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30.11.04

Viva Portugal - A Ucrânia está pior 




Quando saí de Lisboa, no último Verão, para a minha habitual volta pela Itália, Áustria, e Baviera, na altura dos Festivais de Verão, manifestei aqui a minha esperança de que Santana Lopes não fosse primeiro ministro no meu regresso... Sentiria, e senti, vergonha por ter como primeiro ministro um fulano tão incapaz, tão boçal, tão ignorante como Santana Lopes. Uma desgraça, previ então.
Foi uma desgraça, uma desgraça para Portugal, uma infâmia de quatro meses que ofendeu as pessoas sérias que ainda existem neste país. Com o beneplácito e complacência de Jorge Sampaio. Ao contrário do que diz o, também incapaz, Sócrates, o único responsável pela crise actual foi Jorge Sampaio. Se Jorge Sampaio tivesse a menor percepção política, teria percebido a incapacidade total de Santana Lopes para governar o que quer que fosse. Parece que foi deliberado, por parte de Sampaio, ter permitido que Santana Lopes fosse primeiro ministro. Como diz o padre moralista Francisco Louçã: "era uma vergonha para Portugal que, sem ter sido eleito, Santana pudesse governar o país por mais dois anos".
Quem permitiu, viabilizou, apadrinhou esta solução miserabilista foi outro incompetente que ocupa o palácio de Belém e que passará à história sem honra nem glória. Sampaio fez Portugal perder 4 meses. Afinal atendendo ao que Portugal já perdeu nos últimos duzentos anos até nem é muito. É a medida de Sampaio. Se tivesse convocado eleições na altura certa, ou se tivesse exigido Manuela Ferreira Leite como primeiro ministro não estaríamos agora com este Santana Lopes a "governar" até ao Carnaval.

Penso que Santana Lopes deveria ser demitido e nomeado um governo de gestão, o regular funcionamento das instituições está em perigo, até pela incompetência desta gentinha, não confio nesta gente para preparar o país para eleições.

O PSD também deveria convocar um congresso rapidamente para levar outro líder a eleições. É ofensivo para um partido com a história e tradição do PSD ter como líder o mais incapaz político que governou aqui desde os governos de D. Maria II, como diria o saudoso Sousa Franco...

Afinal Portugal já sobreviveu a males bem piores. Se nos serve de consolação: "A Ucrânia está pior".

Henrique Silveira


29.11.04

Lopes Graça 

Morreu faz agora dez anos. Foi um homem notável e um bom compositor, um dos maiores do século vinte português.
Agora que o evento decorreu e uma horrível gripe me impediu de ir à Reitoria ouvir o requiem à memória das vítimas do fascismo, acrescento que respeitar a memória do compositor seria ter também solistas a cantar dignos da obra de Lopes Graça.

A utilização da mezzo Liliane Bizineche é quase uma ofensa à memória de Lopes Graça. Penso que há alturas em que as pessoas devem ter o tino de se saberem retirar. O mesmo se aplica ao honorário (a propósito de quê?) maestro da OSP, Zoltan Péskó, mas isso são contas de outro rosário.


Ben Heppner 

Na passada semana Ben Heppner brindou-nos com um recital na Fundação Calouste Gulbenkian. É irónico que um cantor wagneriano nos tenha dado um recital com Tosti, por exemplo, e na segunda feira anterior Thielemann tenha trazido um abominável cantor como Gould, para fazer um Siegmund totalmente incapaz e pouco amadurecido (ou amadurecido em demasia). Vejamos o programa:

Ben Heppner (tenor)
Craig Rutenberg (piano)

Edvard Grieg
Seis canções op.48

Jean Sibelius
Vilse, op.17 nº 4
Till kvällen, op.17 nº 6
Soluppgang, op.37 nº 3
Var det en dröm?, op.37 nº 4
Flickan kom ifran sin älsklings mote, op.37 nº 5
Säv, säv, susa, op.36 nº 4
Svarta rosor, op.36, nº 1

Piotr Ilitch Tchaikovsky
To bïlo ranneyu vesnoy, op.38 nº 2
Zakatilos solntse, op.73 nº 4
Nam zvyozdï krotkiye siyali, op.60 nº 12
Net, tol’ko tot, kto znal, op.6 nº 6
Otchevo?, op.6 nº 5
Den li tsarit?, op.47 nº 6

Francesco Tosti
Entra!
Chitarrata abruzzese
Io ti sento!
Ideale
L’alba separa dalla luce l’ombra

Seguiram-se três extras: um italiano (Tosti?), Preislied dos Meistersingers de Wagner e um pedaço da uma opereta de Lehar.

A pujança de Heppner é tão grande que sempre que inspira sente-se um tremendo vácuo na sala. É precisamente a respiração que dá a Heppner uma enorme capacidade de consumar um fraseado longo, sem soluços.
Heppner tem uma voz enorme, pujante, muito brilhante nos agudos, mas, curiosamente, capaz de cantar no registo piano com elegância.
A afinação poderia ser melhor, Heppner tacteia sistematicamente a afinação correcta, sendo o registo médio o mais complexo para este cantor. Os graves são profundos, abaritonados e saudáveis. Em termos vocais Heppner é um perfeito tenor heróico. O peso e a pujança da voz, a facilidade nos agudos, bem tirados do peito, a possibilidade de puxar pelos harmónicos mais graves, devido à vastidão da caixa toráxica e à dimensão do seu corpo, tornam Heppner num dos poucos tenores aptos para qualquer papel de Wagner, exepto talvez Mime e Logge...

Heppner interpretou de forma notável o alemão de Heine e seus pares nas seis canções de Grieg, elegância, fraseado, sentido dramático, foi superlativo nas duas últimas, Zur Rosenzeit nada mais do que de Johann Wolfgang von Goethe e Ein Traum (um sonho) de Bodenstedt. Heppner fez sonhar nesta última.
Em Sibelius, Heppner foi muito correcto, mas creio que não tão inspirado como no alemão das canções de Grieg.
Em Tchaikovsky Heppner foi demasiado linear, lendo verso a verso as estrofes e quase declamando as frases. Repare-se que utilizou papel neste caso, provavelmente devido ao russo. Creio que aqui se ressentiu desse facto, parecendo muito a declamar as palavras, a ler, em vez de reinterpretar o texto. Heppner apenas se descontraía no final das frases em que retirava os olhos do papel para olhar, olhos nos olhos, o público.
Em Tosti foi triunfante, foi alegre, foi canto puro e prazer total na melodia. Esqueceu a representação da prosódia e cantou alegremente, num italiano algo rudimentar em que trocou mesmo algumas palavras. Mas que importa quando se tem o prazer de ouvir um cantor a sério. Um cantor que até tem bom gosto.

Um piano bem aberto, o de Rutemberg, um gorduxo simpático (em cima do palco estavam uns bons duzentos e cinquenta quilos de músicos), integrou-se muito bem no recital, formando um duo quase perfeito com Heppner. Bom sentido do tempo, ritmo muito certo, deu a certeza da linha musical a Heppner. Timbres muito belos e subtileza no toque e fraseado muito bem coordenado com o cantor. Pena umas notas esmagadas que não tiram lustro à sua actuação. Este pianista, se não faz dieta, qualquer dia não chega ao teclado!

Os extras tiveram a sua apoteose no Preislied de Wagner, notável performance em termos puramente sonoros. Penso que a linha melódica poderia ter sido mais redonda e menos declamada frase a frase, mas é questão de gosto.

Um recital magnífico com muito pouco público. As palmas e os bravos no final de cada canção de Tosti, por um sector do público muito limitado, e perante umas imbecis tentativas de silenciamento por parte dos pseudo bem pensantes, foram um refresco salutar na monotonia cinzenta do público da Gulbenkian...
Não se percebe este público. Em qualquer sala do mundo Heppner teria a casa esgotada. Em Lisboa só o Vengerov e a outra enchem a Fundação para recitais com piano?

A Gulbenkian precisa urgentemente de renovar o público dos concertos, apesar de programas de alto nível o público continua a envelhecer a olhos vistos e a desaparecer a pouco e pouco, sobretudo na música de câmara e recitais. Que tal oferecer bons bilhetes, ou a preços baixos, a escolas, universidades, fazer sessões de preparação para esse público antes dos concertos? Um recital em alemão poderia ter estudantes de alemão, de literatura, de música. Penso que assim se poderia criar um certo vício, um bichino por estes finais de tarde na Gulbenkian que, por exemplo, têm alegrado a minha vida desde desde os meus 10 anos de idade, ou seja desde há quase trinta anos. Sempre que tenho um recital de boa música de câmara ou de canto, sinto o meu dia mais feliz, e mais longo, com a expectativa do repouso, da maravilha da partilha da música num dos melhores locais do mundo. Vale a pena o esforço de ir a um bom concerto.

27.11.04

Maestros, chefes de naipe, empresários e Wagner 

Como se pode constatar na partitura original da Walküre de Wagner as exigências da orquestração estão escritas pelo punho do próprio Wagner, isto para se evitarem as chamadas poupanças de empresários pouco escrupulosos e de maestros manhosos.

Clicar na imagem para ver ampliação.

Repare-se na exigência de seis harpas, repare-se no paralelismo entre violas e cellos, 12, e entre os primeiros e segundos violinos, 16.

Thielemann desrespeitou Wagner e o que está escrito na partitura, no concerto do Coliseu. Talvez, à priori, a orquestra tivesse meios para suprir os desequilíbrios resultantes, talvez não. Utilizou um número menor de instrumentistas. De facto houve desequilíbrio. Note-se que nas partes dos cellos existe muito trabalho, a ideia da orquestração de 12 violoncelos é a mais eficaz. Note-se ainda que os segundos violinos devem manter o balanço com os primeiros.
As seis harpas, são indispensáveis no final do primeiro acto, duas harpas, pura e simplesmente não se ouvem. Wagner exige, nada mais nada menos, do que seis harpas. E assim se faça.
Espero que a orquestra Sinfónica Portuguesa consiga superar a sua congénere alemã, pelo menos no que diz respeito a uma interpretação digna das palavras de Wagner no que diz respeito à orquestração. Seis harpas não são quatro harpas, nem três, nem duas. São exactamente seis harpas. 16 segundos violinos e 12 violoncelos são números exactos, não são sequer passíveis de "talvez" ou "considerando" e blá blá blá do género. O palco do CCB é enorme e não há coro. Há espaço para toda a orquestra que Wagner exige. No próximo dia 10 de Dezembro, no CCB, só faltará espaço de tolerância para o desrespeito deliberado pela música e pelas intenções do compositor.

Nelson de Matos 

Nestes tempos de gripe e chuvas várias, ainda se pode ter o prazer de encontrar o editor de José Cardoso Pires nas páginas do Expresso. Nelson de Matos, autor do blogue textos de contracapa, está na Âmbar. Conta-nos algumas coisas da sua vida de Editor.
Entre a possível escolha por Saramago e a extraordinária personalidade literária de Cardoso Pires, mesmo que involuntariamente, ao contrário do que o rancoroso Saramago possa pensar, a deusa da fortuna acabou por bafejar Nelson de Matos. Alexandra Alpha é um dos mais extraordinários romances escritos em português. Cardoso Pires é, sem sombra de dúvida, um vulto incomparável da nossa história. Apesar de nunca ter recebido um Nobel.
Com respeito a António Lobo Antunes ainda não se sabe se é, ou não, um génio, mas sabe-se que limpa as unhas enquanto dá entrevistas. António Lobo Antunes deve muito ao seu editor de sempre. Mas, e é ver o "Comme une image", agora nos cinemas, para se perceber quão é oca a cabeça de alguns escritores. Mas que continuem a escrever por muitos anos, é o que sabem fazer. Ninguém lhes pede agradecimentos...

Senhor Cardoso Pires que parte do peixe é que deseja, prefere o rabo, a cabeça ou a barriga?
Traga-me a parte das mamas!


Uma entrevista imprescindível.

Um desafio a Nelson de Matos: escreva, escreva. Relembre Cardoso Pires. Fale-nos da Alexandra, do Anjo, do Hóspede, da Cartilha, do Dinossauro, do Burro, da Balada. Fale-nos dos dois livros do estado suspenso, do sentimento de alegria triste e vago de saber que a morte lhe tinha deixado um momento mais de luz, a luz de Lisboa. A luz de se saber que Cardoso Pires está a escrever. Cardoso Pires, de novo, caminha pela Lisboa que era dele, para beber mais um whisky, para nos escrever umas linhas, que guardámos religiosamente. Um cigarro mais e depois a sombra, enganada no breve instante arrebatado pelo poeta, e era um poeta sem nunca ter escrito um verso, ceifeira raivosa que o ceifou, afinal. Daquela emoção tremenda, naquelas lágrimas mágicas que passaram pelas nossas faces e nos abafaram o luto no Palácio enquanto as palavras dos poetas embalavam a caixa onde Cardoso Pires restava em imagem e corpo.
Nelson de Matos nunca lhe agradeceremos o suficiente por ter publicado o José Cardoso Pires.


25.11.04

Wagner 

Uma performance da Walküre é uma celebração de vitalidade, de paixão, cólera, amor, violência, ódio, ressentimento, infidelidade, perfídia, incesto, sexo, poder natural e sobrenatural, reflexão sobre o cosmos, reflexão filosófica sobre a condição humana, metáfora subtil da vida e da morte.
Não se pode reduzir esta obra maior de Wagner a um mero primeiro acto, uma espécie de história de amor descontextualizada. A Walküre é uma obra prima da História Humana, um produto eterno, reflexo de uma forma de pensar que tinha acabado de descobrir que o poder do Homem se sobrepõe ao poder dos Deuses, de tal forma que cabe ao Homem a invenção e reinvenção desses mesmos deuses, eles mesmos cópias dos humanos.
Wagner necessitou de muitos anos de aprendizagem e peregrinação para chegar à Walküre, ao Tristan e ao Parsifal. Aprendeu a língua com as Fadas. Rienzi foi a escola. O Holandês foi uma consolidação de saberes rematada com essa espantosa consagração do espírito do canto e da Alemanha que é o par Tanhauser - Löhengrin, obras já amadurecidas, que viriam a ter nos Mestres Cantores, obra bem mais tardia, o desfecho inevitável. É, no entanto, na Tetralogia, e na Tetralogia com a Walküre, que Wagner atinge a força vital de uma obra de arte total, que transcende os conceitos do mero teatro ou da música para ser uma escatologia filosófica do Wagner enquanto pensador e génio. Não, não nos esquecemos de Tristan ou do Parsifal. Tristan é apenas o momento vital dionisíaco, o momento criativo em que Wagner mais longe foi, mas em termos de subtileza musical, em termos de erotismo, de refinamento dos sentidos, não tão longe como na filosofia da Walküre. Parsifal é o declínio de um homem que se sente velho, degradando-se e cedendo à moral que sempre negou. Em termos musicais e cénicos é uma criação que afirma com veemência os seus propósitos. Em termos estéticos e psicológicos é apenas o retrato de um homem amedrontado pela iminência e perspectiva da morte. O Parsifal é a representação, ela mesma, da morte que Wagner teme.
A Walküre é um momento fundador, é a verdadeira explicação de toda a Tetralogia. Na Walküre é Wotan que admite perder o poder e tornar-se um homem comum. O vero crepúsculo que se anuncia nas suas palavras do segundo acto: "É o fim! O Fim!" O fim dos deuses, dos ídolos, dos opressores (?), o nascimento do herói que se anuncia, por Brunnhilde, quando esta diz a Sieglinde que tem no seu ventre a esperança do mundo. Não exactamente assim, mas através da música, o leifmotif da "redenção pelo amor", nome errado, no nosso entender, que apenas surge em dois pontos em toda a Tetralogia, neste terceiro acto e no final do Götterdämmerung, quando Brunnhilde já se imolou, quando o fogo nos céus já se diluiu, quando o mundo está, finalmente, desembaraçado de deuses e o homem, vigoroso, finalmente solitário e senhor do seu destino tem pela frente todo o tempo do mundo. Os deuses ficarão eternamente no seu crepúsculo, numa morte que vem devagar, tão devagar quanto o esquecimento, que é a verdadeira morte. Uma esperança nova é anunciada, também uma redenção. Este tema deveria ser chamado de Tema da Esperança.
É no primeiro acto, que ouvimos na última segunda feira, que o drama se inicia, a tempestade, tão contida na sua orquestração, é o ponto que cria a espectativa, a tensão. Uma tremenda força, um fluir trágico que emana das enorme torrente que as paixões e os ódios humanos são capazes de gerar. Em obstinadíssimos trémulos nas violas e segundos violinos, em crescendos e diminuendos, em vagas de chuva, vento e paixão. Rajadas que nos atingem de uma forma trágica e quase cósmica. Notas de música remniscentes de um Rei dos Álamos, perdido algures na nossa memória dos instantes trágicos, são as gotas de chuva que nos martelarão a consciência ao longo de toda acção que se segue. Mais fortes, mais densas que o clamor de Dönner que se escuta nos metais a meio do prelúdio. Sem parar, sem demoras, com uma cadência inexorável. A caminho da morte, mas também a caminho da esperança que se escuta num ciclo aberto que o Crepúsculo profetiza.
Foi no prelúdio que a interpretação de Thielemann atingiu o ponto mais alto. As cordas mostraram uma sonoridade densa, compacta, quente. A dinâmica foi variada de forma intensa e apaixonante. Thielemann tem uma pulsação rítmica vigorosa. Dir-se-ia uma locomotiva a puxar pela orquestra. Percebeu-se, no prelúdio, que as cordas da Orquestra da Ópera Alemã de Berlim são um trunfo de peso. As violas e os violoncelos tocaram com uma intensidade dramática e uma plasticidade sonora, com uma coesão, raramente ouvidos por estas bandas, e que se repetiu ao longo de todo este primeiro acto. Thielemann prometia muito, mas seria muito difícil partir deste prelúdio e conseguir mais, cada vez mais, mais tensão, mais paixão... Wagner conseguiu ao longo da obra, subiu a intensidade dramática no segundo acto, cujo prelúdio é um convite ao mergulho no tremendo drama que se reinicia e se adensa, mesmo que o público regresse do bar, o início do terceiro acto é a cavalgada que dispensa apresentações. Wagner consegue aumentar a dimensão dramática da sua ópera em cada início de acto, num arco de crescimento que acaba com a despedida de Wotan no rochedo de Brunnhilde.
Há quem diga que basta ler bem Wagner, Wagner é auto-suficiente, tudo está na partitura! Não é bem assim, o intérprete, o director, tem de saber dosear a paixão, a emoção, a fúria. Tem de saber domar os ímpetos dos músicos. Tem de extrair o máximo em cada instante. Nesse aspecto Thielemann pareceu demasiado agarrado à partitura e aos tempos. Demasiado "em cima" dos músicos para que estes se libertassem. Demasiado linear, sem atingir o âmago, sem extrair o máximo em cada momento. Talvez se tivesse respeitado em rigor a instrumentação que Wagner prescreve, talvez o equilíbrio sonoro fosse mais fácil de obter. O número de primeiros violinos deveria ser igual ao dos segundos, 16, não foi. O número de violoncelos deveria ser igual ao número de violas, estas eram realmente 12, mas cellos eram apenas 10. Wagner exigia 6 harpas! Não era megalómano, o que se passa é que apenas duas harpas deixam de se ouvir no final do primeiro acto, têm volume sonoro insuficiente. Se Wagner colocou 6 harpas na partitura quem é Thielemann para tocar com apenas duas?
Resumo: um primeiro acto insuficiente para criar a força dramática da obra de arte total: Walküre. Instrumentação desadequada à partitura não ajudou. Leitura demasiado linear, demasiado crispada, mas muito eficaz e apoiando os músicos, ao mesmo tempo que é "quadrada". Ritmo avassalador de Thielemann. Acto único reduzindo à partida toda e qualquer ideia interpretativa lógica.
Final do primeiro acto da Walküre empolgante em termos orquestrais, fraco em termos vocais.
Orquestra desatenta e pouco coesa na Viagem de Siegfried. Marcha fúnebre de Siegfried arruinada pelos trombones e restantes metais. Imolação de Brunnhilde e final do Crepúsculo: mal a soprano e muito bem a orquestra e direcção, o final foi belo sem ser emocionante, faltou o pathos de um um drama musical inteiro.
Vozes muito fracas, nem vale a pena voltar a referir o assunto, arruinaram também qualquer leitura séria.
Metais pouco coesos e, paradoxalmente, a cantar mal a música de Wagner. Esqueci-me de referenciar no primeiro texto que escrevi sore este concerto que o trombone contrabaixo foi, claramente, o pior instrumentista em cima do palco do Coliseu. Som feio, arrastando a música, ficando para trás, notas esborrachadas, comprometeu muito o conjunto. O trompete baixo, o primeiro trompete, o primeiro clarinete e o clarinete baixo, o violoncelo solo na Walküre (depois, nos excertos do Crepúsculo, foi muito menos seguro), o oboé e corne inglês na Walküre, a flauta solo em todo o concerto, foram elementos de grande valia e estiveram particularmente bem. As tubas deram uma cor notável ao conjunto das trompas. O som dos oboés em conjunto com o dos metais deu uma cor fúnebre extraordinária (Wagner lá sabia porquê) ao início da marcha fúnebre de Siegfried.

Um concerto para nota positiva, sem ser elevada. Um concerto que nunca poderia ser um crescendo, quase insuportável, mas deslumbrante, de tensão dramática, porque desprovido da lógica que presidiu à construção global das obras. Por muito que Wagner tenha apresentado excertos em concerto, essa apresentação foi sempre vista como um aperitivo para o grande momento, o momento da representação, e muitas vezes ditados por motivos meramente financeiros... Os mesmo motivos financeiros que impedem, parece, uma interpretação completa de uma ópera de Wagner em Portugal. Desde o Parsifal no S. Carlos, já quase esquecido, o verdadeiro Wagner abandonou este país.

23.11.04

Thielemann e a Walküre hoje no coliseu. 

Stephen Gould,tenor - Siegmund. Susan Anthony, soprano - Sieglinde. Jyrrki Korhonen, baixo - Hunding, Gabriele Schnaut, soprano - Brunnhilde.

Thielemann pode ser um maestro extremamente prometedor mas os cantores foram fracos.
Stephen Gould não tem voz de tenor heróico, a voz apaga-se no registo médio, médio agudo. As partes em fortíssimo em que compete directamente com a orquestra, raras em Wagner pois o compositor raramente tapa as vozes com os instrumentos, foram claramente em perda. A invocação que Siegmund faz de seu pai, Wotan, na palavra Wälse, com o salto descendente de oitava do sol bemol agudo para o médio (leif de Notung -a espada - que Wotan deixou para o filho, cravada na árvore e que Wagner associa ao pai encoberto - Wälse - que, tal como Notung, está escondido) foi um desastre, uma suspensão longuíssima, preparada por Thielemann sobre o trémulo das cordas em fortíssimo para o tenor atingir o clímax foi o total anticlímax, Thielemann bem pedia, mas o tenor não dava! Semelhante a invocação de Notung, mais à frente, agora num salto de oitava descendente do fá agudo para o médio, que saiu um pouco melhor, mas mesmo assim a puxar para o confrangedor. Uma voz pesada, baça, sem brilho. Falhou totalmente no final do primeiro acto da Walküre em que se chegou a perder e a deixar uma frase inteira por cantar, isto com o papel à frente!... Também terrível na lindíssima parte do Winterstürme, a arrastar as frases (a nota final destas) de uma forma abominável, muito para além do que vem escrito, conseguiu com isso perder a entrada na frase seguinte pelo menos uma vez.
Susan Anthony não mostrou dotes invulgares, tendo deixado escapar a voz algumas vezes, tacteando a afinação com portamentos, mostrando graves muito descoloridos e fracos. Não convenceu, quer interpretativamente, quer pela voz.
O baixo Korhonen mostrou-se também pesadão (Hunding é pesadão de qualquer modo) mas pior do que isso, irregular na emissão, bom em algumas notas graves, foi muito fraco no seu registo médio, o sol era um poço...
A Brunnhilde de Gabriele Schnaut foi pior ainda, sem voz, a perder metade das frases por incapacidade de emissão e de respiração. Sem potência, sem cor, sem corpo, foi a negação de qualquer soprano dramático que se preze. Um desastre. Assim Thielemann não chega ao Ciclo de 2006 em Bayreuth.

O naipe dos trombones da Orquestra da Ópera Alemã de Berlim foi um perfeito desastre. Os músicos pareciam desconcentrados, cantavam mal as frases, na marcha fúnebre parecia que estavam a enterrar os restantes colegas da orquestra em vez de celebrar o corpo defunto do Herói caído pela traição do velhaco Hagen.

Sobre a concepção interpretativa de Thielemann fica para amanhã. Um concerto que poderia ter sido excelente e que acabou por ser apenas bom, por mercê de Wagner e da sua música incomparável, por mercê da maior parte da orquestra e por mercê, apesar de tudo, de Thielemann. Veremos em Bayreuth no próximo Verão ...


22.11.04

Capucho Arrasa Congresso - Jornalista Ressuscita Sá Carneiro 

No Público entrevista ao Diga Lá Excelência. Capucho, um dos dirigentes mais sérios que conheço, arrasa Congresso do PSD. Evidentemente, quem é sério demarca-se de Santana Lopes.
Entretanto a princípio do artigo sabemos que Capucho:

depois da ruptura com Marcelo, tem gerido com prudência um distanciamento crítico em relação às sucessivas lideranças de Durão Barroso e de Sá Carneiro.

Pois então Sá Carneiro está vivo? E reincarnou em Santana?
Jornalista dorme, desk dorme, editor dorme, director dorme.


20.11.04

Lopes Graça 




Reproduzo aqui um email enviado pelo Coro de Câmara da Universidade de Lisboa



Caro Henrique Silveira,

aqui lhe enviamos o cartaz do Requiem pelas Vítimas do Fascismo em Portugal para lhe dar o uso que achar conveniente.

Colamos cartazes pelas ruas de Lisboa, e estes são arrancados por mãos fascistas que nem sequer querem dar oportunidade a quem quer ouvir boa música o poder fazer, eivados de fundamentalismo pueril.
É isso que nos move, homenagear o Graça, poder cantar e mostrar ao público interessado uma grande obra Coral-Sinfónica que muito deveria encher de orgulho os portugueses, pois se estivermos à espera que as entidades oficiais o façam (vide Gulbenkian), bem que podemos comprar uma daquelas confortáveis poltronas que fazem massagens, para não apanharmos alguma hérnea...

Saudações Lopes-Gracistas


Não sei se as mãos que arrancam cartazes são, ou não, fascistas. Talvez não gostem de comunistas, como Lopes Graça, talvez não apreciem os solistas, talvez não gostem do Marc Tardue... O problema não é o fascismo. O problema é a intolerância. O problema é a estupidez.

O que importa aqui é que Lopes Graça foi um homem extraordinário, um compositor de grande valor e um pedagogo de alto nível. O seu requiem é uma obra sem tempo, é apenas uma belíssima obra de arte. Viva, tão viva que suscita estas paixões. É belo e trágico ao mesmo tempo.

Thielemann - comentários gratuitos 

Lemos neste Mil Folhas a seguinte frase:
Thielemann prossegue também ele uma bem específica "tradição alemã", cujas referências são Wagner, Strauss e também o arqui-reaccionário Pfitzner.

Como de costume as confusões no texto levam a uma pergunta. O "cujas" refere-se a uma bem específica "tradição alemã" ou a Thielemann que se enquadra nessa tradição?
Enfim, não é importante, importante é o despautério arrogante (e ignorante) de se meter nessa específica tradição alemã Wagner, Strauss e o pobre do Pfitzner, que além de ser um palerma bajulador (de Hitler) se julgava suficientemente importante para criticar o nacional socialismo sem sofrer represálias por parte do sistema nazi (as quais sentiu na pele em 1934). Um pobre compositor que escreveu "Palestrina", uma ópera razoável (para o fraco) que Thielemann reabilitou. O autor deste texto no Mil Folhas esquece que Strauss e Wagner têm importância no trabalho de Thielemann, mas também Schumann, Brahms, Beethoven e até o judeu Schönberg, do qual Thielemann é admirador confesso e intérpre excelentíssimo. A tradição cultural alemã (forçosamente muito variada, porque isso da Alemanha una é coisa que não faz sentido) de Thielemann não se fica por essa imbecil conjunção de dois génios maiores com um pobre diabo academista que acabou por morrer semi-louco e desconhecido em 1949. Schönberg é bem melhor o exemplo da evolução sonora produzida pelo fermento cultural, também bem alemão, de Viena. Além disso o disparate de classificar como "alemão" aquilo que é inclassificável. Será alemão da Turíngia ou da Baviera, ou será da Prússia, terá a ver com Áustria, ou refere-se aos cantões germânicos da Suiça? Não esquecer a Morávia, será que na Morávia não sobraram as tais características alemãs? E nos países bálticos? Ou as cidades Hanseáticas? A Renânia? O Holstein? A Saxónia? Países diferentes, regiões diferentes, uns católicos, outros protestantes. Uns alegres e descontraídos, outros militaristas empedernidos. A Alemanha não existe, bem como não existe uma característica alemã. Não percebo como alguém que diz que é sociólogo (em quase tudo o que escreve) pode ser tão redutor, uma redução que roça a ignorância, misturada com uma grande dose de prosápia e de terminologia complexa para o leitor ficar a pensar que "temos homem". Enjôa e é demais.

Quem escreve em jornais de divulgação nacional deve ter o sentido da responsabilidade sobre o que escreve e não disparar o que lhe vem à cabeça. O acto de ononismo semanal, para exaltação do próprio ego e obter uns discos à borla, de escribas e mais escribas em jornais de referência, sobretudo aos fins de semana, comentando discos incomparáveis, uns de mil novecentos e carqueja e outros saídos anteontem é uma das maiores inutilidades da imprensa portuguesa e um mau serviço para os leitores.

Percebe-se também que estes escribas têm uma discografia recente, pouco apoiada no vinil, devo dizer que eu próprio, com um discoteca relativamente pequena, disponho das gravações de Hans Knappertsbusch em Bayreuth, vinil claro, e que são extraordinárias, não preciso de reedições para nada. Nem para fazer publicidade às editoras...

Finalmente e discorrendo sobre as histórias dos sobreagudos da Flagstad, Richard Osborne diz-nos em 2001 que realmente a própria Schawarzkopf contou a história como verdadeira. Entre o reputado Richard Osborne e o Seabra não é difícil optar pela versão do primeiro.

E quanto a Thielemann se, na próxima segunda feira, poderemos ver e ouvir alguns cantores e uma orquestra de alto nível sob a sua direcção no primeiro acto da Valquíria (que este ano não se ouve em Bayreuth, é o chamado pousio), teremos em Bayreuth, a 28 de Julho do próximo ano o próprio Thielemann a dirigir o Tannhäuser. Esperamos tirar conclusões ao vivo com estas duas performances de Thielemann, sem ter de escutar as gravações trabalhadas e maquilhadas em estúdio.

19.11.04

Referendo 

Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?

A inacreditável pergunta no referendo sobre a constituição europeia revela a matriz do Portugal dos chicos espertos. Uma pergunta que me decidiu, finalmente, a votar contra. Na dúvida, na tentativa de burla que a pergunta esconde, nega-se. Evita-se ser aldrabado, enganado, por chicos espertos.
Contra uma constituição que nega o Cristianismo como matriz fundadora da Europa, uma constituição que acaba com um Portugal de oito séculos. Mas não será que isso é uma virtude? Este país também não tem salvação.
A resposta ainda assim é negativa: em Portugal coexistem dois países, um país mítico e um país real. O país mítico ainda tem demasiada força para desaparecer num breve lapso. Não, não é uma virtude. O Portugal mítico dos Paineis de S. Vicente, o Portugal dos anónimos que aparecem nesta pintura ímpar, por detrás das figuras centrais, é o Portugal mítico que ainda existe, pelo menos na lembrança, e que não merece os chicos espertos e as perguntas manhosas dos aldrabões da Feira da Ladra da actual política portuguesa.


Liberdade de Expressão 

Mário Soares ontem no Porto falou sobre Liberdade de Expressão. Tem razão, se o caso Marcelo tivesse sido há dez anos ter-se-ia levantado um coro de protestos. Mário Soares não disse, mas nessa altura, apesar dos seus enormes defeitos, existia um Presidente da República e não uma espécie de presidente que chora. Nessa altura, apesar dos enormes defeitos de Cavaco, existia gente com algum mérito na presidência do Conselho de Ministros. Pelo menos o mérito de ter ganho as eleições. Alguém que não tinha medo do seu passado, da sua incompetência, da sua fragilidade. Santana tem medo de ser exposto, sabe que não passa de um primeiro ministro de meia tijela, alguém sem a menor ideia do que é governar, sem a menor ideia para um país, sem a menor ideia, ponto.
Em vez de trabalhar com o aparelho de estado temos o aparelho do PSD a tentar limitar a liberdade de expressão, o pior que os partidos têm é essa coisa chamada "aparelho"; bem espelhado pelos homens do PSD que andam a fazer de deputados da nação e a dar a cara por Santana.
O presidente que chora continua a chorar e fazer cara de mau, e birra, e assim vamos andando. A gente melhor do PSD vai-se afastando e os fulanos do aparelho julgam que ainda têm poder para apunhalar pelas costas o indefeso PP.
A república da incompetência, corrupção, nepotismo, vilania, a república em que as santanetes são premiadas e quem discorda é arrumado, pelo rancor subtil de quem manda. A república em que os únicos bananas somos nós, governados pelo habitual nepotismo de séculos, em suaves misturas de ressentimento bem doseado. É o Portugal de hoje.

Concerto na Gulbenkian 

Michel Corboz é um maestro que insiste em dirigir Bach de forma fossilizada, de forma historicamente desinformada, sem respeito pela obra e pelo compositor, de todas as vezes que escutámos Corboz a dirigir Bach acabámos sempre com a desilusão de termos escutado grande música, muitas vezes por grandes intérpretes, mas faltando sempre algo. Uma visão ultrapassada que, no entanto, não ofusca o papel que Corboz teve, num determinado momento, na difusão e popularização da música chamada "antiga". Em Lausanne Corboz desenvolveu trabalho de mérito. Em Lisboa, com a Fundação Gulbenkian, Corboz teve também um papel de vulto na organização e preparação do coro.
Foi com espectativa que ontem nos dirigimos à Gulbenkian para escutar Corboz, o Coro Gulbenkian e a Orquestra Gulbenkian num repertório de compositores associados, directa ou indirectamente, à escola que tentou regressar às fontes musicais europeias, ao canto gregoriano, e que surgiu como reacção ao academismo francês e ao modernismo aparente dos primeiros anos do século vinte em França. Debussy não influenciou Fauré (neste caso seria difícil, pois o período mais fértil de Debussy corresponde ao final da vida artística de Fauré, quase surdo) mas poderia ter influenciado Duruflé, no entanto as influências de Duruflé estão todas no canto gregoriano. Escreveu pouco, felizmente, e tudo o que escreveu foi baseado em influências gregorianas, era o que sabia fazer sendo director do Instituto Gregoriano do Conservatório de Paris. Era de certa forma um academista. O seu requiem é uma obra interessante mas repetitiva, o tema gregoriano que lhe serve de base repete-se até à exaustão e a harmonia é do mais monótono que se pode imaginar, quando os números não acabam em uníssono acabam em ... uníssono! Harmonias em paralelo, pedais e mais pedais, música que por alguma razão deixou de usada há centenas de anos, recuperada e vestida de aparência hodierna por um director do Instituto Gregoriano de Paris.
O suiço Frank Martin também passou por uma fase semelhante, em 1922 era um conservador empedernido, mais tarde sofreu influências de Debussy e de Schönberg e abriu os seus horizontes. Tal como Fauré começou pelo orgão, sua música no concerto de ontem foi Um Glória e Credo da Missa para duplo coro. Obra virtuosa e virtuosística para os cantores de um coro bem oleado, mas convencional na técnica de escrita, no seu conservadorismo e academismo. Tivemos polifonia, contraponto imitativo, muita técnica mas pouca originalidade. Uma obra boa para a missa, desinteressante, hoje, numa sala de concerto.
Fauré é um vulto difícil de explicar, é uma espécie de independente no final do século XIX francês. Oriundo da escola Niedermeyer, onde estudou, para variar, canto gregoriano, contraponto, orgão e música litúrgica, Fauré tem uma sensibilidade que o faz sair do academismo estéril da sua escola formal e o transforma num compositor de música geralmente inspirada, onde se nota a centelha do génio. A suite de Pelléas et Mélisande, opus 80, é uma obra orquestrada pelo próprio Fauré (orquestrar não era muito do seu agrado), uma obra prima na sua concisão e beleza serena, aliás habitual em Fauré. Debussy retomará o tema criando uma das suas obras mais importantes, onde se notam algumas influências de Fauré, se não totalmente no plano musical, pelo menos no plano literário. Uma obra de Fauré para orquestra, sem elementos vocais.
O concerto de ontem não foi muito conseguido. O coro esteve agreste em Martin e em Duruflé, os fortíssimos foram gritados, desafinados e excessivos, atingindo quase o limiar da dor auditiva e em desequilíbrio com a orquestra. Tinhamos oitenta cantores em palco, a orquestra dispunha de seis violoncelos! O coro desacertou bastante em Martin, quer em termos de afinação, quer em termos de acerto do contraponto, o Glória de missa de Martin padeceu deste mal. Em Duruflé foi patente o desequilíbrio entre os naipes orquestrais e o coro. Até o bombo foi impotente para contrabalançar com o coro! Apenas seis violoncelos para cinco contrabaixos (qualquer dia são mais os contrabaixos do que os violoncelos) retiraram elegância e plasticidade aos baixos da orquestra. A sonoridade espessa dos violoncelos não se ouviu, 24 violinos (se contei bem) mesmo assim não se conseguiam fazer ouvir face ao excesso de madeiras metais percussão e coro. É certo que a obra já é naturalmente desequilibrada, mas a falta de balanço e de cordas reforçaram essa sensação. Notória a falta de massa nos violoncelos no "Agnus Dei" da missa de requiem de Duruflé.
Os solistas em Duruflé foram regulares, o barítono Christian Immler tem um timbre bonito e boa articulação, a contralto Rasker tem a voz muito pesada e desafina, o seu vibrato muito mastigado torna-se feio e desagradável, mas têm partes demasiado pequenas para maiores apreciações.

A obra de Fauré acabou por ser o melhor do concerto, a orquestra, sem coro e sem metais em excesso, a obra não tem trombones por ex., mostrou qualidade e Corboz conseguiu transmitir o génio escondido das páginas tranquilas, ou talvez não, de Fauré. A trompa de Luxton esteve, em particular, muito bem enquadrada e com uma sonoridade muito bela, sem excesso de som. Se esquecermos alguns detalhes foi uma boa prestação.
Claro que temos de escutar estes compositores, o repertório não se faz apenas com os grandes nomes da história da música, mas este concerto viveu demais de academismo seródio para se poder dizer que ultrapassou o nível da mediania musical.
Pede-se mais equilíbrio entre os naipes da orquestra, atenção ao número demasiado reduzido de violoncelos que a Gulbenkian tem sistematicamente apresentado.

17.11.04

Última Hora - Veneza sem Água deixa Alla Scala a Arder! 

No artigo do Público de ontem descobrimos que acabou a água em Veneza!!!!! e que o Alla Scala ardeu porque os canais de Veneza deixaram de ter água! O fenómeno da subida da água reduziu-se e agora Veneza está reduzida à míngua de água, o seu emblemático teatro Alla Scala ardeu em "Janeiro de 1996" por causa da desertificação e seca que atingiu dramaticamente Veneza. Genial a cabeça deste Eurico Monchique! Ou será Cabeço de Montachique?
Alla Scala arde furiosamente, ver o erro mais em detalhe em: Detalhe do artigo.


16.11.04

Diário e Músicas 

No artigo de Cristina Fernandes no "O Público" de hoje fala-se dos dois últimos concertos do ciclo "Quatro postais" que a Orquestra Sinfónica portuguesa realizou no auditório da Reitoria da Universidade Nova de Lisboa. Um belo concerto o último, segundo se depreende. Infelizmente não pude escutar, o único que falhei, e provavelmente, o melhor da série. Saí muito desiludido com a meia Sinfónica que escutei na sexta feira passada no penúltimo concerto. Felizmente parece que ainda há esperança de acordo com quem escutou e confirma-se que a orquestra está muito superior quando o concertino principal, Devries, não toca.
Quero pois expressar a pena que tive de, no sábado, não ter ido à reitoria, creio que devia essa deslocação aos músicos que critiquei ao longo dos três primeiros concertos.
Curiosamente alguém me disse: "não estavas lá tocaram melhor de propósito" e "não te viram lá, tocaram sem stress e a coisa correu bem, metes-lhes um medo do caraças...". Não acredito nestas brincadeiras mas todas as opiniões que escutei referiram o último concerto como o mais feliz, como o concerto em que a núsica fluiu com mais liberdade e alegria.

Sobre o Santana Lopes e o seu painel de Chauffeurs, é óbvio que o que era evidente no domingo viria a rebentar dois dias depois. O PP está indignado, e com razão, com o seu parceiro de coligação. Lealdade em política é coisa que não existe. Santana Lopes parece que "é bom político"...

Ontem falhei, por excesso de trabalho, o concerto de Pinto Ribeiro na Gulbenkian, gostava muito de ter assistido, mas tem de ficar para a próxima. No conservatório continuam os concertos para obter fundos para reparar a sala com pinturas de Malhôa, ontem decorreu mais um concerto, Nuno Vieira de Almeida e Luís Rodrigues, gostava de ter assisitido também. A divulgação poderia ser maior...
Próximos concertos: Bashkirov hoje na Gulbenkian. Corboz na Gulbenkian quinta à noite e sexta ao fim da tarde. Grandes Orquestra Mundiais na próxima segunda feira no Coliseu dos Recreios em Lisboa, Ópera de Berlim com direcção de Thielemann. Amanhã, finalmente, alvíssaras, alvíssaras, conferência de imprensa para divulgação da temporada do S. Carlos. Vou lá estar em representação de uma revista. A temporada do S. Carlos é um segredo de Polichinelo, toda a gente já sabe o que vai acontecer. Peskó, o incompetente, chega para a semana para dirigir Wagner e Alban Berg. Espera-se o desastre, o bom trabalho de Renzetti deitado pelo cano abaixo. Peskó já não pode subir de nível, tem provado que pode apenas descer, mas, como sempre o benefício da dúvida. Depois de ouvir poder-se-á criticar. Com as espectativas baixas ao menos evito mais desilusões e sofrimento. Posso dizer que sofro verdadeiramente ao ver um compositor como Wagner, um dos meus preferidos, a ser massacrado por um maestro negligente e uma orquestra desinteressada. Espero para escutar os infindáveis, para violas e segundos violinos, compassos de trémulos da "tempestade" que inícia a Valquíria de Wagner. O drama vai começar, o pano está a abrir-se...

H.S.


14.11.04

Santana e os motoristas 

Abri a televisão, Santana Lopes discursava tendo em fundo aquilo, que eu julgo ser, um painel de motoristas, ou de guardas da PSP à civil. Seriam os célebres seguranças do PM? De repente o painel começa a rir e a bater palmas, isto quando Santana diz que neste governo quem manda é ele e que não chefia uma "federação de ministérios". Afinal deviam ser motoristas do PSD: os seguranças do PM não são supostos bater palmas aos discursos do líder...
O mais curioso é que Santana anunciou o "fim da austeridade!" Os motoristas acharam graça e bateram palmas. Santana o prestidigitador de olhar "inteligente" e gesto estudado em frente de um painel de motoristas. Bem apanhado, vivo. Santana na imagem construída de tribuno, em pose de chefe do executivo e com um painel de motoristas, chauffers ainda jovens, em fundo.
Do congresso do PSD a única coisa palpável que saiu foi o facto: Santana ainda não sabe se espetará a faca nas costas do PP. E que vai esperar até à véspera das mesmas eleições.

Os momentos "chaves", como disse Santana, em que se decide se se deve apunhalar um parceiro de coligação nas costas, os "momentos-chaves" lembrando-se do Chaves, o Henrique, que sacrificou no momento de escolher a Comissão Política e que apunhalou nas costas, ao mesmo tempo que dava uma palmada, nas próprias costas elas próprias, ao seu "amigo".
Do congresso sai o dilema, e a coisa é simples, ou concorre coligado à partida ou não, nas próximas eleições.
Os factos evidentes são:
a) Se perceber que já perdeu tudo, sem hipótese de remissão, larga o PP à sua sorte para lhe canibalizar os votos e minorar a derrota.
b) Se perceber que ganha, sem o PP, larga-o também. Os frutos do poder são demasiados saborosos para se partilharem.
c)Se a coisa estiver indecisa alinha com o PP.

Vejamos o lado do PP:
A única hipótese do PP parece ser forçar o acordo hoje, ameaçando com a queda da coligação, neste próprio momento, se não obtiver um acordo pré-eleitoral para concorrer em coligação amanhã.
Este raciocínio cai por terra rapidamente. Percebe-se que é um bluff. Explico: o PP precisa do poder que tem hoje. Se romper a coligação perde esse mesmo poder. Do mesmo modo que o PSD pode fazer tudo o que quer, o PP tem de aguentar o barco senão perde tudo. Repare-se que se o PSD entregar um acordo, neste momento, ao PP, nada garante que o acordo não seja rasgado e o PSD não espete a faca nas costas aos seus actuais parceiros à boca das urnas. Há sempre um Jaguar algures para se poder romper com um partido mais pequeno...

A única esperança do PP é que, ao se aproximarem as eleições, a situação esteja indecisa. Afinal é o mais fraco, e os mais fracos saem sempre triturados em política.
Em política partidária, e sobretudo na portuguesa, a palavra lealdade não tem o menor sentido. Existem forças, existe o poder. Tudo vale. A única coisa certa que Santana fai fazer é conservar a tal faca longa guardada para ser brandida no momento mais oportuno. A tal faca que, em política, se espeta nas costas dos melhores amigos.

A mesma faca que o Ferro sentiu atravessada nas costas, brandida pelos seus grandes amigos, e sobretudo pelo amigo do peito: Sampaio. O mesmo Sampaio que vai visitar o Papa e que diz "estar atento". Uma espécie de presidente que chora.

E viva Portugal.

H.S.

13.11.04

E não se enganaram no dia? 

Sexta, 12 (não devia ser 13?) de Novembro 2004 pelas 19:30h, Reitoria da Universidade Nova. Concerto pela OSP, maestro Donato Renzetti.
Programa:
Eurico Carrapatoso
Música Praxitélica para dois deuses do Olimpo
Franz Joseph Haydn
Sinfonia n.º 103 em Mi bemol «Paukenwirbel» (O Rufar do Tambor)
Wolfgang Amadeus Mozart
Sinfonia n.º 40 em Sol Menor, K. 550

Sob o Signo da Moca

O concerto começou por uma obra tonal com um nome esquisito, os nomes deste calibre são habituais em Carrapatoso. Tivémos esperança que a obra fosse, dentro do estilo côncavo do autor, uma pragmática elíptica que nos levasse à negação das analíticas esperanças de um paraíso plano de convergências e de citações, mesmo que limitadas. Nada disso, a obra de Carrapatoso nem plano nem elipse, nem parábola. As notas descarregadas contituíram motivo de uma longa meditação aos ritmos populares do autor, tão típicos da sua arreigada e concentrada raiz transduriense, que terminaram numa metafísica e contrastante reflexão sobre a sétima arte. Uma ideia de abismo surgida nos primeiros compassos submersa pela repetição exaustiva dos motivos iniciais da obra na primeira secção, uma segunda secção que levaria Sampaio às lágrimas, se estivesse presente. Devries o concertino perdeu o tempo e o ritmo nos seus solos. Já sabemos que este violinistas não usa o arco, nas mãos de Devries o arco torna-se moca, que é usada com liberalidade sobre as pobres cordas do seu martirizado instrumento! E foi sob o signo da moca que prosseguiu o concerto...

Haydn tem na sua sinfonia 103 uma das mais belas obras que escreveu. É uma peça clássica de um equilíbrio enorme, uma peça de uma densidade e beleza difíceis de descrever. A OSP conseguiu banalizar o génio de Haydn. Não é pouco, Renzetti bem se esforçava por puxar pela orquestra, mas mesmo com bom cocheiro a carruagem não andava para a frente... Os violinos ameaçados pela moca omnipresente do concertino tocavam tudo a arrastar, tudo em esforçadíssimo, tudo em excesso, um excesso de agressividade no som, de aterrorizar, sem avançar na música, pesado, agressivo. O concertino continua a entrar antes do tempo para se exibir, mas depois atrasa por falta de técnica... Uma aflição... Uma orquestra infeliz a tocar uma obra maravilhosa. O som dos violinos saía feio, deselegante, horrível. Não sei se por excesso de entrega, de pressão dos arcos, se por existirem demasiados instrumentos de má qualidade, o som dos violinos neste concerto foi horrendo. Nem comento a entrada, feita com grande aflição pelos instrumentistas, sem acertarem na coesão necessária para tocar ao menos as notas iniciais ao mesmo tempo.
As violas não estiveram bem no coração da orquestra a sua sonoriadade não foi bonita, pareceram pouco coesas. Os violoncelos e contrabaixos pareceram-me os mais felizes naquilo tudo (embora desafinados), mas com os violinos a andar para trás e a arruinar tudo, sob a moca de Devries, tornava-se impossível fazer melhor.
A flauta gosta muito de se ouvir, atrasa sempre que faz solos e desafina no final das frases... Se no primeiro concerto desta série escapou o Carolino Carreira no fagote, que tocou muito bem nas passagens mais "bravas" do Mozart, o qual me esqueci de referir na crítica feita na altura, ontem tivemos um jovem no clarinete, infelizmente não sei o seu nome, que fez uns belíssimos solos e tem uma sonoridade muito bonita, a bisar a boa prestação do concerto de sábado passado.
As passagens mais a descoberto do primeiro violino foram sempre um desastre, um exagero de sonoridade que roçava o ridículo. Será que o homem tem um violino eléctrico, com amplificador, disfarçado de violino acústico??? Mau gosto, acentuação desmedida nas anacruzas, de arrepiar. Mau gosto, histeria. Excesso de som nas cordas mais agudas atingindo espasmos de sonoridade irritante. Nas cordas mais grossas Devries deixa de se ouvir, passa a ser monótono porque se ouve pouco e deixa de se esforçar. A frase musical como instrumento da vaidade pessoal do músico? Onde fica a música no meio disto tudo? Lamentável. A moca, a moca.
Pinamonti estava presente, será que o senhor director é surdo? Ou espera por melhores dias para acabar com esta tortura. Aconselho o director do teatro a escutar o maestro Renzetti, um bom maestro não pode ser insensível a uma tão grande falta de sentido estético e musical. Se o maestro elogiar Devries calo-me para sempre, mas não o creio.
Sopros superiores aos violinos e violas.
O tímbaleiro esteve bem, o que revela que um tutti pode fazer o lugar dos solistas que, no momento do concerto, devem estar em casa à lareira, nestes dias frios de Novembro, ou então desertaram para outras paragens...

A conhecidíssima sinfonia 40 de Mozart teve uma interpretação com um pouco mais de respiração, mas os violinos sob o signo da moca voltaram a um estado de arruaça global sobre a sonoridade clássica que se pretende em Mozart. Um descalabro que arruina o bom trabalho de Renzetti com a orquestra nos outros naipes. É notória a evolução da OSP sob a batuta de Renzetti, as articulações saem bem trabalhadas, as sonoridades saem coesas, mas quando os violinos têm uma liderança assim até o mais obscuro violinista do mundo seria um bom concertino. Um trabalho sério arruinado pela vaidade e incompetência de um só músico que leva para o abismo um naipe inteiro, ainda por cima o naipe mais importante em Haydn e Mozart, a voz condutora da melodia na orquestra.
Quando vi a cadeira vazia para a entrada atrasada do concertino Devries para receber as palmas chocas da vaidade, pensei logo: porque será que este não ficou em casa, com os timbaleiros solistas. A esperança é sempre a última coisa a morrer e ainda pensei que o trabalho de ensaio com Renzetti tivesse alterado os problemas da última sexta feira, mas não, foi pior ainda. Não estou presente nos ensaios mas será que o concertino se comporta assim apenas no concerto?

Fica a pergunta, Um Concerto Sob o Signo da Moca que parecia ter decorrido numa sexta feira 13.

12.11.04

Gomes da Silva continua a acreditar que é ministro 

Até deu uma entrevista! Além de totalmente desinteressante apenas mostrou o total vazio que vai naquela cabecinha.

O laico Sampaio beija, entretanto, a fímbria da veste papal e diz-se muito emocionado com o encontro. Celebra os grandes momentos de lucidez de Sua Santidade e elogia posição Papal sobre Iraque, posição que lhe foi melhor explicada pelo "Senhor Cardeal", seja este quem for.
Não se sabe se, durante os 11 minutos da entrevista, o Papa não terá convertido Sampaio. Sampaio emocionou-se, claro, e depois da habitual e suposta lágrima vertida sentiu-se mais consolado. Um consolo que nós não temos necessariamente uma vez que temos de suportar as escolhas deste Presidente de lágrimas fáceis e indecisões difíceis.

10.11.04

Saul e o Outro 

Saiu a crítica de Manuel Pedro Ferreira à Oratória Saul de Händel, concerto desta Segunda Feira na Gulbenkian.
Não pretendiamos criticar o crítico, mas ao ler o texto descobrimos vários pontos de inexatidão e até de desacordo.

Veracidade histórica – ortodoxia bíblica – numa crítica de arte
Falar da veracidade hstórica ou concordância biblica numa oratória barroca de Händel é um anacronismo. É engraçado como nestes tempos de descontrutivismo e relativização se possa dizer que Händel desconstruiu o texto bíblico! A própria realidade histórica do Velho Testamento também é muito discutível, ninguém lê o Velho Testamento como um livro do José Mattoso, ou sequer do Hermano Saraiva (alguém que nunca foi muito fiel aos documentos), ou de um teórico da Nova História, que já é velha... Manuel Pedro Ferreira fala de um Velho Testamento que conhece de uma tradução, esquece os documentos anteriores, esquece, além da poligamia, os sacrifícios humanos a carga "desumana" que foi eliminada da Bíblia pela escola de Samaria, ou a rescrita dos textos feita pelos sacerdotes de Jerusalém quando esta cidade se tornou hegemónica no seio da sociedade hebraica/judaica, momento em que o único Altar da Divindade permitido foi consagrado no Templo desta cidade. Não era função de Händel respeitar o texto bíblico, nem era função do crítico criticar Händel em aspectos de ortodoxia religiosa. Seria muito mais interessante uma crítica artística, tendo em conta o espaço reduzido de que a crítica dispõe nas páginas dos jornais portugueses.

Saul “uma obra menos marcante” ?
É precisamente neste ponto da Arte, que o crítico do Público evita nesta parte do texto, que enuncia um dogma como se tratasse de uma verdade absoluta, referindo-se a Händel diz: "ainda que não seja uma das suas obras mais marcantes". Mas afinal o que é isso de uma das obras "mais marcantes"? Serão todas marcantes, umas mais que outras, sendo, por consequência o Saul umas das obras menos marcantes? Será que Händel tem obras marcantes, obras menos marcantes e obras não marcantes? Neste caso o Saul seria uma obra tipo meias tintas, "marcante ma non troppo"?
Afinal que quer o crítico dizer com uma obra mais ou menos marcante de Händel? Quer dizer que acha outras mais marcantes, ou seja, que o Saul lhe diz pouco? Não percebemos, nem contextualiza, nem enuncia, não explica o significado do que diz. Será que não é marcante pelo que diz no parágrafo seguinte, o tal da falta de ortodoxia canónica de Händel. Recorda-se ao leitor que Händel não vivia no interior do Minesotta de hoje, por muito puritana que fosse a Inglaterra de ontem! Händel alterou, na forma muito própria do barroco, mas também utilizando conceitos dramáticos e teatrais próprios de um grande génio universal e eterno, os textos sagrados. Não cremos que esse qualificativo de "pouco marcante" ou "não das mais marcantes" se refira a ortodoxia bíblica. E aqui reside o ponto, parece que a análise de Pedro Ferreira se baseia no seu gosto pessoal. E no caso de uma crítica a um compositor como Händel, do qual Beethoven dizia ser o "maior compositor que jamais tinha existido", a questão de gosto do crítico não interessa para nada aos leitores do seu jornal nacional, interessa se explicar as suas razões com argumentação. Se formos basear a crítica no número de concertos públicos e em gravações encontramos o Saul, nos últimos tempos, como uma das obras mais trabalhadas. Nomes como McCreesh, Jacobs, Hacker (que na Berlin's Komische Oper em 1999 dirigiu uma representação encenada), Lutz, Harnoncourt, Neumann, Pinock, entre tantos outros, dirigiram o Saul. Documentos não faltam sobre a enormíssima beleza musical de Saul, a sua originalidade espantosa.
Será que Pedro Ferreira se refere, por comparação subliminar, ao Messias. É certo que Messias marcou, de tal forma que se tornou quase insuportável de ouvir; uma vez tão difundido e repetido. De qualquer forma, espera-se de um erudito, e Manuel Pedro Ferreira é um erudito, que explique o que quer dizer.
Claro que Saul é marcante, é uma obra de uma beleza deslumbrante, de um domínio da arte dramática notável, quer a obra se destine ou não a ser encenada, encerra uma riqueza tímbrica e harmónica impressionante. O uso de carrilhões, dos tímbales originais, muito mais profundos que os usados no concerto de anteontem, dos solos de orgão, o solo da harpa, que Jacobs começou por dirigir e depois desistiu, trombones... Händel domina a arte de compor para a voz, coro e solistas, como poucos compositores da história da música. Creio que esta arte foi desenvolvida em Itália. Händel é muitas vezes mais eficaz que outros grandes vultos da música na escrita vocal. Saul é uma oratória a meio caminho da ópera, é um ponto de viragem extraordinário, a escrita vocal é impressionante e, claramente, marcante.

Crítica ao Concerto, René Jacobs
Voltando à crítica de Manuel Pedro Ferreira. Quando escreveu sobre Jacobs disse que este tinha perdido o pé algumas vezes, mas não foi muito longe na análise. A razão profunda desta falta de domínio tem uma razão simples: Jacobs foi um excelente cantor, o seu trabalho faz-se, sobretudo, com os cantores. Jacobs tem de se apoiar em excelentes instrumentistas, em orquestras muito batidas em concerto uma vez que não tem grandes dotes de direcção de grandes conjuntos. O concerto também não é uma gravação, onde as coisas podem ser repetidas se correm mal. E Jacobs não é um bom maestro de concerto, nunca o foi, nunca o será. Quem vê Jacobs dirigir inúmeras vezes e depois ouve os discos percebe imediatamente uma abissal diferença; diferença que em Harnoncourt, para não ir mais longe, não se nota. Jacobs bate compassos, avança colado à partitura que tem em cima da estante, bem alta para ver bem as notas e não se perder. Jacobs dirige o baixo contínuo. Jacobs dirige inclusivamente trinta compassos de um solo de orgão rematado por uma suspensão para dar entrada à orquestra nesse ponto! É evidente que dirigir é uma palavra errada, bate compassos, que é aliás o que sabe fazer em concerto. Jacobs raramente dá entradas à orquestra, embora ajude o coro. Jacobs anda sempre meio compasso adiantado sobre o tempo da batida, stressado. É uma forma de dirigir, os músicos também sabem com o que podem contar. Claro que os momentos em que a precisão é vital, em que temos páginas de ritmo complexo como fugas ou entradas canónicas que se encaixam num efeito de puzzle contrapontístico, saem sempre em perda. Isso verificu-se no concerto de Segunda Feira. O primeiro acto foi um exemplo de desacerto continuado entre a orquestra e o maestro.
Felizmente o Concerto Köln é excelente, felizmente Jacobs trabalha bem os ensaios explicando o que quer. Como o trabalho com os cantores, sobretudo os jovens ainda sem vícios, é feito com grande rigor, o resultado final, pese a insegurança e manifesta incapacidade para a regência em palco do maestro, acaba por ser bastante bom. Não é, no entanto, excelente.
Não consegue aspirar à perfeição. Attilio Cremonesi é um exemplo de maestro, por sinal acarinhado por Jacobs, com um estilo interpretativo inserido na mesma linha do belga, mas que, em concerto, tem um domínio absoluto da partitura, ao contrário de Jacobs que é dominado em absoluto pela partitura.
Outra situação incrível é a direcção do baixo contínuo nos recitativos secos, isto mesmo que apenas um instrumento acompanhe o cantor! Ou seja: Jacobs esperava pelo momento em que supunha que o cantor estava para finalizar a nota para antecipadamente dar entrada, muitas vezes apenas para mandar entrar um músico que já tinha forçosamente de ter entrado anteriormente sob pena de ter perdido o momento exacto, Jacobs tentava comandar um músico que devia esperar não pelo canto e atitude do cantor, mas pela entrada do "maestro". Jacobs conseguiu que os recitativos a seco fossem de uma dureza total, muito pouco plásticos, sem subtileza. Estes recitativos secos perderam qualquer hipótese de ter uma ênfase ditada pela variação dos tempos e acabou por destruir qualquer hipótese de recriação da retórica barroca destes momentos narrativos.

Solistas Vocais
A soprano Emma Bell soprano (Merab) só é revelação para quem não a conhece, parece uma LaPalissada mas é verdade inegável. Para mim um dos pontos de interesse deste concerto era esta soprano de elevados dotes vocais e um corpo sonoro arrepiante. Alia isto a uma grande capacidade de dizer e a uma técnica barroca cada vez melhor, sem o vibrato excessivo e dispensável de Rosemary Joshua, a soprano que fez Michal. Esta tem uma voz vulgar mas, felizmente, compensou pela composição do personagem. Infelizmente os vícios vocais desta cantora mais madura, logo menos sensível a Jacobs, deitaram a perder o que poderia ser uma interpretação correcta.
Sobre Gidon Sacks o baixo que fez de Saul, Pedro Ferreira diz que este tem timbre rude, que me permita Manuel Pedro Ferreira, mas timbre rude têm as vacas! Rude é a emissão, rude é a articulação, com impurezas, com flutuações inesperadas nos harmónicos. O que Sacks tem é uma voz pouco ágil, é uma voz muito encorpada de baixo, mas que, mesmo assim, teve problemas de emissão e falta de profundidade (potência) nos graves muito graves, isto dificultou a articulação o que o levou a atrasar-se. O tímbre nas frases mais redondas até não é mau. O problema foi mesmo a articulação sacudida e pouco ágil, na ânsia de cantar tudas as notas começou a perder a emissão e a fluidez. O tenor Jeremy Ovenden (Jonathan / Abner) foi vulgar e andou um pouco aflito a tentar ganhar mais pujança na emissão, pareceu-me cantar tudo em stress e aflito.
Lawrence Zazzo, o contratenor, fez um David em crescendo, tem agudos bonitos, mas teve entradas muito fracas no primeiro acto, e entrou quase sempre desafinado a colocar posteriormente a voz no ponto certo, foi corrigindo e fez muito bem o último acto.
Michael Slattery, tenor (Sumo Sacerdote / Feiticeira de Endor), tem uma bela voz, com bom corpo, sente-se que pode vir a ser um grande cantor tendo em conta a sua juventude. Creio que fez um Sacerdote muito bom e uma feiticeira de Endor excelente. Aqui notou-se o trabalho de Jacobs, o cantor muito jovem caracterizou a Feiticeira de forma notável e aqui concordo plenamente com o crítico do Público.

Coro
O coro esteve simplesmente notável, é evidente que um coro de 35 vozes, se for bom, consegue uma emissão sonora de grande potência, sem perder recorte, sem gritar. Aqui a surpresa de Manuel Pedro Ferreira revela a pouca escolha que temos em Portugal em termos de coros e a pouca relativização dos nossos críticos face ao deve ser o padrão normal em termos musicais. O RIAS Kammerchor é excelente, talvez o melhor elemento em palco, valorizou o concerto e deu uma vida enorme às páginas de Händel.

Orquestra
Segundo a minha opinião tivemos um excelente concerto na parte da orquestra (com os defeitos apontados à regência), um Saul que nunca aspirou à perfeição, nem poderia com Jacobs. Mas interpretado de forma muito cuidada pela orquestra, coro e solistas vocais. Uma harpa de grande nível, um violoncelo de uma sonoridade muito bela, oboés apareceram desafinados muitas vezes, flautas muito bem integradas com os violinos, fagotes, trombones, trompetes, tímbales, cordas quase sempre bem. Momentos de grande confusão, sobretudo pela já assinalada incapacidade para a direcção, em concerto, de René Jacobs.
Um aspecto assinalável foi a belíssima sonoridade do Concerto Köln. Tirámos a barriga de misérias com o verdadeiro som de uma orquestra com instrumentos originais neste país abandonado...

Afinação
A Afinação foi com o lá a 415Hz e o temperamento Vallotti. Este temperamento é ingrato para a afinação dos oboés e sobretudo para a afinação dos trompetes, Händel tem uma paleta harmónica variada nesta obra. O temperamento usado, se a afinação for muito exacta, resulta familiar aos nossos ouvidos por estar a caminho do temperado por igual mas fica muito agreste para os sopros e é ingrato para as cordas. Creio ter sido essa a razão da desafinação dos oboés relativamente aos violinos.
Não creio que Händel conhecesse ou usasse Vallotti em 1739 em Inglaterra. Mas essa questão fica em aberto...

Crítica sobre Crítica
A crítica de Ferreira no jornal "O Público" acaba por ser uma crítica justa, os meus comentários são apenas temas para discussão, pontos de discordância sobre a essência de uma crítica, em alguns casos, não devem ser entendidos como um ataque ao crítico, são apenas questão de opinião e reflexão. Provavelmente os meus comentários sobre o concerto também serão alvo de muitas opiniões discordantes e isso é francamente salutar.

Resumo
A concepção global da obra por Jacobs foi o ponto forte do concerto. Gostámos da corência interpretativa do belga. Pena os pequenos defeitos enunciados.

H.S.


9.11.04

Preços dos Bilhetes 

A "sondagem" sobre preços dos bilhetes, feita entre alguns dos leitores deste blogue, foi clara, mais de sessenta por cento das respostas situa os bilhetes entre caros e muito caros. Apenas 21% das pessoas pensam que os bilhetes têm preços normais e muito pouco alegam que só vão à borla e ainda menos que os bilhetes são baratos. Claro que as pessoas não gostam de pagar, mas resultados tão claros implicam que existe um esforço elevado de quem gosta de cultura. Estes resultados têm de ser vistos à luz da realidade portuguesa, claro que é muito difícil, para um membro da nossa classe média, poder ter consumos culturais elevados, um bilhete a trinta e cinco euros para um qualquer concerto é muito para quem tem família com filhos, quatro concertos por mês pesarão imenso no orçamento de um bancário ou de um professor. Uma ida à ópera fica por meia centena de contos se for um casal com filhos. É demais para Portugal em tempos de crise.
Evidentemente que muitos concertos têm um baixo preço quando comparados com a Áustria, a França ou a Itália. O bilhete mais barato na Schubertiade, algures nas montanhas da Áustria, é tão caro como uma primeira plateia na Gulbenkian. Mas tudo deve ser visto em termos relativos.
Outra questão que merece reflexão é os custos elevados que os programadores suportam. Regresso à Áustria, o festival de Innsbruck, que conheço bem, tem apenas dez por cento do seu orçamento coberto pela bilheteira, isto a preços que rondam os 150€ na ópera. Portugal não consegue ser excepção, de onde resulta que investimento no consumo cultural implica financiamento privado e público. Creio que esse investimento é essencial a um desenvolvimento cultural do país.
Ficam muitas pontas para reflectir...


8.11.04

Duas Valquírias 

Vamos ter, se a célebre temporada do S. Carlos 2004-2005 vier a ter existência prática, e se as previsões se mantiverem, dois primeiros actos da Valquíria. O primeiro acto a ir ao palco será sob a batuta de Christian Thielmann à frente da Orquestra da Ópera Alemã de Berlim já a vinte e dois de Novembro no Coliseu dos Recreios, concerto integrado no ciclo Grandes Orquestras Mundiais da Gulbenkian. Quinze dias depois estaria, ou está (?), previsto o primeiro acto da Valquíria do S. Carlos sob a batuta de Zoltán Peskó, eventualmente, no CCB. Recomenda-se ao público interessado a audição das duas interpretações. É certo que existe uma epidemia programativa em Portugal com interpretação das mesmas obras em períodos de tempo curtos. O mesmo se tem passado com o Saul de Händel, hoje na Gulbenkian sob direcção de René Jacobs pelas 19h. O Saul é uma oratória que tem merecido a atenção de quase tudo o que é maestro no mundo da música antiga nos últimos anos, em detrimento de obras como Jephta. As modas na programação no caso da Valquíria podem ser úteis, poderemos comparar a interpretação de Peskó e de Thielmann. As orquestras são diferentes, é certo, mas o que conta, neste caso, é a concepção e a capacidade de execução. O público pode, enfim, ter termos de comparação e aquilatar das qualidades dos diferentes directores. A impressão indelével do concerto ao vivo é marcante, suplanta, de longe, qualquer gravação. O concerto público é o supremo meio de difusão musical, onde todas as emoções se jogam, o concerto é arte pura e concentrada. O primeiro acto da Valquíria não é uma das páginas mais exigentes de Wagner em termos musicais, ambas as orquestras estão à altura da obra e os solistas, a confirmarem-se os nomes de que se fala para o TNSC, estão ao mesmo nível.
Por outro lado o primeiro acto da Valquíria é auto consistente, é uma ópera dentro de uma ópera, um drama dentro de um drama, que por sua vez é uma peça do imenso painel da Tetralogia. Não funciona como muitos primeiros actos de outras óperas, muitas vezes apenas introduções e motivo para aquecer as vozes dos cantores! É uma obra magnífica que acaba na consumação de um amor breve mas eterno entre os dois motores da acção, nas costas de um marido embrutecido e drogado. Amor que gera o herói Siegfried. É, enfim, a matriz geradora do verdadeiro drama, o drama entre os humanos que nascidos da vontade dos Deuses (ou será o contrário) acabam por liquidar o Panteão num derradeiro Crepúsculo sobre as águas purificadoras do Reno. Um arco temporal que se fecha num período futuro, mas à escala humana e não divina. O período de tempo que medeia entre a Valquíria e o Crepúsculo: uns vinte e cinco humanos anos... É evidente que a mutilação da Valquíria em actos é redutora, desvaloriza o seu papel no contexto dramático, a sua exibição em concerto é um contra senso, uma maquinação simplista que destrói a noção que Wagner tinha da obra de arte total. Seria muito pior, no entanto, a apresentação do segundo acto desta ópera fora do contexto teatral e extraído da ópera da qual é o núcleo. Isto explica-se facilmente pelo profundo significado filosófico e pelo final do segundo acto, que recorre aos elementos dramáticos expostos no primeiro acto, a morte de Siegmund por Wotan durante o combate com o marido traído: o abominável Hunting. Ah! Como Wagner detestava os maridos traídos! O segundo acto fica suspenso da perseguição futura de Wotan à sua filha Brunnhilde e a Sieglinde, cujo desfecho fica incerto nas terríveis palavras de Wotan no final deste segundo acto. Fica ainda suspenso da falta da Cavalgada que os espectadores esperam como elemento simbólico crucial de toda a obra de Wagner e que inicia o terceiro acto. Quer se queira ou não a cavalgada é um dos momentos mais populares da obra de Wagner...
Em quinze dias, um tempo de escala demasiado humana para se poder apreciar uma obra em duas versões. A não perder, verdadeiramente pedagógico, este acaso é mais pedagógico do que dezenas de artigos de jornais ou documentários.
A aguardar e esperar para poder descobrir as diferenças, será estimulante. Espera-se apenas que a parte do TNSC se confirme uma vez que o programa da Gulbenkian está confirmadíssimo e não costuma alterar-se.

7.11.04

Orquestras Sinfónicas Portuguesas e um Maestro 

Sexta Feira e Sábado 19h30m, concertos com entrada livre no auditório da Reitoria da Universidade Nova de Lisboa em Campolide.

Anunciada a Sinfónica Portuguesa, maestro Donato Renzetti. No primeiro concerto:
António Pinho Vargas, Reentering for Orchestra and Percussion Obligato.
Franz Joseph Haydn, Sinfonia n.º 101 em Ré «Clock», ou seja sinfonia o "Relógio".
Wolfgang Amadeus Mozart, Sinfonia n.º 38 em Ré «Praga», K. 504.

Não percebo o "Praga" em português e o "clock" em inglês. Deve ser uma razão mística mas adiante.

No segundo concerto:
Luís Tinoco, Zapping for Orchestra.
Franz Joseph Haydn, Sinfonia n.º 102 em Si bemol.
Wolfgang Amadeus Mozart, Sinfonia n.º 39 em Mi bemol, K. 543.

Não tinha planeado escrever nada sobre estes concertos, pelo menos hoje, estava à espera dos concertos da próxima semana, exactamente à mesma hora, no mesmo local, nos mesmo dias da semana, entrada livre. Mas algumas considerações sobre estes concertos são necessárias e urgentes.
Interessante a transparência sonora do auditório mas a acústica não é demasiadamente seca, a sala tem alguma reverberação (não muito elevada) que dá cor à música.

O anúncio de que se tratava da OSP induz em erro. A sinfónica é uma orquestra com um efectivo adequado a uma formação sinfónica, mas pode dividir-se em duas orquestras clássicas diferentes se for caso disso. Como o repertório em jogo era clássico, sendo as obras dos compositores portugueses destinadas a orquestra em formação clássica, foi o que aconteceu: nem um único elemento da orquestra, que se tenha percebido, realizou os dois concertos. Tivemos duas formações com 10 primeiros violinos, 8 segundos violinos, 6 violas, 5 violoncelos e 4 contrabaixos. Nos sopros os habituais pares de flautas, oboés, clarinetes, fagotes, trompas e trompetes, que podem ou não ser usados na totalidade, há sinfonias apenas com uma flauta, outras sem oboés mas com clarinetes, outras sem clarinetes mas com oboés. O que é certo é que a Sinfónica se dividiu em duas orquestras clássicas para dois concertos distintos.

O maestro Renzetti é uma velha raposa da regência mundial, é muito competente, sério, músico. Creio que a palavra "músico" é o melhor elogio que se pode fazer a um maestro. É muito atento aos detalhes e trabalha com os músicos a sério nos ensaios.
É pois um pouco estranho ver duas interpretações tão diferentes em dois dias. Falo da sinfonia 38 de Mozart, que escutei na Sexta Feira e das obras de Haydn e Mozart de Sábado. Enquanto na Sexta a interpretação foi pesada, pouco clara, pouco clássica na sua concepção, poder-se-ia pensar que isto se devia ao excesso de baixos nas cordas, ou a uma fraseado muito pesadão nos violinos, no Sábado o concerto foi um prazer de se ouvir. Claro que houve entradas pouco coesas, pouco exactas, sem ser na batida. Por exemplo a entrada da sinfonia 102 de Haydn foi uma catástrofe por falta de concentração dos músicos ao gesto do maestro. Claro que se ouviram deslizes nos dois dias, mas as duas orquestras completamente diferentes tiveram prestações muito desiguais em termos interpretativos. A sinfonia 38 na Sexta Feira foi desinteressante, o maestro parecia desligado dos músicos. No sábado houve música, vivacidade, alegria, o maestro estava em sintonia. Notou-se mesmo uma maior intensidade na habitual cantoria de Renzetti, algo desafinada por sinal, o que chegou a ser um pouco desagradável pelo lado puramente musical, mas divertido pelo lado da alegria e musicalidade.
Um dilema: duas orquestras diferentes iguais apenas no nome, dois concertinos diferentes, o mesmo maestro, num dia uma interpretação apagada e pesada, noutro uma interpretação viva e interessante!
É certo que o desenho do fraseado pelo maestro tentou ser colorido, muito clássico, com acentuações no lugar, isto em ambos os concertos mas notou-se maior fluidez no segundo, o efeito pretendido foi conseguido no Sábado, na Sexta ficou um pouco pelas intenções. Não se pode dizer que na Sexta as articulações fossem erradas, mas algo não funcionou.
Outro aspecto interessante de constatar é o facto do violino que está na primeira estante ao lado de Peter Devries (o concertino de Sexta Feira), toca apenas usando a ponta superior do arco! Como é possível? Outros usam apenas a ponta mais próxima da mão e não usam toda a amplitude das arcadas, num efeito visual e sonoro algo desconexo. Esta incoerência notou-se sobretudo na Sexta Feira mas repetiu-se um pouco no Sábado.
Os sopros estiveram francamente bem nos dois concertos e Renzetti elogiou a secção mandando levantar os sopros em primeiros lugar.

Em resumo: duas orquestras diferentes, numa um maestro com ar infeliz e um concerto morno. Com a outra orquestra um maestro feliz e muita musicalidade.

Penso que a grande razão foi mesmo a equipa de concertinos em cada concerto. O concertino é o elemento da orquestra que funciona como braço direito do maestro. Ao primeiro violino compete marcar as arcadas, o fraseado e a articulação acabam por ser marcados pelo concertino, ao concertino compete liderar o naipe dos primeiros violinos, inclusivamente acertar os momentos menos bons, dar entradas, conduzir a voz principal da orquestra, acertar a afinação.
Como pode ser possível liderar uma orquestra com os defeitos que Peter Devries demonstra? Defeitos que já foram tão dissecados aqui neste local que nem vale a pena repetir. Refira-se que o número habitual do concertino, para mostrar que é alguém, é chegar depois dos seus companheiros de trabalho para receber umas palmas tristes. Devries lá fez a tal habilidade no concerto de Sexta Feira, lá entrou depois dos outros armado em "artista". Se, além dessas chachadas tristes e fora de contexto, conseguisse liderar o seu naipe e a orquestra, se conseguisse dar coesão à orquestra, se tocasse de acordo com o que está escrito e não fingisse dirigir os seus pares a abanar-se continuamente, a dar umas cacetadas com o arco nas cordas, a entrar sistematicamente uns milésimos de segundo antes do tempo, se se preocupasse em seguir as indicações do maestro, se tocasse piano e pianíssimo onde está escrito na sua parte, sem excessos de sonoridade, talvez tudo pudesse correr melhor. Por outro lado o seu companheiro de estante poderia ao menos tocar com o arco todo e não apenas com metade!
Já Alexander Stuart (concertino do Sábado) e a sua companheira de estante fizeram um trabalho bem mais sério, integraram integrando-se, foram humildes perante a música, afinal a melhor forma de atingir a perfeição musical: sem perder a inteligência própria do intérprete acabar por ter interpretações em coerência com as obras e com o dirigente. Creio que foi este o segredo da diferença entre as interpretações dos dois concertos.

A obra de Luís Tinoco estreada no Sábado é muito interessante. Tinoco utiliza aqui uma linguagem tonal, com inúmeras referências a obras clássicas, utilizando os tiques clássicos bem conjugados para criar ironia sem sarcasmo, um ritmo vivo, uma utilização sábia da percussão, uma obra com imensa alegria, em que o elemento humorístico não esteve alheio. Todos estes ingredientes deixaram o público rendido à arte de Tinoco. Apenas o bater de tacão dos músicos da orquestra correu mal! Parecia um esquadrão de cavalaria descompassado e não o passo certo da infantaria de elite, mas isso acabou por dar alguma graça à interpretação e desculpa-se, afinal ninguém paga aos violinistas e seus pares para baterem com os pés...
Infelizmente não pude ouvir a obra de António Pinho Vargas, afinal um dos principais motivos de interesse do primeiro concerto.

Renzetti é um grande maestro e um grande músico e mostrou-o. Espera-se que a actual direcção do S. Carlos mude depressa o ex-titular Peskó dos programas para os quais está previsto (Mahler e Wagner imagine-se, só por gozo eu poria Peskó a dirigir esses compositores) e o substitua pelo italiano. É difícil transformar a idiomática de uma orquestra. Renzetti conseguiu a meio gás na Sexta Feira e plenamente no Sábado. Eu arrisco a dizer que está encontrado o futuro titular. E desta vez, finalmente ao fim de anos e anos de maestros medíocres ou acabados, a Sinfónica Portuguesa terá um titular digno desse nome.

Nota negativa para o público que primou pela ausência já que o público presente se mostrou conhecedor, o concerto de Sexta foi recebido com muita moderação e o concerto de Sábado com algum entusiasmo, mas sem os excessos bem lusitanos e bem provincianos dos bravo(s) desmedidos. Evidentemente que escutei concertos cheios de berraria bem piores que estes mas é assim este país de santanetes e afins. Faço um apelo a uma maior afluência de público aos dois concertos da próxima semana, Renzetti é um grande maestro e a orquestra (pelo menos na metade melhor) está em forma.

4.11.04

Bidons - Frausto da Silva - Guta Moura Guedes 

Ler a excelente resenha no JN sobre o assunto CCB.
Note-se sobretudo a opinião do musicólogo e professor universitário Ruy Vieira Nery.
Manifesto ainda uma profunda preocupação pela perspectiva do final da Festa da Música em Portugal...

Recordamos finalmente o grande ponto do currículo de Guta Guedes, a Experimenta Design, os Bidons, 2003. Pagou a Galp, era presidente António Mexia actual ministro das obras públicas do governo do então presidente da Câmara e grande entusiasta deste tipo de eventos: Santana Lopes. Detalhe de uma fotografia promocional do evento.



Jorge Sampaio 

Segundo creio disse algo do género:

O segundo mandato é a altura de corrigir os erros do primeiro.

H.S.

Schütz 

Depois de um dia inteiro a escutar Heinrich Schütz não sei o que me deu na cabeça para ir ao ballet Gulbenkian ouvir Vitor Rua variando sobre o "tema The Swan" de Camille Saint-Säens.
Leio e releio o programa. A palavra "Swan" fez-me uma ligeira cócega na leitura, ao reler o texto passa a alergia. Swan está em inglês puro e duro, deve ser a propósito da língua original do compositor... Muito erudito o programa.

Gostei mais da coreografia de Clara Andermatt e do trabalho dos bailarinos do que da "música" de Rua. É claro que o comentário sobre bailado é apenas uma opinião de leigo, não pretendo fazer crítica, não sou tudólogo...

H.S.

3.11.04

Zsolt Hamar - Andreoli - OSP - Coro do S. Carlos 

É um momento de alegria poder escutar a Orquestra Sinfónica Portuguesa ao seu melhor nível. Concerto na Basílica de Mafra, 31 de Outubro de 2004, 21h. Zsolt Hamar, OSP e coro do S. Carlos, Dora Rodrigues soprano, Luís Rodrigues barítono, um organista... Obras de Toru Takemitsu (requiem para orquestra de cordas) e de Gabriel Fauré (requiem para orgão, coro e orquestra reduzida, versão de 1893).


Maestro Zsolt Hamar, o jovem que dirigiu a orquestra e coro foi referido por Yehudi Menuhin em 1997:
"I have seen Zsolt Hamar in action in Budapest. He is one of the most dynamic, precise, and intelligent of young conductors I have heard."
Não admira muito que a secção de cordas da orquestra sinfónica, sob a batuta deste maestro, tenha soado de forma rigorosa, coesa, espessa, sem perda de plasticidade na peça de Tokemitsu, um compositor japonês, falecido em 96 com 66 anos, que muito admiro pela sua excelente música de câmara e que preencheu a primeira parte do concerto final do Festival Internacional de Música de Mafra.
O concertino Alexander Stuart foi correcto na ajuda prestada ao maestro. Sem exuberâncias, sem excessos levou a sua secção a uma afinação precisa e a uma muito boa prestação no requiem para cordas de Takemitsu. Uma excelente primeira parte.

A segunda obra em programa é o célebre requiem de Fauré, que este compositor escreveu em memória do seu pai. Uma reflexão calma sobre a morte, uma obra muito introspectiva, de uma beleza serena. Uma obra falsamente fácil. Apenas andamentos lentos, precisamente os mais difíceis para a transmissão das emoções, onde a língua da música pode assumir mil graus de liberdade para atingir o ouvinte no ponto mais sensível à compreensão da mensagem do compositor. Não existe um único caminho para esse fim, mas Zsolt Hamar encontrou um caminho não necessariamente sereno. Muitas vezes os sf's, os pianos súbitos, o enriquecimento sonoro com a utilização do naipe das trompas ou da harpa, a gama dinâmica do coro, foram usados de forma muito subtil e adequada à obra pelo jovem maestro. Uma obra sem violinos, excepto o bom solo de Stuart, sem excessos de sonoridade ou vibrato, calmo, contido. Uma obra para cordas grossas! Para violas, violoncelos e contrabaixos, sopros reduzidos ao mínimo, orgão e harpa.
Impressionou sobretudo a capacidade de leitura de uma obra madura, como o requiem de Fauré. A leitura do maestro foi mais importante do que a sua capacidade de dominar a orquestra e o coro e a sua precisão técnica, reconhecidamente elevadas.
Uma palavra para o coro, não se poderia imaginar que o coro pudesse subir tanto em tão pouco tempo! Afinado quanto baste, sem ser perfeito; sem os gritos do costume, excepto de vez em quando um pouco agreste nos fortíssimos; capaz de subtilezas dinâmicas, conseguiram-se ouvir pianos e fortes, mesmo pianíssimos! A dicção não foi o forte neste concerto, mas as palavras ainda se conseguiram escutar, mais ou menos distorcidas. Ou seja, já é possível criticar o coro do S. Carlos como se tratasse de um coro normal e não de uma aberração musical. Anteriormente criticar este coro era quase degradante para o crítico, era descer demasiado baixo! Hoje em dia a instituição e a música portuguesa estão a recuperar e a regenerar um verdadeiro coro. É notável, é obra. Diria que esta subida de nível vale os ordenados principescos de Andreoli, o novo maestro de coro, e do seu assistente. Quando há obra pode-se dizer que o dinheiro é bem gasto. E assim é com este maestro italiano. Espera-se que continue o bom trabalho e o coro vá melhorando do nível médio em que se encontra e atinja o nível, já relativamente elevado, da OSP (que tem ainda uns problemas para resolver).
A orquestra esteve muito bem em termos gerais, um prazer escutar a orquestra bem dirigida, com os seus músicos em forma, houve subtileza, recorte, coesão, afinação. É difícil criticar quando a orquestra responde bem. Pouco há a dizer, apenas elogiar.

Os cantores solistas: Dora Rodrigues e Luís Rodrigues tiveram prestações diferentes. Luís Rodrigues, barítono, foi muito pouco doce (é a palavra que surge na partitura), já tinha sido muito rústico no mesmo requiem na Sé de Lisboa no final do Festival de Orgão de Lisboa. Continuou a ser rústico na Basílica de Mafra. Uma articulação muito em esforço, muito sacudida, e uma voz a perder-se (por excesso de trabalho?), algo agreste. Note-se que a partitura é fácil e Rodrigues teve dificuldades na dinâmica e mesmo na emissão das notas. Um exemplo é a passagem do compasso 63 para 64 do ofertório onde a descida do lá sustenido para o sol sustenido foi muito áspera, em dificuldade, já o tinha sido exactamente neste mesmo ponto na Sé de Lisboa, creio que o cantor não entrou bem no lá sustenido e o resultado foi um momento muito complicado para quem ouvia e para o próprio. Luís Rodrigues devia ter preparado melhor esta passagem de um concerto para o outro... O bom cantor que é Luís Rodrigues deveria parar um pouco para repousar a voz e tentar ser mais redondo. Dora Rodrigues, soprano, tem um timbre muito belo e cumpriu de forma muito suave as partes a solo que lhe cumpriam. Um soprano que é cada vez mais um valor seguro, mas é jovem e tem um longo caminho à frente, que continue neste caminho, uma grande cantora em perspectiva.
O organista esteve fraco, o orgão não ajudou nada, uma espécie de orgão a pilhas (esta é irónica) do Teatro Nacional de S. Carlos. A obra destinava-se ao grande orgão da igreja de La Madelaine onde Fauré era titular. Mas o exemplo pior foi mesmo o final "In Paradisum" onde o orgão perdeu totalmente o ritmo e o passo. Notou-se muita flutuação rítmica no orgão desde o início do requiem de Fauré. Não percebi a chamada às palmas do organista no final...
Um concerto de muito boa qualidade no balanço final, o público saiu satisfeito da Basílica de Mafra.

2.11.04

Biber Sonatas do Rosário 

As 15 sonatas do Rosário para violino e baixo de Ignaz Franz von Biber, rematadas por uma passacaglia para violino solo (1674 ?), são obras de uma dificuldade técnica impressionante.
É quase impossível sequer imaginar tocar as sonatas na sua totalidade com apenas dois violinos, tal a diversidade de afinações que os instrumentos têm de suportar ao longo do ciclo do Rosário, Mistérios Inefáveis (traduzidos algumas vezes por "Gozosos"), Mistérios Dolorosos e Mistérios Gloriosos. Alice Pierot escolheu 8 das sonatas e concluiu o seu concerto na biblioteca do Convento de Mafra, quase no fecho do Festival Internacional de Música de Mafra, com a Passacaglia do Anjo da Guarda.

Programa: Sonatas do Rosário de Biber:
1,3 (Mistérios Jubilosos).
6,9,10 (Mistérios Dolorosos).
11,13,14 (Mistérios GLoriosos).
Passacaglia do Anjo da Guarda.

Usou apenas dois violinos que foi afinando de acordo com a scordatura da sonata que viria mais à frente, deixando um dos violinos a descansar, preparado de antemão para a sonata que viria depois. Sabe-se que os violinos têm de ter um tempo de relaxação para depois poderem ser tocados com a nova afinação sem se desafinarem catastroficamente.
É evidente que esta técnica nem sempre resultou em pleno, cinco ou dez minutos de espera não são suficientes para um violino se adaptar a uma afinação nova, ou seja, a uma tensão das cordas totalmente diferente do habitual. Esta situação foi muito complicada de gerir, nomeadamente na sonata nº 3, a segunda a ser tocada, em que o violino entrou praticamente em "estado de loucura" saindo harmónicos a cada arcada...
A música de Biber, se não for reinterpretada a cada passo, torna-se repetitiva. Creio mesmo que seria impossível estas sonatas serem destinadas a um interpretação sequencial. Primeiro pelas temáticas litúrgicas serem muito variadas, logo impensável para um só dia, mas para momentos e estados de alma diversos. Segundo, porque as afinações dos instrumentos são demasiado complexas para se poder pensar em tocar tudo de seguida. Terceiro, porque a natureza da música não se presta a uma interpretação sequencial. A obra tem de ser vista de acordo com a sua natureza simbólica
É, pois, um feito de vulto "Les Veilleurs de Nuit" consiguirem executar nove das 16 peças deste ciclo num único concerto. Alice Pierot no violino, Marianne Muller na gamba, Pascal Manteilhet na tiorba e Elisabeth Geiger no cravo e orgão são um agrupamento heterodoxo. A tiorba muito civilizada de Pascal parece um instrumento de um filósofo, muito sereno foi seguro e chegou a transmitir algumas emoções. A gamba de Marianne Muller é, no entanto, francamente banal, preocupada com a sonoridade, com a afinação perfeita, com a emissão de todo o tecido sonoro, deixou a poesia no tinteiro, faltou a improvisação, faltaram os momentos mágicos. No cravo e orgão, Elisabeth Geiger foi competente, gostei do dramatismo que emprestou aos momentos mais densos, usando registos muito sonoros do orgão. Foi convincente no momento do terramoto após a morte do Cristo, por exemplo. Mas era a Alice Pierot que competia ser a chama do vulcão neste concerto. A obra de Biber repousa toda no violino. Alice foi interessante nas sonatas dos Mistérios Jubilosos, foi igualmente interessante nos Mistérios Dolorosos, e de novo interessante nos Mistérios Gloriosos. Ou seja, não conseguiu transmitir a dor a angústia de Cristo entre o Monte das Oliveiras e a Morte no Madeiro, limitou-se a ser igual nos três momentos. Os afectos ficaram um pouco perdidos na técnica mais ou menos irrepreensível de Alice Pierot, pouco arrebatada em estados de alma e muito preocupada com os dois violinos e a sua afinação. A música terrivelmente difícil de Biber não deixou Pierot libertar-se para a transcendência.
Felizmente nos "Mistérios Gloriosos" voltou um pouco de Luz à interpretação de Alice Pierot. Sem ter um volume sonoro muito elevado, conseguiu transmitir alguma emoção à Ressureição, ao Pentecostes e à Assunção da Santíssima Virgem; as três sonatas que escolheu para esta parte do concerto. A passacaglia (dita do Anjo da Guarda) final foi muito arrastada e sofreu de novo da falta da capacidade de reinvenção de Alice Pierot. Uma Passacaglia repetitiva, facilmente banalizável, capaz de ser reduzida ao mau gosto com muita facilidade acabou por ser tocada de forma monótona e sem grande acentuação. É muito difícil classificar o que faltou, talvez uma maior acentuação, uma maior gama dinâmica, uma maior emoção, mas que faltou algo não haja dúvida...
Um concerto muito bom, a que faltou o sal do génio musical. O comentário final é simples: a coragem de Alice Pierot em abordar estas obras é notável. O concerto foi um prazer de escutar, mas talvez Alice Pierrot fizesse melhor em reduzir a ambição e executar apenas uma ou duas sonatas deste ciclo variando o programa. Pierot não tem capacidade para se reinventar a si e à obra de forma a conseguir manter um nível elevado ao longo de toda a execução deste ciclo complexo do final do século XVII.

Nota muito negativa para os intervalos antes da cada sonata para umas frases explicativas de Alice Pierot a que se seguia uma "tradução" do francês, aliás muito esforçada, do que Pierot dizia antes de cada sonata. Penso que esse esforço poderia ter sido mais ensaiado para se evitarem as situações caricatas que desconcentraram o público do que interessava: a música. Pierot não teve grande sensibilidade para o tradutor, dizendo frases longuíssimas e mostrou pouca capacidade de expressão verbal. O tradutor não ligava grande coisa ao que Pierot dizia e inventava o texto da tradução! Chegou a meter os seus próprios comentários e citou o "Guarda-me las vacas" no momento mais sensível do concerto, a sonata da crucificação! Foi um momento de surrealismo absolutamente delirante, a gargalhada antes da crucificação...

Nota negativa para os pais que levam as crianças aos concertos deste tipo de música, sabendo que estas não tiram qualquer proveito e incomodando quem quer escutar. Uma criança muito pequena passou todo o concerto a dormir e a ressonar debaixo do ar babado dos pais. Outras passaram o concerto todo a perguntar quando acabava, a fazer barulhos com as cadeiras, os sapatos, a amarrotar os papéis do programa, etc, etc,.. Isto não é chamar crianças para a música, isto é traumatizar e vacinar os petizes contra a música. Ao menos que os papás escolham programas mais de acordo com a juventude dos rebentos.


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