendência a responder de forma não linear, ou seja a equação para as frequências com n>1 desvia-se do modelo que Mersenne descobriu. Os harmónicos mais elevados ficam desafinados! É o que se passa aliás no piano. Num instrumento como a harpa seria extremamente complexa a afinação nestas circunstâncias, e as(os) harpistas já passam a vida a afinar. Tensões elevadíssimas estão fora de questão. Além disso a corda de tripa suporta tensões muito elevadas, tão elevadas como o nylon que é também muito usado! Uma boa corda de tripa pode ter uma potência sonora superior a uma corda de nylon, material pouco denso. Apenas nas cordas mais graves, muito espessas, o aço tem lugar importante conferindo resistência à corda. É evidente que muitas experiências sobre o assunto foram feitas e muitos materiais foram usados. Actualmente experimentam-se materiais compósitos. No meio destas hipóteses o que fazer? Pode-se pura e simplesmente aumentar a tensão sem variar o comprimento das cordas do instrumento e sem alterar o material das cordas, o ouvido humano é mais sensível às frequências mais elevadas! Sem aumento de potência temos aumento de audibilidade. Com os materiais actuais suportam melhor as tensões (mesmo com cordas de tripa a técnica melhorou) é exactamente isso que tem acontecido com a subida gradual do diapasão dos instrumentos desde os 415 médios no barroco aos 440, 441, 445 que se podem encontrar hoje...

Não quer isso dizer que uma harpa hoje se ouça mais, relativamente à orquestra, do que há cento e trinta anos, toda a orquestra subiu de audibilidade e de potência sonora! Creio que a resistência dos materiais à tracção e a espessura das cordas podem ter aumentado, no máximo, 10% a 15% no decurso do último século, por consequência uma harpa hoje poderá ouvir-se com mais 10% a 15% de potência sonora. O equilíbrio é difícil uma vez que o nylon, em geral, é menos denso que a tripa! Se se se usarem cordas de aço (com a tal tensão muito menor que nas cordas do piano) podemos ter mais rendimento, mas numa taxa marginalmente superior, pelos condicionamentos citados. Acabamos por ter cordas mais grossas e sujeitas a maior tensão, mas que não dão muito mais som do que as antigas, um paradoxo que tem como principal razão a resistência da polpa dos dedos e das unhas dos seres humanos... Um martelo de piano não sofre quando percute uma corda sujeita a uma tensão de 1000N (cerca de 100 Kgf). Imagine-se um harpista a tocar continuamente, dia após dia, numa harpa com tal tensão nas cordas.
E o som, no meio disto tudo? Já experimentou beliscar uma corda de piano? Reparou no som produzido? É surdo e abafado. Cordas muito tensas reagem melhor à percussão dos martelos. Cordas menos tensas podem ser dedilhadas com uma sonoridade agradável.


Ópera no Teatro Aberto 

O Teatro Aberto continua em forma no capítulo musical, pudemos assistir a algumas canções (ciclos Viagem aos Alpes e Cantos do Fim do Ano) e a um bom trabalho na encenação de João Lourenço da Ópera de Câmara "Uma Questão de Confiança", obras de Ernst Krenek (1900-1991), com cenário modulares sobre rodas, que se articulavam empurrados por dois homenzinhos de chapéu vestidos de fato preto, inspirados por Magritte. Um João Paulo Santos a tocar piano, como bem sabe, e um grupo de quatro cantores, Ana Ester Neves, Carlos Guilherme, Catherine Rey e Luís Rodrigues.
Os actores de chapéu foram Carlos Pisco e Cristina Rodrigues. Os cenários foram ideia do próprio João Lourenço, os figurinos ficaram a cargo de Maria Gonzaga.

A ópera muito bem encenada, e com uma ideia cenográfica muito inteligente para um orçamento, provavelmente, muito baixo. Eu sou um pouco suspeito pois tenho uma predilecção especial pelo pintor belga. A ópera viveu de cantores/actores bem preparados, com vozes colocadas no lugar. Todos os cantores são melhores actores/cantores do que meros cantores e cultivadores da pura vocalidade.
Nota-se sobretudo em Catherine Rey (soprano) que tem um tímbre francamente desagradável no lied, pouco encorpado, esganiçado diria mesmo, mas acaba por cumprir bem o trabalho numa encenação operática embora mesmo que não esquecendo a sua articulação ofegante e um pouco em stress que me desagrada.
Ana Ester Neves (soprano), tem um tipo de voz encorpado muito mais denso que Catherine mas parece-me que tem harmónicos fora das frequências normais, recomendaria uma análise espectral da voz para perceber o que se passa com esta cantora, parece-me uma questão nervosa, as cordas vocais entram em tensão e respondem inarmonicamente, este efeito é notório no registo médio (onde os harmónicos presentes são muito audíveis) o que no lied soa como se cantasse continuamente desafinada, crispadamente, para que os leitores me entendam, numa imagem mesmo assim pouco exacta. Na ópera, mais solta, mais à vontade no papel esta característica atenuou-se e acabou por ter uma composição muito competente.
Carlos Guilherme é um tenor regular mas bom actor, cumpriu com merecimento na ópera, no lied foi francamente fraco, agarrado ao papel, leu em lugar de interpretar, mostrou que não está à vontade no género canção em língua alemã.
Como actor cantor compôs um papel em que oscilou rapidamente entre o burlesco convencido e o despeito de se ver superado no engano que tinha preparado ao marido da sua putativa amante...

Luís Rodrigues (barítono) surpreendeu, foi francamente bom no lied, a canção Politik foi mesmo o ponto alto da primeira parte. O seu fraseado está mais redondo, menos sacudido, do que nas últimas oportunidades em que ouvimos o cantor. O seu "legato" está claramente melhor. A sua potência vocal foi elevada sem gritar. Interpretou com convicção o texto, liberto do papel e do texto passou a interpretar em vez de ler. O ponto alto nas duas partes deste domingo no Teatro Aberto.

A direcção de João Paulo Santos na ópera foi segura e muito certa no piano. A introdução inicial, o andante da suite opus 26, com um desacerto menor, foi também tocada com energia e sonoridade cativante.

Uma palavra para a obra de Krenek: a ópera é muito mais complexa musicalmente do que parece à primeira vista. Está muitíssimo bem construída, a caracterização musical dos personagens é sublinhada de forma muito subtil, mas está lá. O frenético e inconstante Richard (Guilherme), o ponderado, meditativo, aparentemente desconfiado e, de certo modo, hesitante Edwin (Rodrigues). As suas mulheres, Gloria (Catherine Rey), leviana, sonhadora mas inconsequente, irritante mesmo, um papel muito adequado ao tímbre seco e, também, irritante de Catherine Rey ao passo que Ester Neves no papel mais denso de Vivian é também muito bem sublinhada pela música, o seu tímbre com mais corpo é, curiosamente, o ideal para a serena e auto-confiante mulher de Richard. Muito bem escolhidas estas duas vozes. Vivian dificilmente parte mas quando se decide nada a faz parar. João Paulo Santos esteve bem neste papel de oráculo musical, nesta obra dodecafónica (com citações suavizantes) por um Krenek que é uma surpresa positiva para muitos.

Resumo: uma primeira parte pouco conseguida por falta de motivação da maior parte dos cantores para o lied. Uma segunda parte operática de qualidade elevada.

Vendo o meu Piano 

É com muita pena que me desfaço do meu querido piano. 18 anos a aturar os meus dedos, escalas, Czerny, fugas, sonatas. Sempre se portou muito bem e deliciou os convidados. Mas vou mudar para um espaço onde ele mal cabe. E experimentar agora um vertical. Quem vai ser o seu novo dono?



Um piano 1/4 cauda Sholze óptimo estado e excelente som, 1986.
Preço: 5000 euros.
Contacto: claramacedocabral@hotmail.com

Clara

Surpresa negativa na Gulbenkian 

Ver um trabalho excelente de Jordi Savall e companhia ser estragado por uma amplificação sonora horrenda, desfazada, com eco, distorcendo as vozes dos cantores, sobretudo de Monserrat Figueras, não só amplificando como reforçando o registo médio desta cantora. Interferindo negativamente na percepção do texto e da música, com ruídos parasitas, fontes sonoras alternativas em que o som vinha ao mesmo tempo dos músicos e dos altifalantes, criando uma sensação de desconforto total. É evidente que é muito mais fácil assim, é evidente que a mulher de Jordi Savall já não tem a voz de antigamente, aliás nunca teve uma voz fantástica, mas estes "projectos" começam a cheirar a esturro. Parece que não passam de mecanismos promocionais para os discos da editora de Jordi Savall que precisa de lenha para alimentar a fogueira, que é como quem diz: a conta bancária.
Se Savall tinha alaúdes a menos, que utilizasse mais, se a harpa não se ouvia (outra vez a harpa!) que contratasse mais harpistas. Para ouvir a música de amplificadores e altifalantes de má qualidade, ainda por cima com o efeito manhoso de um eco adicionado tecnicamente, fico em casa a ouvir o CD, igual ao concerto, que Savall lançou recentemente, ao menos tenho um Leak. Já bastava a música pop ter ruído em vez de música, mercê de amplificações exorbitantes e desnecessárias. Um trabalho de reconstituição musical dos textos do tempo de "Isabel a Católica" transformada numa "Isabel em Cólica".
Mau demais para ser verdade, quase uma anedota. Fica a pergunta:

Qual a marca dos amplificadores, colunas e microfones, das Capelas de Isabel e Fernando?

Recuso-me a fazer qualquer crítica sobre um concerto em que foi servida uma versão falseada e disparatada por amplificação electroacústica da música do tempo de Isabel a Católica. Começo a duvidar do rigor histórico de uma reconstituição musical feita por Jordi Savall a partir de textos fragmentários e de linhas vocais encontradas em cancioneiros. Alguém que vende gato por lebre em termos sonoros, isto numa sala com uma acústica óptima como a da Gulbenkian, será capaz de recorrer ao gosto fácil e não ao estudo profundo na reinterpretação das obras?...


13.12.04

Mais dois orgãos restaurados em Mafra 

Sábado, dia 11 de Dezembro foi dia de festa em Mafra. Quatro dos seis orgãos de Mafra estão de novo a tocar. Os dois que tinham sido restaurados anteriormente e agora mais dois orgãos em estado novo, mas refeitos com materiais da época. A arte da organaria portuguesa revive através do grande Dinarte Machado.
O concerto foi de festa com 2500 pessoas na Basílica do Convento de Mafra!
Os quatro organistas e o coro, com a direcção de Roque Amaro, interpretaram obras de frei José Marques da Silva, Giovanni Gabrieli, Felix Mendelssohn, William Blake e Bach. Infelizmente o concerto não foi tão bom como o trabalho de Dinarte Machado, mas não vamos precisar muito, tratou-se de um dia de Festa Grande e não queremos deslustrar.
Pedimos apenas aos artistas, que são capazes de fazer, que, de futuro, preparem melhor ocasiões deste tipo. Uma coisa é um jogo cénico engraçado, os cantores disfarçados de frades a circular pelas naves da Basílica, outra coisa é um trabalho musical profundo, digno do espaço, dos orgãos e do trabalho de todos os organeiros que prepararam, ao longo de séculos, acabando na equipa de Dinarte Machado, alguns dos melhores e mais belos instrumentos que existem por esse mundo.
A ocasião merecia mais, talvez mais tempo de preparação das obras... isto refere-se a todos os intérpretes, sem excepção.

O exemplo de Mafra é único, Salzburg, que é comparado frequentemente a Mafra, não tem um conjunto tão belo como este, apesar do instrumental da sua Catedral, culminando com um gigantesco orgão construído já no século vinte, perfazer cinco instrumentos relativamente grandes (pelo menos um é muito mais pequeno que os de Mafra), mas que não correspondem a um todo coerente, são orgãos de diversos períodos e de construções diferentes.
O apoio mecenático do Barclays foi decisivo e deve ser enaltecido. Um trabalho de mérito da Dra. Margarida Montenegro (directora do Monumento) e de toda a equipa que está a levar a cabo esta obra maior de recuperação do património.

Parabéns

12.12.04

A propósito das harpas e Wagner 

A Harpa moderna com pedais e dupla acção deve-se a Erard (1811), na imagem um modelo de 1818, célebre também pelos seus pianos, hoje em dia as Harpas da orquestra seguem as linhas que Erard traçou em 1811 numa das suas mais importantes patentes para o desenvolvimento da música que um único construtor realizou, num instrumento com milhares de anos. Wagner conhecia certamente a harpa Erard, em 1858 visitou Paris e conheceu a viuva de Erard e tomou contacto com os instrumentos Erard. Classificou o piano desta casa como muito belo. Transcrevo cartas de Wagner sobre o assunto (o piano de cauda), no final citam-se as fontes.

Pode-se ver um detalhe de uma harpa de 1817 e a harpa completa nas imagens seguintes, repare-se na estrutura fortíssima da harpa de Erard, capaz de suportar tensões elevadíssimas. Os cálculos da potência radiante de uma harpa destas são fáceis de calcular, uma vez que a dimensão das cordas e a afinação não mudaram desde 1811. A variação no material das cordas corresponde, pelos meus cálculos, a um ganho de apenas 10% a 15% de potência sonora! Mas terei de consultar tratados que estudem o assunto para ter uma opinião mais fundamentada. Ou seja, se Wagner usou seis harpas, ou mesmo sete, e se gritava durante os ensaios que não se ouviam e incentivava os músicos para que tocassem mais forte, ficaria certamente satisfeito com os 10% a 15% a mais de energia obtida na produção sonora, mas não prescindiria certamente do efeito das mesmas seis harpas. Porque razão Wagner pede apenas duas harpas no Parsifal, obra posterior para o mesmo fosso de Bayreuth, com as harpas da mesma construção de que dispunha para a Tetralogia? Porque a ideia musical das duas obras foi diferente, porque o uso das seis harpas é necessário na sua concepção sonora do ciclo do Nibelungo. A única resposta possível.
Repare-se que a potência global da orquestra também aumentou em proporção. Em 1865 ainda se usavam (e continuaram a usar-se) cordas de tripa nos instrumentos de corda. O material dos metais e dos instrumentos de madeira também melhorou. A percussão também. Quem conhece um instrumento de sopro de 1870 e um de hoje percebe a diferença imediatamente. Creio que as seis harpas se justificam plenamente. No final do primeiro acto da Walküre as duas anémicas harpas que estiveram no Coliseu, com Thielemann, e no CCB, com Peskó, não se conseguiram ouvir junto dos metais, madeiras e cordas em plena força, um total desequilíbrio sonoro. Wagner apenas coloca duas linhas nas harpas, harpa I,II, e III (juntas )e harpa IV, V e VI (também juntas). Foram usadas sempre as duas harpas quando a partitura pede apenas uma linha sonora, as harpas neste caso dobravam a primeira linha. Se bastasse uma harpa para assegurar cada linha, a segunda harpa poderia calar-se nesses pontos sem prejuízo do volume sonoro. Porquê duas harpas a tocar o papel da primeira harpa? Repare-se que também existe apenas uma linha para os 16 primeiros violinos e os 16 segundos violinos (aqui estiveram menos 2 do que o indicado na partitura, o que também é grave), por esta ordem de ideias quando se inventasse um violino (quiçá amplificado) se dispensassem os violinos todos e passasse a tocar apenas um por linha, juntando-se o segundo ao primeiro quando a respectiva parte tivesse compassos de espera! Um absurdo? Claro que sim, como é um absurdo tocar com menos de seis harpas!

É evidente que é caro, ter seis harpas para se fazerem ouvir em cerca de cem compassos, se tanto, mas está escrito na partitura e ou se faz como Wagner pediu, ou se apresenta uma espécie de obra adocicada sem respeitar a ideia do compositor com argumentos que servem apenas para mascarar a incapacidade financeira para apresentar a obra na sua plenitude.
Porque imaginar que se pode tocar o final do primeiro acto com duas harpas apenas, e em partes separadas, e estas se conseguem ouvir, porque hoje terão mais som que as harpas do tempo de Wagner, é incorrer num erro musical e musicológico.

Se se deitar uma olhadela à entrada das seis harpas percebe-se o que se quer dizer, no segundo compasso da imagem encontramos: 3 flautas, 3 oboés, corne inglês, 3 clarinetes em sib, um clarinete baixo em sib, 3 fagotes, 4 trompas, 1 trompete, 3 trombones e 1 trombone contrabaixo, tímbales, 6 harpas em harpejos, 16 primeiros violinos, 16 segundos violinos 12 violas, 12 violoncelos, 8 contrabaixos, tudo em fortíssimo! O motivo mais importante é o das harpas, os harpejos dão a textura essencial deste momento mágico em que Sigmund canta "Herz", Coração, num sol rutilante de força e de sofrimento. A grande porta abre-se, escreve Wagner pouco acima. Mais à frente, a estes instrumentos, juntam-se mais dois trompetes e o trompete baixo. Este ponto é o momento mágico em que tudo se descobre, o amor se torna claro, o poder se torna claro, a natureza entra pelo palco adentro e invade o teatro, o espectador maravilhado, deslumbrado, esmagado. Um ponto de viragem absoluto dentro da ópera e no drama. Seis harpas! Inusitado? Megalómano? Talvez, mas também único. Revelador, deslumbrante, simbólico, dramatismo em todo o seu esplendor! Motivado e profundo.
Alguém acredita que duas harpas podem dar a força deste momento? Alguém acredita que Wagner exige aqui menos do que as seis harpas, intelectualmente, musicalmente, teatralmente não há qualquer razão filosófica para utilizar um menor número. Apenas economia barata e desrespeito pelo compositor. Thielemann falhou, o S. Carlos falhou, neste ponto. Rotundamente. A economia não justifica o desrespeito. A má tradição não justifica uma rotina errada.


As cartas de Wagner não acrescentam muito à questão das seis harpas na Tetralogia, basta a partitura aliás, mas é leitura muito interessante e mostra que Wagner conhecia a harpa moderna, uma vez que a casa Erard ganhava mais dinheiro com as harpas do que com os pianos, havendo muitas harpas nos seus salões e sabe-se como Wagner era curioso relativamente a instrumentos. Mas o assunto até é pacífico, porque todas as orquestras dispunham de harpas modernas, com pedais de dupla acção e estrutura reforçada antes de 1850. Noto também que a crítica espanhola criticou Thielemann por faltarem mais quatro harpas em palco na Walküre de Wagner (Novembro em Madrid) onde actuou apenas com duas.
Transcrevo as cartas de Wagner por serem muito interessantes e uma curiosidade para quem se interessa por estas questões. O piano de Wagner...



Richard Wagner an Julie Ritter

Zürich, 11. Mai 1858

O, Sie liebe teure Freundin! – Dass ich wieder Ihre Handschrift sah, hat mich innig erquickt; es konnte mir kein lieberes und schöneres Geschenk gemacht werden, als diese gesegneten Zeilen von Ihnen. Sie können nicht ahnen, welche Leiden ich wieder durchlebt habe, – wie traurig, trotz des lachenden Frühlings, alles um mich herum aussieht; und ich will Ihr liebes, teilnehmendes Herz auch nicht damit quälen, dass ich Sie in diese Trostlosigkeiten blicken lasse! – Genug, dass ich Ihnen sage, wie auch meine Frau endlich in einen höchst qualvollen Gesundheitszustand geraten ist; durch falsche Behandlung Ihres Arztes, gegen das ich immer und je vergebens warnte, hat sich ein seit Jahren oft bei ihr wiederkehrendes Leiden schliesslich zu einer Herzkrankheit ausgebildet, die für sie diesen Winter einen so peinigenden Charakter annahm, dass sie endlich jetzt Häuschen und Garten aufgab und eine gründliche Kur angetreten hat. Seit vier Wochen ist sie bei Dr. Erismann in Brestenberg*), dessen Bekanntschaft ja auch Frau Julie im Geleite ihres Mannes machte. Bei dem guten Erfolge, den ich dem Dr. Vaillant bei Genf verdanke, und der mich nun schon seit zwei Jahren von jeder anderweitigen ärztlichen Behandlung emanzipiert hat, suchte ich meine Frau ebenfalls für eine Kur unter der Leitung dieses vortrefflichen Arztes zu bestimmen; da uns jedoch ein Freund den Dr. Erismann besonders auch empfehlen konnte, zog sie die Nähe von Zürich vor, und nach dem bisherigen Erfolge, der bei so schrecklich ausgebildeten Nervenleiden natürlich nur sehr langsam sich herausstellen kann, glauben wir richtig gewählt zu haben. So ist denn nun zunächst wenigstens äussere Ruhe um mich herum entstanden, wenn auch meine Sorgen nach jeder Seite hin mich nicht verlassen haben. Was ich aber schon von dieser Seite allein her diesen Winter ausstand, kann nur derjenige begreifen, der den Charakter solcher Herzleiden kennt. Bei beständiger Schlaflosigkeit stellt sich da endlich ein so furchtbarer Grad von Aufgeregtheit, Schwarzsichtigkeit und heftiger Laune ein, dass ich offen gestehe, wie mir, der ich so gern mich einzig auf mein Haus beschränke, dieses zur wahren Hölle gemacht wurde. Statt dass an mir die Nachsicht und Milde ausgeübt wurde, deren ich bei meinen beständig angreifenden Arbeiten und bei meiner reizbaren Gemütsstimmung sosehr bedarf, hatte ich auch noch die Aufgabe, in jedem Worte und Blicke auf diese Sorge selbst bedacht sein zu müssen, ohne dadurch meist nur den Zweck solcher Überwindung erreichen zu können. – Jedenfalls verträgt auch meine Frau im Winter dies einsame Leben nicht; sie kann sich selbst nicht genügend unterhalten und bedarf der äusseren Zerstreuung. Nächsten Winter soll sie jedenfalls in Deutschland, – Dresden, Berlin, Weimar – leben, während ich vermutlich nach Paris gehe. Wie sehnsüchtig ich auch unter diesen Umständen meine Amnestierung wünschen muss, können Sie sich leicht denken; alle meine Arbeitslust stockt endlich, wenn ich immer nur für das Papier arbeiten muss; und da ich nimmermehr eines meiner neuen Werke ohne mich zuerst aufführen lassen würde, so entsteht auch hieraus für mich eine Lähmung und Stockung der bedenklichsten Art. Hierzu kommt empfindliches Ausbleiben jeder Art von Einnahmen in der letzten Zeit, Bangigkeit und ewige Unsicherheit, sodass Sie begreifen können, mit welch eigenem, wunderbaren Gefühl ich die fortwährenden Beweise Ihrer Treue und Teilnahme empfange. Dieses Stille und sich stets Gleiche Ihrer Freundschaft für mich zeigt mir gerade jetzt wieder das echteste Gut, das mir zuteil geworden. Ich kann nicht sagen, wie Sie mich rühren! – Nun aber hatte ich auch um Sie so grosse Sorge. Die letzten Nachrichten Emiliens über Ihren Gesundheitszustand waren so höchst betrübend und niederdrückend, dass ich, als ich nun Ihre Handschrift sah, Sie wie neu für mich geboren fühlte. Darf ich annehmen, dass Sie mit dem Frühling sich ein wenig besser befinden? Ach, hätten Sie mir doch darüber eine recht bestimmte Versicherung zukommen lassen! Vielleicht geschieht es noch, wenn ich recht inständig darum bitte. Sie in wenigstens erträglichem Zustande zu wissen, und dadurch mir die Hoffnung erhalten zu sehen, Sie noch wieder begrüssen zu können, ist für mich noch so eine reine Freude, deren ich mich getrösten dürfte. Ich habe mich vor einigen Monaten an den Dresdener Hof wegen Erlaubnis zur periodischen Rückkehr nach Deutschland gewendet; Antwort habe ich nicht bekommen, aber man sagt mir, nächstes Jahr solle die Amnestiefrage für Sachsen erledigt werden. Somit muss ich mich gedulden.

Im übrigen verlässt mich eigentlich alles, oder vielmehr, ich sehe, dass auf nichts, auf keine mir zuzeiten eröffnete Aussicht besondrer Teilnahme irgendwelcher Verlass war; alles ist stumm und überlässt mich meinem Schicksale. Im vergangenen Januar machte ich einen kurzen Ausflug nach Paris – eigentlich fast nur, um mir eine Diversion für meine beklemmende häusliche Lage zu gönnen! – Aussichten für dort habe ich wohl gar nicht; man faselte viel davon, dass die Pariser Theater sich nächstens mit mir würden befassen müssen; doch konnte ich diese Notwendigkeit nicht erkennen, und ob sie mich suchen werden, muss ich sehr dahingestellt sein lassen, wogegen ich nur das eine bestimmt weiss, dass ich – sie nicht suchen kann. Doch machte ich einige angenehme Bekanntschaften, die mich für diesmal etwas mit dem französischen Geiste versöhnen; vor allem erwarb ich mir ein ganz unschätzbares Geschenk: Madame Erard**) verehrte mir einen herrlichen Flügel, der vor 8 Tagen bei mir angekommen ist, wie der Schwan des Grals, um mich wieder in das Land zurückzuführen, in dem ich einzig heimisch sein soll. Nun habe ich auch wieder die zuletzt lange unterbrochene Komposition des Tristan mit dem 2. Akte aufgenommen; o, könnte ich ungestört bis zur Vollendung dieser sosehr mir an das Herz gewachsenen Arbeit darein mich versenken und nichts von den gemeinen und schrecklichen Qualen meines Daseins, wenigstens bis dahin, empfinden! –

Nun will ich Ihnen schliesslich doch noch ein recht freundliches und erhebendes Abenteuer berichten. Auf meiner Winterreise nach Paris versäumte ich mich in Basel, und war genötigt, in Strassburg einen halben Tag und eine Nacht zu verbringen; wie ich durch die Strassen schlendre, lese ich auf der Theateraffiche ein Stück angezeigt, und darunter, mit grossen Lettern, die Ouvertüre zum Tannhäuser, mit der die Aufführung begonnen werden sollte. Ich erhielt zufällig einen Platz nahe am Orchester, aus welchem mich einige Musiker von Zürich her erkannten und schnell von meiner Anwesenheit ihren Kollegen und dem Dirigenten Mitteilung machten. Ich erwartete mit banger Spannung die Ausführung: es war das erstemal, dass ich seit lange ein Orchester wieder hören und überhaupt eine Komposition von mir, von andren dirigiert, vernehmen sollte. Zu meiner angenehmsten Überraschung wurde aber sehr gut, ja manches vorzüglich gespielt, fein nuanciert und alles schwungvoll vorgetragen, sodass eine heftige Rührung und tiefe Erschütterung über mich kam; namentlich hatte der ernste Pilgergesang am Schlusse für mich eine tiefe, feierlich Bedeutung. Wie denn nun am Schlusse applaudiert wurde, erhob sich das Orchester mit seinem Dirigenten***) an der Spitze zu mir gewandt mit lautem Beifall und Ovationsbezeugungen, wodurch das Publikum mich gewahr wurde und schnell begriff, wer ich sein mochte, so dass ich nun, in helle Tränen ausbrechend, mich einer öffentlichen Huldigung ausgesetzt sah, wie ich sie nie erlebt. Schnell musste ich das Haus verlassen. –

Sehen Sie, so geht es einem: immer tief unten, und kommt’s dann einmal – hoch oben, auf wunderbarer Höhe! –

Nun Tausend herzliche Grüsse an die lieben, geliebten Ihrigen! Dank, innigen Dank für Ihre himmlische Freundschaft und reiche Segenswünsche für Ihr Wohlsein!

Ihr

Richard Wagner.

_________
*) Badeort im Aargau
**) Witwe des Pariser Klavierfabrikanten Pierre Erard
***) Kapellmeister Hasselmann

Quelle: Richard Wagners Briefe an Frau Julie Ritter (hg. Siegmund von Hausegger), München 1920, p. 130-134.

«Zum ersten Male machte ich unter Franzosen sympathische Bekanntschaften»

Richard Wagner an Prinzessin Marie Wittgenstein

Zürich, 8. Februar 58.

Mein Liebstes Kind!
Ich ging recht beruhigt und selbst erbaut von Paris fort. Zum ersten Male machte ich unter Franzosen sympathische Bekanntschaften, was mir zuvor fast undenklich schien. Hierzu rechne ich die Familie Hérold, in die mich Ollivier* einführte; dort lebte der Tannhäuser, den man in Wien – zur grösster Zufriedenheit – und in Berlin – zum grossen Missvergnügen gehört hatte. Der innige Enthusiasmus dieser Familie war mir höchst überraschend.

Selbst der Familie Erard wusste ich ziemliche Wärme abzugewinnen;... Unter so günstigen Umständen glückte es mir auch leicht, Madame Erard einen schönen Flügel für mich abzugewinnen; ich darf ihn in 4 bis 6 Wochen erwarten, und Bruder Franz wird nun bei mir dem Stolze, schlechte Klaviere so zu behandeln, dass sie wie gute klingen, nicht mehr fröhnen können. Ich freue mich auf den Ankömmling ungemein. Madame Erard aber habe ich die Dedication meiner ersten in Paris erscheinenden Oper versprochen. Ollivier ist, wie Sie kennen gelernt haben werden, von der einnehmendsten Liebenswürdigkeit; sein Benehmen gegen mich ist über alles Lob erhaben... Ueberhaupt habe ich ein recht wohlthätiges Gefühl namentlich auch aus meinen diesmaligen Pariser Wahrnehmungen gewonnen: ich bin ein geliebter Mensch! ...

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Richard Wagner an Freunde und Zeitgenossen. Herausgegeben von Erich Kloss. Berlin und Leipzig 1909 (Schuster & Loeffler). S. 213 ff.
[* Emile Ollivier, französischer Minister des Auswärtigen, früher Advokat in Paris. Schwiegersohn Liszts (er hatte Liszt Tochter Blandine, Cosimas Schwester, geheiratet).]

Richard Wagner an Karl Klindworth, Venedig, 31. Oktober 58.

Mein Lieber Freund!
... Was meine Gegenwart betrifft, so muss ich diese ganz erträglich nennen. Venedig sagt mir sehr zu. Seit Ende August bin ich hier eingetroffen, und bewohne hohe Zimmer in einem alten Palast am Grossen Canale, wo mein nachgesandter Erard vortrefflich klingt. Karl Ritter ist – ohne Frau – mein einziger Umgang; sonst lebe ich gänzlich zurückgezogen. Diese Ruhe ist mir sehr wohlthätig und heilsam...

Leben Sie wohl! Seien Sie schönstens gegrüsst von Ihrem Richard Wagner.
Canal Grande
Palazzo Giustiani
Campiello Squillini, No. 3228."
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Quelle: Richard Wagner an Freunde und Zeitgenossen. Herausgegeben von Erich Kloss. Berlin und Leipzig 1909 (Schuster & Loeffler). S. 231 ff.

Richard Wagner an die Gräfin Pourtalès

Penzing bei Wien, ? Mai 1863.

Theuerste, hochverehrte Frau Gräfin!
Erst jetzt gelange ich zu einiger Maassen gesammelter Stimmung, um edelsten Pflichten des Herzens obzuliegen!...
Meine Rückkehr nach Deutschland hat mir nun klar und hell gezeigt, dass ich für die öffentliche Bethätigung meiner Kunst auf keine Unterstützung zu rechen habe...
Während nun so mancher deutsche Fürst auf meine Kunst etwas gibt und laut sein Interesse für mich bezeugt, bleibt mir nichts übrig, als mich ganz auf mich selbst zurückzuziehen, und um dies nur zu können, von meinem Dirigententalent den Vortheil zu ziehen, dann und wann durch Conzertaufführungen in Russland die genügenden Mittel zur Subsistenz mir zu gewinnen! – Gestehen Sie, hochverehrte, dass mich das mit Bitterkeit erfüllen muss! – So habe ich mich denn nun auf unerhörten Umwegen (an den Grenzen Asiens hörte man nun die Musik meiner Walküren! –) wieder soweit gefunden, dass der Erard, der einst eine so edle Zuflucht bei Ihnen fand, wieder hergerichtet dasteht, und die Meistersinger wieder auf dem Pult liegen. Ich habe wieder begonnen – : und um Ihren Segen, Sie Gütige, Edle! bewerbe ich mich nun! Sprechen Sie einen mitleidig tiefen Zauberspruch aus, der mich banne an meine geliebte Arbeit, und alles Elend und gemeine Sorge der Welt so weit von mir halte, dass ich ihr bald einst mein heiteres Werk zuführen kann! Sie bedarf’s auch! – Ich küsse Ihnen mit dankender Inbrunst die Hände und bleibe stets Ihr allergetreuester Diener Richard Wagner 221. Penzing bei Wien (? Mai 1863).

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Quelle: Richard Wagner an Freunde und Zeitgenossen. Herausgegeben von Erich Kloss. Berlin und Leipzig 1909 (Schuster & Loeffler). S. 349.


11.12.04

S. Carlos vence tarefa difícil 

O Teatro de S. Carlos vence a tarefa relativamente difícil de conseguir uma interpretação de um solitário acto da Walküre de Wagner. Apresentado em versão de concerto, ou seja, duplamente amputado do seu sentido original no fluxo de um drama completo e sem ser encenado. Sabe-se que Wagner chegou a fazer o mesmo, por dificuldades financeiras, e que este acto é dos mais independentes no contexto da Tetralogia. Também não é dos momentos mais complexos para a orquestra dentro da Tetralogia de Wagner, não querendo dizer que é obra fácil, mas o terceiro acto da mesma obra é bem mais complexo, e nem sequer se trata da cavalgada que inicia o acto, mas da incomensurável tensão, da vertiginosa caminhada de Wotan, e do momento de uma terrível exposição das cordas no final quando Wotan se despede de Brünnhilde na montanha cercada pelas chamas...
Neste brevíssimo, por falta de tempo, comentário quero dizer que o concerto da Orquestra Sinfónica Portuguesa foi de nível elevado e que os cantores foram do melhor que se pode encontrar em qualquer teatro do mundo. Gambill, Sigmunde, apesar de rouco (talvez se trate de um resfriado) foi soberbo, o fraseado apropriadíssimo, o sentir do texto, o domínio absoluto da partitura, tinha uma estante à frente mas não virou uma única vez qualquer página (!) o sentido da entrada, a expressão de angústia quando pede ajuda ao pai, Wotan. O tremendo final em que revela a espada e comete incesto com a sua irmã gémea, Sieglinde, é um momento de enorme poder sonoro, pena a ligeira rouquidão que lhe apagou os harmónicos mais elevados tornando a sua voz um pouco surda, pouco metálica. Limitou-se a desafinar algumas vezes em entradas fora de tom, são detalhes que se perdoam atendendo ao enorme tenor que tivemos ontem no CCB.
Elisabete Matos surpreendeu pela capacidade vocal Wagneriana, mostrou-se um soprano dramático de grande envergadura, musical, inspirada na colocação da voz no ponto certo e mais apropriado ao texto, densa, pujante, um papel trabalhado ao detalhe, estudado nos seus aspectos mais subtis. A precisar de mais duas ou três récitas para atingir a desenvoltura total e uma fluidez absoluta, curiosamente foi dos cantores a única que precisou de seguir as suas linhas a partir do papel que tinha em frente. Quando cantar como Gambill (e Fink) com o papel completamente decorado conseguirá, certamente, dar essa imagem de total liberdade que faltou ontem. Comete ainda o erro de atrasar notas sustentadas para ter o prazer de se escutar e interrompendo o fluxo sonoro e o ritmo. Um tique que tem de ser combatido a todo o custo. Wagner não é Donizetti. Mas compensou com momentos de grande beleza, que chegaram a comover, instantes mágicos que nos lembram os tempos heróicos da ópera Wagneriana. A parte mais lírica do momento de amor que precede o final da ópera, de grande intensidade, foi também tocante, emocionante. Elisabete Matos provou que é uma cantora de uma qualidade superlativa em qualquer parte do mundo.
Para Fink, Hunding, apenas uma palavra: Olímpico!
O homem certo no lugar certo, um baixo inspirado, conhecedor da obra, profundo, rutilante e vibrante nos agudos, denso nos graves, com um sentido total das frases e da interpretação, de uma potência surreal, raivoso nos momentos certos, pomposo onde devia ser. O mau carácter de Hunding revelado à mais íntima fracção! O melhor dos cantores em palco, se é que se pode dizer isso do concerto de ontem.
A direcção de Peskó esteve segura, foi o primeiro concerto em que pude assistir ao maestro a conduzir a orquestra com o nível que o seu currículo deixava ver anteriormente, não foi capaz da energia e capacidade de propulsão de um Thielemann, semanas antes no Coliseu, não foi capaz de imprimir uma tensão dramática profunda à orquestra, faltaram densidades, nomeadamente nas notas mais sombrias dos metais. Mas esteve seguro, leu bem o texto, seguiu a partitura com correcção. Creio que estudou a fundo o papel, desta vez, e conseguiu superar os obstáculos levando a interpretação a bom porto. A crítica negativa que tem tido por parte da imprensa portuguesa pode ter estimulado o trabalho, que se mostrava desinteressado, deste maestro húngaro. Os parabéns ao maestro por este concerto.
Orquestra: cuidado trombones com a afinação, o trompete baixo esteve bem nos solos mas deixou de se ouvir nos pontos em que confere tensão com notas ponteadas aqui e ali, não se deve confundir simplicidade musical com falta de importância da frase. O trompete solista esteve luminoso, as madeiras estiveram muito bem (com detalhes de coesão e melhorar), o oboé deslumbrado com a beleza do tema que tocava (a espada) atrasou um pouco e ficou sem tempo para articular o motivo que se seguia. Num ponto muito localizado faltou coesão nas frases partilhada por clarinetes e oboés, mas num concerto público isto é apenas um detalhes. O clarinete baixo esteve perfeito. Bom o corne inglês.
As cordas foram desiguais, os violoncelos foram irrepreensíveis, Irene Lima com um solo muito bom deu-nos a perspectiva correcta do amor condenado que se avizinhava. Faltou massa neste naipe porque em vez dos 12 que Wagner pediu apenas 9 estiveram em palco, um número ridículo de instrumentos face ao efectivo orquestral global. Repare-se que estavam em palco oito contrabaixos! Apenas mais um violoncelo não marca qualquer diferença. Esse aspecto foi notório no prelúdio e na parte final do acto. Os contrabaixos estiveram também em belo plano.
As violas estiveram mal, o som foi fraco, pode-se dizer que foi mesmo feio, depois de ouvir a sonoridade deste naipe da orquestra da ópera de Berlim dias antes, densa, encorpada, substantiva, coesa; foi confrangedor ter de escutar entradas desligadas, sonoridades anémicas, sons feios, harpejos apenas vistos pelos arcos e não ouvidos com coesão e densidade, não se trata de dar apenas as notas certas, de não trocar entradas, trata-se de som, de plasticidade, faltaram ontem.
Os violinos estiveram bem, afinados, mas faltou som, beleza de som e ao mesmo tempo faltou peso nos violinos nas partes tecnicamente mais complexas do final do acto em que, cada vez que a dificuldade técnica subia, menos se ouviam os primeiros violinos. Notei que o tal concertino auxiliar que tocava apenas com a ponta do arco no concerto da Universidade Nova, tocou com o arco todo neste concerto! Do mal o menos...
Se o concertino principal se preocupasse menos em entrar depois da hora para receber palmas de vaidade e circunstância se preocupasse em fazer o naipe tocar mais coeso e com maior elegância sonora, talvez cumprisse melhor o seu papel. Mas apesar destes considerandos tanto as violas (estas pior) como os violinos acabaram por ter uma prestação positiva, mas inferior à do conjunto.
Os metais estiveram muitíssimo bem, uns pequenos excessos aqui e ali mas com muita dignidade. Os tímbales foram também irrepreensíveis. Sobre as harpas falo mais tarde, bem como de Alban Berg e outros detalhes.

Um concerto em que os erros apontados foram menores. Uma interpretação global de grande dignidade, deu prazer ouvir Wagner pela OSP e por estes cantores, com esta direcção. Mas o trabalho tem de continuar, o Tristan do ano passado cairá em saco roto se não se fizer uma encenação, o segundo acto da Walküre espera-se, o terceiro, o Siegfried, etc, etc...
Tenho a impressão que esta orquestra, com a correcção de muito pouca coisa como tocar com instrumentos melhores e substituir o concertino principal, começa a poder ser uma orquestra de nível internacional. Tem também de tocar mais liberta e a arriscar mais. A comparação com Thielemann e a Ópera Alemã de Berlim é inevitável, a OSP, atendendo ao pouco tempo de estágio com Wagner, esteve praticamente ao mesmo plano, os cantores ontem no CCB, comparados com os que se ouviram há uns dias, foram incomparavelmente melhores. O maestro Peskó não tem o arrebatamente de Thielemann, é mais sereno e não tem a queda para Wagner do alemão, que aprofundou a direcção deste compositor ao limite, mas foi digno e conseguiu uma boa condução.


7.12.04

Soares faz oitenta anos 

A grande Referência do Portugal Democrático, do Portugal político, faz oitenta anos.
É curioso que a referência, hoje, seja precisamente este Mário Soares.

Agora um assunto bem mais importante que o aniversário desta espécie de bonzo da democracia, ou que o folhetim Santana e santanetes. Hoje foi divulgado um relatório da OCDE sobre educação, o relatório (ver aqui sumário em inglês) PISA. De notar que o país melhor cotado é a Finlândia, onde a educação é gratuita do pré-escolar ao doutoramento. À atenção dos liberais e associados. Os Estados Unidos ocupam uma modesta posição na matemática. Mesmo assim superior à portuguesa. Mesmo com o Soares (será que ele serviu para alguma coisa) estamos na cauda da OCDE, consolação: a Turquia está pior. Mas a Ucrânia está melhor!

Uma nota sobre a Walküre 

Ontem, numa breve troca de impressões sobre a instrumentação de Wagner para a Walküre levantou-se a dúvida das seis harpas. Depois de uma pesquisa rápida na internet descobri um livro sobre os ensaios de Bayreuth por Heinrich Porges, que esteve presente em 1876. Parece que na interpretação do Götterdämmerung Wagner usou mesmo sete harpas e não seis! E, constantemente, gritava que os glissandos não se ouviam, e que tocassem mais forte.
É de encomendar e ler o Bühnenproben, para tirar a limpo. A edição crítica da partitura (casa Schott), muito recente, deve também ser elucidativa.
Wagner dizia que a orquestra deve ser uma espécie de mar onde as vozes flutuam, a orquestra deve sustentar as vozes, às vezes de forma mais tormentosa, mas sempre sem submergir o barco. As vozes e a audiçao do texto, a sua inteligibilidade são fundamentais, se necessário deve-se reduzir a velocidade de execução para deixar respirar melhor o texto e o público poder assimilar o drama. "O drama acima de tudo".

Porges era músico e muito culto, Wagner pediu-lhe expressamente que anotasse todos os detalhes que pudesse escutar durante os ensaios para que as suas concepções não fossem adulteradas no futuro...

Aspectos a não esquecer durante a audição: ouvir o trompete baixo, é essencial para criar a tensão dramática. Notas sombrias prenunciam tempestades tremendas. Espadas escondicas em tonalidade menor anunciadas de forma trágica pelo som escuro e denso deste instrumento, essencial na textura orquestral de Wagner. É necessário um excelente trompetista (pode ser um trombonista) para fazer esta parte. E necessário que o maestro explique bem o sentido das frases e o leifmotiv de cada solo, de cada nota, de cada momento de crise que se anuncia, quase invariavelmente, pelo trompete baixo, afinado uma oitava abaixo dos outros trompetes.
Ouvir o primeiro trompete: temos de estar preparados para escutar com clareza os anúncios que o trompete solo nos momentos culminantes de exaltação da descoberta de Nothung encerrada no ventre da árvore, o trompete tem de ter uma clareza cristalina e uma fluência e facilidade de emissão notáveis.
O violoncelo deve cantar as angústias do amor condenado num solo de nostalgia profunda, mas com o sentimento do amor profundo e inexorável. A escutar com atenção, bem como as partes em divisi em que os violoncelos se desdobram em vozes de um lirismo apaixonado.
Não esquecer também de ouvir as violas que harpejam de forma dolorosa no tour de force tremendo do "Winterstürm" de Siegmund, isto muito depois dos sessenta compassos (3/2) iniciais (prelúdio) em que fazem um trémulo sempre no mesmo ré (!) (deve ser muito maçador de tocar). As violas sofrem muito na Walküre, mas o seu tímbre de mel tem de se escutar, não só nestes harpejos como também nas passagens em que Wagner exige o seu contributo como voz condutora.
O clarinete baixo tem um papel importante, a ouvir o veludo nos temas dos Walsung.
A precisão no momento em que se anuncia a entrada de Hunding será decisiva nos metais, densidade e coesão são necessários. Nada de entradas esborrachadas que estragariam todo o efeito sonoro.
Todos os metais serão decisivos no final do primeiro acto, a música entra em colapso nervoso em tempo frenético, propício a todos os desencontros. O imenso orgasmo final deste acto (nas palavras do saudoso João de Freitas Branco) será um teste à capacidade dos metais de tocarem com corpo sem rasgarem a sonoridade.
Mas "acima de tudo o drama", é na interpretação, na criação de sonoridades, de tensões e distensões, na capacidade de criar um fluxo em crescendo de tensão, rebentando numa clarificação final que é apenas um recomeço de outras tensões, outros dramas mais profundos e intensos que terão lugar no segundo acto, que a interpretação da obra tem de mostrar o que vale. Pequenos falhanços aqui e ali são infinitésimos face à escala imensa da proposta do compositor. Foi neste ponto crucial que a leitura de Peskó, o maestro que vai interpretar esta obra na próxima sexta feira no CCB, falhou redondamente no Tristan que dirigiu no ano passado. Um maestro que não dominava a partitura da obra, que se perdia, que nem sabia onde entravam os cantores e dava entradas em falso, não conseguindo dominar a macro estrutura da obra, arruinou a interpretação da obra mais profunda de Wagner.
Esperamos do fundo do coração que não aconteça o mesmo com a Walküre nesta sexta feira. A bem da nossa Orquestra Sinfónca Portuguesa. A bem do futuro da ópera em Portugal, a bem dos extraordinários cantores, Gambill e Elisabete Matos, que poderão ser fantásticos se não forem perturbados por uma direcção frágil e tosca.

H.S.

4.12.04

Do significado dos números em Bach, I 

Bach via os números como os homens do seu tempo, Leibnitz, antigo aluno da escola de S. Tomé, bem antes do tempo de Bach, afirmou que a música era "um cálculo inconsciente da alma".

Leibnitz Leipzig - 1646, Hannover - 1716

Kepler (1571-1630) acreditava na música das esferas, e associava as órbitas dos planetas a certos intervalos, por exemplo a órbita de Marte estava associada ao número 3/2 que é a relação ideal entre a frequência do dó e a do sol, ou entre qualquer nota e a que está uma quinta perfeita acima.

J. S. Bach levou bem longe este cálculo, que deixou de ser inconsciente para passar a ser um cálculo preciso da alma. Mantendo a alma.
Se se disser que 3 é o número da Trindade, o número do Céu, representando o Pai, o Filho e o Espírito Santo, não se dá novidade a ninguém. O triângulo também representa o céu com a sua Trindade.
O 7 e o 12, são números que surgem inúmeras vezes na Bíblia. Bach conhecedor profundo dos textos sagrados não o ignorava. Sete são os dias da semana, os dias da Criação. Sete eram os planetas que Bach conhecia. Sete eram as portas de Jerusalém. Três mais quatro, 4 o número da terra, com os quatro elementos, os quatro pontos cardeais, os quatro cavaleiros do Apocalipse, quatro Evangelhos, três mais um, três sinópticos mais a quarta dimensão, a do Evangelho de João. Três, o número ímpar, feminino, quatro o número par, masculino; a sua adição representa a Criação, sete dias, sete planetas. São sete os salmos penitenciais. A reunião da Terra com o Céu: a plenitude. Sete notas da escala diatónica.
O produto de três por quatro é o número simbólico dos apóstolos (nunca se provou que eram factualmente 12), os apóstolos que virão no dia do Juízo Final julgar as doze tribos de Israel. 12 é, pois, o número da Igreja e ao mesmo tempo o número do juízo final. 12 portas terá a Jerusalém Celeste após o Apocalipse. Doze são as horas, doze são os meses. Doze são os signos do zodíaco. O inteiro Universo está contido no 12, espaço e tempo. O produto do feminino e do masculino, o todo. O cromatismo total, sem as limitações da escala diatónica. O ciclo completo, fechado na oitava, com doze sons implícitos reunidos num ciclo de duplicação das frequências. 7 é a Criação, 12 o Juizo! Sete são, no entanto, a últimas palavras de Cristo, o fim, mas também o princípio de uma "Boa Nova" que virá a abalar o mundo antigo influenciando para sempre os destinos da Humanidade...
Se acrescentarmos o número 1 para Deus uno, o 2 para a dualidade Pai-Filho, Divino-Humano, teremos quase toda a construção numérica do tempo de Bach. Falta referir que o 10 é o número mosaico dos Dez Mandamentos, o número da Lei. 20 representará a união da Lei Terreste e da Lei Divina!
As potências reforçam a força dos números.
Vejamos o Gloria da Missa em si menor, três partes, a Trindade, ritmo ternário. Et in terra pax, ritmo quaternário, Trindade e Terra, 3 e 4. Credo a 7 partes, Terra mais Céu. 27 são as partes do Clavier Übung III, 3 ao cubo. A potência reforça a força do número, a Trindade multiplicada três vezes por si própria!

Continua...

Bibliografia - F. Smend; Johan Sebastian Bach bei seinem Namen gerufen, Kassel, 1950.
Cantagrel, Gilles, Bach en son temps, Fayard, Paris. 1997.
Cantagrel, Gilles, Le Moulin et la Rivière, Fayard, Paris. 1998.
J. Kepler, Harmonices mundi libri, Linz, 1619.

Schweitzer, Albert, Bach. Dover editions, 1966. Os livros de Schweitzer têm de ser vistos no contexto do seu tempo, o endeusar de Bach leva a esquecer o factor humano e a integração do homem no seu tempo. Bach não é o quinto evangelista, obviamente. Mas são, mesmo tendo em conta estas considerações, textos notáveis sobre um compositor assombroso.

Um site sobre números e Bach: http://www.sectioaurea.com/bach.htm


3.12.04

Sampaio esquece segunda figura do estado 

Sampaio esqueceu-se que o que iria fazer era a dissolução da Assembleia e não a demissão do Governo. Assim seria da mais elementar elegância e ética democrática informar o Presidente da Assembleia, a segunda figura do Estado, de que iria dissolver o respectivo orgão! Será que Sampaio, preocupado em humilhar Santana, cheio de vontade de puxar as orelhas do menino birrento que ainda se julga na incubadora, acabou por se comportar de forma irresponsável e incompetente.
Esqueceu-se também de informar os portugueses do que vai fazer?
Saberá Sampaio que somos nós que lhe exigimos essa hombridade? Esquece Sampaio que é um funcionário eleito para respeitar e servir os cidadãos? Um funcionário importante, que deve honrar o cargo e respeitar aqueles que lhe pagam o vencimento para ser garante da democracia e da legalidade democrática. Ter-se-á esquecido Sampaio destes factos básicos? Ou será que também temos na presidência um menino birrento e chorão com cabelo cor de cenoura?...

Elegância? Ética? Sentido da Reesponsabilidade? Esquecimentos? Enfim, Sampaio não precisou de aprender nada com Santana...

2.12.04

Chamamos a atenção para concerto no Coliseu 

Amanhã, sexta feira, pelas 21h30m, a soprano Elisabete Matos e o barítono José Fardilha interpretam obras de Verdi e Mozart, a direcção é do maestro Giuliano Carella à frente da Orquestra do Norte.
Parece-me que promete ser um bom concerto, sobretudo pelas vozes envolvidas e pelo programa.
Mais detalhes no no site do Coliseu.

1.12.04

Restauração 

Hoje celebra-se duplamente a restauração. Mas sem embandeirar em arco: depois do caos deste Santana Lopes espera-se a bandalheira do PS. Vitorino saiu da cartola, tipo gnomo mágico, um anão gordinho e sorridente pronto para todos sebastianismos, mas que nunca concretiza nada.
Por outro lado o presidente não precisa de ter qualquer justificação para dissolver a assembleia. Precisa, sim, para demitir o primeiro ministro. De qualquer modo as instituições não estavam a funcionar. Basta ver como o governo tratou a Alta Autoridade para a comunicação social. Poderia ter demitido pura e simplesmente Santana e convocado eleições de seguida com um governo digno desse nome, sem problemas constitucionais.
Mesmo com todas estas contingências hoje temos uma espécie de restauração. A restauração de uma certa dignidade democrática na vida política portuguesa.
O PP, por arrastamento, cai. E creio que sem grandes faltas da parte deste partido. Com a traição clara do PSD ao PP, feita em congresso, o pequeno partido pode tirar dividendos desta traição, sobretudo se Santana liderar o PSD na próxima campanha eleitoral.
Prevejo que Santana, o político incompetente de Cavaco, nunca mais terá lugar na política portuguesa, mas o homem tem muita lata. Um pequeno playboy como Santana que não sabe fazer nada, não tem alternativa sequer de emprego, de modo que vai tentar uma chance no futuro, mas sem grandes hipóteses de voltar à chamada "grande política" que, bem se sabe, é geralmente baixa política.

Santana não tem sentido de estado, foi desleal, não tinha capacidade de coordenação, foi errático, desmentiu-se a si próprio, e aos outros, sistematicamente, desmarcou tomadas de posse para ir a festas, é ignorante, é inculto, é preguiçoso no estudo dos dossiers, não está preparado para qualquer função, não tem formação académica. Os autistas não querem ver, Sampaio viu demasiado tarde. Mais vale tarde do que nunca.

A cultura, a ciência, a educação, estão de parabéns. Talvez por pouco tempo.


Mas a restauração verdadeira desta coisa será dada pelo grande intérprete destas questões: os eleitores. Se a coligação, por absurdo, for reconduzida, Sampaio dará força democrática a quem governou através do voto popular. Se o PSD de Santana for varrido pelo voto popular, prova-se que Sampaio teve toda a legitimidade. Creio, com toda a convicção, que a segunda hipótese é a certa. Não se trata de legitimidade formal, trata-se de legitimidade dada pelo povo e por eleições, que é quem deve ter a palavra nestas questões. Clarifica-se a situação e ponto.



A verdadeira Restauração ocorreu em 1640 e é essa que relembro e se celebra hoje. A guerra triunfante contra a potência de Castela e que durou cerca de trinta anos. Os portugueses foram capazes em 1640 e em muitos outros momentos, serão também capazes no futuro.

Outra restauração, um pouco mais caseira, é a da inclusão de blogues de boa qualidade na coluna dos destaques, como Textos de Contracapa (e o governo caiu com benzina!) que não estava na coluna da direita por manifesto esquecimento, o Diário Atheísta (que é um pouco fanático e fundamentalista nas sua sanha) que é altamente estimulante, parabéns pelo ano que celebrou ontem, e o Pula Pula que tem provado com o tempo ter qualidade para ser uma leitura interessante.


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